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Viena: a cidade do século

Como Viena produziu ideias que moldaram o Ocidente

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Por Redação
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Viena: acidade do século. Foto: The Economist Foto: The Economist

Tendo a seus pés as pedras que recobrem o pavimento da Michaelerplatz, no centro de Viena, o mundo dos impérios, das valsas e das suíças bastas defronta-se carrancudamente com a era moderna da psicanálise, da música atonal e dos rostos desbarbados. De um lado, o monumental pórtico neobarroco do palácio de Hofburg, antiga residência dos Habsburgos; do outro, a Looshaus, toda linhas retas e fachadas despojadas, um dos primeiros edifícios a ser concebido segundo os princípios do “estilo internacional”. Esse rebento do modernismo, projetado por Adolf Loos, foi concluído em 1911, menos de 20 anos depois do pórtico encimado por um domo que é seu vizinho de frente. Mas o edifício representa uma estética tão discordante, uma visão de mundo tão divergente que houve quem se perguntasse se a sociedade que produzira obras tão antagônicas, num intervalo tão curto de tempo, teria como sobreviver. Diz-se que o imperador Francisco José mantinha as cortinas permanentemente fechadas, para não ser obrigado a olhar para o mundo novo que se erguia do outro lado da praça.

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Os céticos tinham razão. A sociedade imperial vienense não podia mesmo sobreviver. Mas as ideias e a arte que vieram à tona no período mais fecundo de sua história, entre o fim da década de 1880 e os anos 1920 — da arquitetura modernista de Loos às telas simbolistas de Gustav Klimt, da música atonal de Schoenberg ao Sturm und Drang de Mahler e à filosofia de Ludwig Wittgenstein —, isso perdurou. Os vienenses que escaparam do nazismo fecundaram o Ocidente durante a Guerra Fria e resgataram as tradições do empirismo e da democracia liberal.

A efervescência estava inscrita no contexto mais abrangente da revolução geracional que varreu a Europa, de Berlim a Londres, no final do século 19. Mas o rebuliço vienense foi mais intenso e se estendeu por um horizonte mais vasto. Também despertou reações mais extremadas. Saído das províncias austríacas, Hitler chegou a Viena em 1908 e ali desenvolveu suas teses sobre raça e poder. Assim, Viena foi, a um só tempo, berço do modernismo e do fascismo, do liberalismo e do totalitarismo, correntes que moldaram grande parte do pensamento e da política ocidentais nos cem anos transcorridos entre o momento em que a cidade começou a implodir, em 1916, e os dias de hoje. Foi o século vienense.

O que distinguia a Viena de antes de 1914 da maioria das outras capitais europeias, conferindo à escola vienense seu peculiar elã intelectual, era o fato de que, mais do que capital nacional, ela era uma cidade imperial. Viena estava no centro do império austro-húngaro, um colosso territorial que se estendia de Innsbruck, a oeste, até quase o Mar Negro, a leste, com uma população de 53 milhões de pessoas. Em 1867, o império foi dividido em dois: uma Hungria de predominância magiar, tendo Budapeste como sede administrativa, e uma outra metade heterogênea, multiétnica e multilíngue, comandada por Viena. Em consideração a seu caráter multinacional, essa metade não levava o nome de Áustria, sendo amiúde denominada Cisleitânia, referência a um afluente do Danúbio.

Na segunda metade do século 19, os súditos de Francisco José começaram a afluir à cidade: italianos, eslovacos, poloneses, eslovenos, morávios, alemães e, sobretudo, tchecos. Em 1910, com 2 milhões de habitantes, Viena era a sexta maior cidade do mundo. As fortunas amealhadas com a industrialização acelerada do império — muitas das quais recheando os cofres de famílias judaicas tradicionais ou assimiladas, como os Wittgensteins e os Ephrussis, — mudaram o cenário urbano. Seus palacetes adornavam a Ringstrasse, bulevar mais elegante da cidade. Em 1914, os judeus constituíam cerca de 5% da população da Cisleitânia. Não tinham direitos como nacionalidade ou grupo linguístico; mas, como indivíduos, gozavam de todos os direitos civis. Como observa o maior historiador do período, Carl Schorske, os judeus “tornaram-se o povo supranacional de um Estado multinacional, o grupo que, com efeito, tomou o lugar da antiga aristocracia. Seu destino permaneceu atrelado ao do Estado cosmopolita e liberal”.

