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A economia por trás de um festival de música clássica

Áustria gera mais de 3 mil empregos fixos graças ao Festival de Salzburgo

Por The Economist
Atualização:

Volta e meia ouvem-se reclamações contra a destinação de recursos públicos para as artes plásticas e a música clássica. Como são impopulares e não atraem grande público, a lógica rasteira diz que subsidiá-las só beneficia uma parcela diminuta da sociedade. O comentarista político Tucker Carlson, conhecido por suas posições de direita, recentemente afirmou que o National Endowment for the Arts, agência independente do governo americano que financia organizações artísticas, “não passa de um grande esquema de subvenção às elites progressistas”. A opinião provavelmente é compartilhada por outras pessoas.

Vista do rio Salzach, na cidade austríaca de Salzburgo Foto: Leonhard Foeger/Reuters

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Dados relativos ao Festival de Salzburgo, cuja 97.ª edição se encerrou em 30 de agosto, contam outra história. As apresentações de música clássica, ópera e teatro tiveram taxa de ocupação de 97% – um índice admirável. Mais de 250 mil ingressos, com preços entre € 5 e € 450, foram vendidos. Quase 50 mil pessoas assistiram aos eventos gratuitos.

O impacto na economia local é evidente. Além de gerar um lucro de aproximadamente € 30 milhões, o festival traz anualmente outros € 183 milhões para Salzburgo. “O efeito do festival na região é enorme”, diz Helga Rabl-Stadler, principal responsável pela organização do evento. “Meu conselho é que toda cidade faça algo parecido.” Apesar disso, poucas localidades que se veem às voltas com a necessidade de melhorar sua situação financeira pensam em recorrer à música clássica.

Criado em 1920 pelo diretor teatral Max Reinhardt, o Festival de Salzburgo atrai pessoas e dinheiro para esta cidade do oeste da Áustria, que no passado tinha como principal atividade econômica o comércio salineiro (Salzburgo significa “cidade de sal”). Sua população é de apenas 153 mil habitantes; o número de visitantes durante o festival é quase o dobro disso. A cidade é próspera — não faltam restaurantes sofisticados e lojas de estilistas famosos — e o mesmo se pode dizer de seus habitantes: o PIB per capita chega a € 46,1 mil, superando a média austríaca e, a bem da verdade, a de qualquer outro país europeu, com exceção de Luxemburgo, Noruega, Suíça e Irlanda. Não deixa de ser um feito notável para um lugar conhecido basicamente por ser a cidade natal de Wolfgang Amadeus Mozart.

E o festival não proporciona benefícios apenas durante um mês no verão. Segundo estudo conduzido pela Câmara Econômica de Salzburgo, o evento gera 2,8 mil empregos permanentes na cidade e mais 600 em outras partes da Áustria. Em impostos são arrecadados € 77 milhões. Os autores do estudo também sustentam que o festival ajudou a elevar os padrões culinários da cidade, atraindo estabelecimentos de “haute cuisine”, bem como uma série de cafés com decoração kitsch inspirada em Mozart. O estudo chega a atribuir ao evento um efeito de “transbordamento do conhecimento” (knowledge spillover) em áreas como a das ciências biológicas.

Os visitantes do festival são, obviamente, os motores de tudo isso: gastam, em média, € 319 por dia. Quatro em cada cinco deles retorna ano após ano para estadias que se estendem, em média, por seis dias (o visitante típico de Salzburgo permanece apenas 1,7 dia na cidade). “Claro que você pode assistir aos mesmos concertos, óperas e peças teatrais em Paris, Londres ou Nova York, mas faz isso após o expediente, quando está exausto”, argumenta Rabl-Stadler. “Em Salzburgo, a pessoa vem especialmente para o festival e aí faz sentido passar uma semana aqui.” Salvo pelo festival – que todos os anos tem uma edição compacta na semana de Pentecostes –, Salzburgo parece uma cidade média como outra qualquer: não oferece muitas opções de entretenimento.

É claro que o Festival de Salzburgo conta com apoio governamental. A operação não teria como ser financiada apenas com a venda de ingressos, explica Rabl-Stadler. Mas o evento também recebe patrocínios polpudos de grandes empresas, como Nestlé, Audi, Siemens e Rolex.

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Isso tudo leva à seguinte questão: outras cidades também poderiam impulsionar suas finanças recorrendo à música clássica? Rabl-Stadler acha que sim; e também acredita ser desnecessário apelar a atrações “popularescas”: quando as pessoas resolvem passar uma semana numa cidade distante para participar de um festival, explica ela, também têm mais disposição para experimentar coisas novas do quando estão em casa, onde prefeririam passar a noite ouvindo Verdi do que uma obra composta recentemente. A programação deste ano incluía novas produções de Aida (1871), de Verdi, e de Lear (1978), ópera de Aribert Reimann.

É claro que a beleza de Salzburgo ajuda. Assim como o fato de ser uma cidade pequena, onde é fácil se locomover a pé. A fama mundial do lugar está associada a Mozart e ao filme A Noviça Rebelde (1965): as visitas aos locais onde foram filmadas as cenas externas da adaptação do musical da Broadway também atraem muitos visitantes. E não é só entre os fanáticos por música clássica que o Festival de Salzburgo faz sucesso. O evento é igualmente popular entre turistas endinheirados, que abrem o bolso para usufruir da experiência como um todo, e não só da programação musical. Em outros festivais de música clássica mais recentes, que também atraem um público internacional, observa-se fenômeno semelhante.

Será que cidades sem grandes atrativos, como, por exemplo, Milton Keynes – construída no sul da Inglaterra nos anos 1960 –, teriam condições de organizar festivais e animar fãs de música e cultura de outros lugares do mundo a visitá-las por seis dias? Talvez tivessem que se esforçar mais do que Salzburgo. O inegável, porém, é que os festivais de música clássica são uma atração turística poderosa, com impacto extremamente positivo para a economia local. A população inteira de Salzburgo, e não apenas sua “elite progressista”, dá testemunho disso. / Tradução de Alexandre Hubner 

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