'A Teoria Perfeita' conta a história da relatividade de Einstein

Livro se utiliza de fontes históricas para traçar o desenvolvimento da teoria da relatividade durante cem anos

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Por André Cáceres
Atualização:
Albert Einstein em Princeton, onde ele deu aulas entre 1933 e 1955, ano de sua morte Foto: Lotte Jacobi/American Museum of Natural History

Se cada sociedade é limitada pela concepção que tem de seu universo, uma expressiva fração do pensamento contemporâneo e do inconsciente coletivo é assentada na teoria da relatividade geral, formulada por Albert Einstein entre 1905 e 1915. O conjunto de equações cuidadosamente elaborado durante uma década pelo físico alemão o alçou ao posto de cientista popstar, além de ter ampliado os horizontes da humanidade em uma escala comparável às grandes navegações no século 15 e ao heliocentrismo de Galileu e Copérnico. 

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Tão complexa quanto a teoria de Einstein é a história por trás de sua criação e seu atribulado desenvolvimento ao longo dos últimos cem anos por algumas das mais brilhantes mentes que a ciência já produziu. É justamente essa trajetória de debates, intrigas e incertezas que o português Pedro G. Ferreira, professor de Astrofísica em Oxford, se propõe a relatar ao público leigo.  O leitor não deve esperar letras gregas desengonçadas, fileiras de números ou equações incompreensíveis nas páginas de A Teoria Perfeita. Além de explicar o contexto histórico e os conceitos físicos da relatividade geral em termos didáticos, o que o coloca lado a lado com divulgadores científicos como Carl Sagan, Neil deGrasse Tyson e Michio Kaku, Ferreira exibe o mérito de uma extensa pesquisa histórica que se reflete nas quase 60 páginas de notas, bibliografia e índice remissivo. Além das entrevistas que o autor fez, há, entre as fontes consultadas, artigos em revistas científicas e reportagens da grande imprensa, cujas manchetes são sempre retratadas com certo desprezo.

Diferente do que sugere o título do livro, a relatividade nunca foi uma unanimidade. Algumas das descobertas posteriores feitas graças à relatividade, como o Big Bang, a expansão do universo e os buracos negros, inicialmente não foram aceitas nem mesmo por Einstein. A Teoria Perfeita mostra como ele esteve equivocado sobre vários dos mistérios que suas próprias ideias ajudaram a desvendar. Passado o deslumbre inicial com as possibilidades que se abriram e suas consequências bizarras para o entendimento do universo, a relatividade logo caiu no ostracismo graças à dificuldade de se verificar empiricamente suas previsões.

Com as descobertas de Erwin Schrodinger e Werner Heisenberg nos anos 1930, a física quântica passou a receber cada vez mais atenção, ofuscando a relatividade. As duas teorias não são compatíveis, sendo que as equações de Einstein são usadas para trabalhar com grandes corpos celestes como planetas e a física quântica funciona para descrever o comportamento de objetos pequenos como elétrons. Há décadas, os cientistas tentam unir ambas as doutrinas em uma única “teoria de tudo”, uma epopeia até hoje sem sucesso também narrada em A Teoria Perfeita. 

Apesar de aclamado pela mídia, até sua morte, em 1955, Einstein esteve no ocaso e viu sua teoria como um ramo quase abandonado da física, com poucas descobertas concretas e quase nenhum experimento. Nos anos 1960 e 1970, todavia, a relatividade foi retomada por uma nova geração de físicos, como Roger Penrose, Stephen Hawking e Martin Rees, que exploraram as ideias de Einstein. Aos poucos, sua teoria voltou a ser amplamente aceita graças à descoberta de novos indícios que ajudavam a explicar o universo e sua origem e já haviam sido previstos pela relatividade geral, como as estrelas de nêutrons e a radiação cósmica de fundo. Em 1976, a ópera Einstein on the Beach, do compositor Philip Glass e do diretor Robert Wilson, levou o cientista para os palcos, evidenciando o prestígio do qual a figura do físico gozava na chamada “era de ouro da relatividade”.

Ópera 'Einstein on the Beach', de 1976, inspirada na vida do cientista é a primeira minimalista e foi composta por Philip Glass Foto: Sara Krulwich/The New York Times

A política do século 20 influenciou o desenrolar da física, e A Teoria Perfeita fala sobre a pressão governamental à qual importantes cientistas foram submetidos. Heinsenberg trabalhou para Hitler, Landau foi perseguido por Stalin, Einstein ficou isolado da comunidade científica na 1ª Guerra Mundial e Oppenheimer liderou o Projeto Manhattan. É notável também o abismo entre homens e mulheres no meio científico, mas Ferreira aborda a questão de gênero apenas en passant ao falar da injustiça que Jocelyn Bell sofreu: ela contribuiu decisivamente para a descoberta dos pulsares (estrelas de nêutrons giratórias que emitem um feixe de radiação eletromagnética) mas foi humilhada pela imprensa e ignorada pelo Nobel em 1974. Ainda que pontue a opinião de cientistas que acreditam que a relatividade chega ao seu limite ao tratar do universo em larga escala (assim como a mecânica de Newton funciona para objetos na Terra mas se despedaça ao tentar descrever o sistema solar), Ferreira é um relativista convicto: “A relatividade geral se tornou icônica por sua resiliência, por ser uma peça central do pensamento moderno e um colosso das façanhas culturais nos moldes da Capela Sistina, das suítes para violoncelo de Bach ou de um filme de Antonioni. A relatividade geral pode ser sintetizada sucintamente em um conjunto de equações e regras fáceis de resumir e de anotar. E elas não são apenas lindas – também dizem muito sobre o mundo real”. 

*André Cáceres é jornalista, escritor, colaborador do 'Aliás' e autor de 'Cela 108', da editora Multifoco

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Capa do livro 'A Teoria Perfeita', de Pedro G. Ferreira Foto: Companhia das Letras

A Teoria Perfeita Autor: Pedro G. FerreiraTradução: Érico AssisEditora: Companhia das Letras 376 páginas R$ 59,90

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