Viena era uma mistura de classes e nacionalidades, religiões e visões de mundo. Peça um Wiener melange num café vienense hoje, sugere Steven Beller, autor de, entre outros, Uma História Concisa da Áustria, mexa o leite quente com o café amargo, e a cultura imperial vienense vem à tona, dissolvendo as diferenças em algo novo. A elite cultural da cidade estimulava os entrechoques intelectuais para dar à luz coisas novas. “Havia esperma no ar”, como disse, de maneira não muito feliz, o escritor Stefan Zweig.

Em meio à babel de povos e línguas, o pensamento vienense era impulsionado pela busca de formas universais de comunicação. Tratava-se de descobrir o que as pessoas tinham em comum por trás da fachada das convenções sociais, a fim de, nas palavras do arquiteto Otto Wagner, “mostrar ao homem moderno sua verdadeira face”. Dessa busca nasceram algumas das mais importantes escolas intelectuais do século 20, assim como as figuras influentes, muitas das quais para lá de excêntricas, que as animavam. Entre elas havia certo Sigmund Freud, que criou a psicanálise para revelar os arquétipos do inconsciente.

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O Tractatus Logico-Philosophicus permanece sendo o mais célebre texto da filosofia vienense. A influência do positivismo lógico do Círculo de Viena, em que pontificavam Moritz Schlick e Rudolf Carnap (ambos alemães), provavelmente foi ainda maior, preparando o terreno para a filosofia analítica moderna. O mais talentoso do grupo era Otto Neurath, que além de ter publicado obras sobre filosofia da ciência, sociologia e economia, revolucionou a transmissão do conhecimento, criando novas maneiras de transpor informações complexas para diagramas simples: tornar o conhecimento acessível significava democratizá-lo. Todas as formas de visualização de dados utilizadas atualmente provêm de seus “Isotypes”.

A escola vienense também fez incursões por áreas novas, como, notadamente, o sexo. Antes de Freud, houve Richard Krafft-Ebbing, que estudou em Graz antes de se mudar para Viena, e em 1886 publicou Psychopathia Sexualis, primeira tentativa de aplicar uma metodologia rigorosa ao estudo da sexualidade. Baseando-se em processos judiciais, Krafft-Ebbing analisou a homossexualidade e a bissexualidade. Foi sua obra que popularizou os termos “sadismo” e “masoquismo”. (Leopold von Sacher-Masoch, epônimo deste último e autor de A Vênus das Peles, ainda que súdito do imperador, não era vienense.)

Em parte, foi o próprio imperador quem abriu o caminho para as sensibilidades modernas. Por mais que fosse um homem de gostos ultraconservadores, Francisco José tinha deveres para com todos os povos de seu império, e tentou garantir as liberdades — de movimento, religião e imprensa — e a igualdade de direitos consagrados na Constituição liberal de 1867. Foi assim que a monarquia mais artrítica da Europa com frequência apoiou alguns dos projetos artísticos mais vanguardistas da época — como o movimento Secessão Vienense, de 1897 —, a fim de fortalecer o idioma universal da arte e da arquitetura e, com seu auxílio, tentar unificar o império. Artistas secessionistas eram contratados para desenhar os selos e as moedas do imperador. Apesar de fechar as cortinas de seu palácio para não ver a Looshaus, Francisco José nada fez para impedir sua construção.

Retrato de Adele Bloch-Bauer I porGustav Klimt Foto: The Economist

Anschluss e depois. As mesmas tensões e embates que fertilizaram a vida cultural da capital tiveram consequências menos salutares para o império como um todo. Assediado pelas forças do nacionalismo, em particular do pangermanismo, o Estado cosmopolita começou a ruir. A afluência a Viena de indivíduos das mais variadas origens gerava ressentimento crescente no operariado alemão; os imigrantes tchecos, em particular, aceitavam empregar-se com salários mais baixos e piores condições de trabalho. Ao mesmo tempo, a agitação promovida por nacionalistas tchecos, sérvios e outros era cada vez mais intensa.

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Não tardou para que os judeus, em sua condição de povo supranacional do Estado multiétnico, se tornassem alvo de todo nacionalista inimigo do império. Georg Schoenerer, filho de um bem-sucedido industrial vienense, foi o primeiro a transformar o antissemitismo em programa político, denunciando os “vampiros insaciáveis” que rondavam as “casas de janelinhas estreitas dos agricultores e artesãos alemães”. De 1900 em diante, o desemprego, a inflação e as precárias condições de moradia em Viena passaram a alimentar o descontentamento de muitos alemães, resultando em tumultos frequentes e violências cometidas contra outras nacionalidades. Karl Lueger canalizou o antissemitismo de Schoenerer para um movimento político, candidatando-se a prefeito com o slogan “Viena é alemã e deve permanecer alemã”. Essa rejeição explícita ao caráter multiétnico de Viena o colocou em conflito direto com o imperador. Em razão do antissemitismo de Lueger, Francisco José se recusou a nomeá-lo prefeito em 1895, quando seu Partido Cristão-Social conquistou a maioria das cadeiras da Câmara Municipal. Dois anos mais tarde, o imperador finalmente cedeu à pressão popular e Lueger governou a cidade até 1910.

Foi o começo do fim da Viena liberal. Depois da guerra, e com a queda da monarquia, sobreveio um breve momento de socialdemocracia progressista, a era da “Viena Vermelha”. Mas, o tempo inteiro, na nova e truncada república da Áustria, o conservadorismo das províncias ia lentamente fechando o cerco sobre o país. Em 1933, Engelbert Dolfuss assumiu o poder em nome do austro-fascismo que em 1938, com o Anschluss, daria lugar ao nazi-fascismo. Trinta anos antes, ao chegar a Viena, vindo de Linz, na Alta Áustria, Hitler ficara fascinado com Schoenerer e, sobretudo, Lueger. Absorvera avidamente todas as queixas que seu ídolo cultivava contra os judeus e a mistura de “raças”; dizia que os vienenses eram um “bando de gente nojenta”. Assim, a Viena liberal produziu seu mais perfeito avesso: o nacionalismo e antissemitismo militantes. No entreguerras, essas forças foram pouco a pouco tomando conta da nova Áustria e, dos anos 1920 em diante, muita gente buscou refúgio no exterior. Um dos últimos a fugir foi, em 1938, Freud.

O destino da maior parte dos exilados era a Grã-Bretanha ou os Estados Unidos, que frequentemente se mostravam gratos em recebê-los. Na época, o que o pensamento vienense tinha de mais valioso para oferecer ao Ocidente era aplicação de métodos “científicos” atuais a áreas que até então permaneciam relegadas à teorização diletante, quando não eram totalmente negligenciadas. Considere-se, por exemplo, a obra de Charlotte Buehler, pioneira da psicologia infantil. Filha de judeus, ela nasceu em Berlim, mas se mudou para Viena com o marido Karl em 1922. Na Universidade de Viena, por meio de meticulosa observação direta, os Buehlers elaboraram seus influentes testes de resposta: formas de avaliar o desenvolvimento de uma criança conforme a realização tarefas gradualmente mais complexas. Até hoje esses testes são utilizados: aos 6 meses, um bebê deve ser capaz de distinguir uma mamadeira de uma boneca; aos 18, espera-se que atenda ao comando “não”.

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Era comum que os intelectuais vienenses, demonstrando sobranceira indiferença pela camisa de força que a comunidade científica moderna impusera a si mesma, transportassem as descobertas de uma disciplina específica para outras áreas do conhecimento, obtendo assim avanços enormes. Nos EUA, alguns dos discípulos que Freud treinara em Viena, usaram as ferramentas da psicanálise para revolucionar o mundo dos negócios. Ernest Dichter, autor de A Estratégia do Desejo, mudou o destino de diversas empresas com campanhas publicitárias que intencionalmente exploravam os desejos subliminares dos consumidores.

Outro exemplo é Paul Lazarsfeld, que fundou a moderna sociologia americana. Filho de judeus, Lazarsfeld estudou matemática em Viena, concluindo sua formação com um doutorado sobre a teoria da gravidade de Einstein. Então passou a aplicar o conhecimento que acumulara em métodos quantitativos àquilo que ficou conhecido como pesquisa de opinião, ou mercado, identificando o que as pessoas realmente sentem em relação a uma infinidade de coisas, de programas de TV a candidatos presidenciais. Em 1931, em Viena, Lazarsfeld conduziu a primeira sondagem científica com uma amostra de ouvintes de rádio. No ano seguinte, publicou, em colaboração com sua mulher, a psicóloga Marie Jahoda, e o sociólogo Hans Zeisel, um estudo revolucionário sobre os devastadores impactos sociais e psicológicos do desemprego. Os três fizeram o que hoje recebe o nome de “pesquisa de campo”, registrando meticulosamente os resultados de uma série de entrevistas com operários desempregados na cidade austríaca de Marienthal.

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Instalando-se nos EUA em 1933, Lazarsfeld criou o Departamento de Pesquisa Social da Universidade de Columbia. Sua equipe foi a primeira a utilizar grupos focais ― técnica desenvolvida por seu ex-aluno Dichter ― e análises estatísticas para sondar os mistérios das preferências manifestadas por eleitores e consumidores, assim como o impacto dos então emergentes meios de comunicação de massa. Dessa forma, Lazarsfeld e outros ajudaram a revitalizar métodos moribundos e antiquados de investigação científica, reequipando-os com as mais recente técnicas vienenses, em muitos casos salvando da decrepitude, quando não da extinção, linhagens inteiras de tradições intelectuais do Ocidente.

Peregrinos na montanha. Nenhuma outra área do conhecimento se beneficiou tanto do fenômeno como a economia política. A chamada “escola austríaca”, composta por figuras como Joseph Schumpeter, Ludwig von Mises e Friedrich Hayek, teve papel decisivo no reflorescimento do liberalismo e do conservadorismo no Ocidente após a 2.ª Guerra. Embora os três fossem originários de pontos muito diferentes do império ― von Mises, filho de judeus, nasceu na Galícia, região que abrangia partes das atuais Polônia e Ucrânia; Schumpeter, filho de católicos de língua alemã, na Morávia, que hoje faz parte da República Tcheca; e Hayek, na própria Viena ―, tiveram a mesma formação intelectual liberal que fez deles produtos típicos da Viena dos Habsburgos.

Von Mises e seu aluno Hayek perceberam antes de muita gente que, na Europa do entreguerras, a era liberal começou a ser sobrepujada pelo coletivismo e pelo totalitarismo de direita e esquerda. Posteriormente, ambos dedicariam suas vidas a reverter essa maré. Como os melhores intelectuais vienenses, Hayek combinava o conhecimento técnico em economia com um horizonte vastíssimo de investigação: além de obras sobre economia, publicou trabalhos de direito, sociologia e outras áreas. Sua maior contribuição foi restituir rigor intelectual à escola de pensamento econômico que privilegia o livre mercado, expondo em detalhes o “mecanismo de formação de preços”, a fim de mostrar que a economia socialista não tinha como funcionar em teoria, quanto mais na prática. Mas Hayek não se contentava com o mundo árido do pensamento. Também era um divulgador incansável da causa liberal. Tendo emigrado para a Grã-Bretanha em 1931, foi autor da primeira obra que convocou os liberais a reagir, O Caminho da Servidão, publicado em 1944. O livro era provocadoramente dedicado aos “socialistas de todos os partidos”, deixando implícito que, ao final da 2.ª Guerra, todos os partidos britânicos, até mesmo o Conservador, de Winston Churchill, haviam descambado para o coletivismo com a defesa do Estado de Bem-Estar Social.

Para organizar a reação, em 1947 Hayek fundou a Sociedade de Mont Pelerin (MPS). Batizada com o nome da montanha suíça onde aconteceu a primeira reunião do grupo (pelo simples motivo de que seus fundadores não conseguiram chegar a um consenso sobre um nome mais apropriado), a MPS foi uma versão particular de Hayek para o Círculo de Viena. O grupo juntava os liberais vienenses no exílio, como Karl Popper, que acabara de publicar A Sociedade Aberta e Seus Inimigos, com seus colegas de resistência na Alemanha, França, Grã-Bretanha e EUA, entre os quais se destacava o economista americano Milton Friedman. Ao longo das décadas seguintes, a MPS incentivou a formação de inúmeros centros de estudos e pesquisas, todos empenhados em espalhar a palavra da escola austríaca pelo mundo afora. Políticos costumavam frequentar suas reuniões. Os economistas da “Escola de Chicago” eram, em sua maioria, membros da MPS. Em meados dos anos 1970, depois de passar décadas caindo em ouvidos moucos, as ideias de Hayek foram retomadas por uma nova geração de políticos, formada, entre outros, por Margaret Thatcher e Ronald Reagan.

O consenso conquistado nos anos 1980 sobre a primazia do livre mercado e da democracia perdurou, intacto, por mais algumas décadas. Foi, em parte, um tributo aos esforços intelectuais dos vienenses de Francisco José. Também explica sua enorme influência no Ocidente. A escola vienense colocava a experiência vivida dos indivíduos ― em vez das abstrações de classe, raça e nacionalidade preferidas por seus adversários ― no cerne de seus esforços intelectuais. Por isso, a pesquisa empírica de uma Buehler ou de um Lazarsfeld tendia a trabalhar com “a madeira torta da humanidade”, como dizia Immanuel Kant, em vez de tentar endireitá-la, como faziam os marxistas, fascistas e demais apologistas da sistematização. Numa conferência proferida por John Maynard Keynes, um inveterado sistematizador, o vienense Peter Drucker, fundador da moderna teoria da administração, viu com clareza a diferença: “De repente me dei conta de que Keynes e todos aqueles brilhantes alunos de economia estavam interessados no comportamento das mercadorias, ao passo que eu me interessava pelo comportamento das pessoas”.

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Era principalmente por isso que os vienenses costumavam a ser mais persuasivos que seus concorrentes. Mas a ênfase no indivíduo também caía como uma luva para um Ocidente exaurido que, a partir de 1947, viu-se obrigado a dar combate à União Soviética na Guerra Fria. Os exilados vienenses foram fundamentais na tarefa de aprimorar os argumentos intelectuais e culturais em defesa da democracia, numa época em que muitos jovens ocidentais haviam se bandeado para o lado de causas esquerdistas mais em voga. Seus admiradores anglo-saxões trataram de colocá-los em cargos universitários e outras posições de prestígio. Por terem tido contato pessoal direto com o inimigo totalitário, os vienenses conseguiam articular uma defesa mais convincente da liberdade.

Todavia, a liberdade esposada pelos vienenses tinha um preço: a seu ver, o rigor intelectual e a autodisciplina eram condições indispensáveis para quem quer que pretendesse tomar a palavra e intervir no debate. Mesmo na época, a exigência se mostrou excessiva para diversos jovens de Viena, muitos dos quais acabaram se suicidando por não corresponderem aos critérios de excelência que estabeleciam para próprios ― três dos irmãos de Ludwig Wittgenstein tiraram a própria vida. Hoje, se os resultados eleitorais dos últimos meses servem de indicação, políticos e demagogos contentam-se em se enrolar no linguajar da liberdade, ao mesmo tempo em que abrem mão de todo e qualquer compromisso com o rigor intelectual e a autodisciplina. O século vienense chegou ao fim. Seu legado está se esfarrapando./Tradução de Alexandre Hubner

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