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A USP sob ataque

O alvo principal são os professores que durante a longa greve recente tentaram dar aulas e garantir um mínimo de atividade didática

colunista convidado
Por José de Souza Martins
Atualização:
Inversão. Hostilidade mostra uma cultura de depreciação do ensino Foto: ALBERTO TAKAOKA/ESTADÃO CONTEÚDO

Nos últimos meses, a USP tem estado sob ataque de vários inimigos, visíveis e invisíveis, externos e internos. Até seus êxitos, numerosos e reconhecidos, são tema para ataques de quem não conhece o assunto, como na comparação entre a classificação da USP e a da Universidade Católica do Chile num indexador internacional, que diz em que a USP perde, mas não diz em que ganha, e ganha longe. Que motivos se escondem por trás desses ataques? Está na hora de perguntar, descobrir e enfrentar. 

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São ataques destrutivos não porque apontem problemas reais, que devem ser apurados e combatidos, e violações do direitos da pessoa, que devem ser investigados e punidos severamente, com a expulsão, como nos casos de violência física, ou com o enquadramento na lei e suas decorrências, nos casos que o peçam. São ataques destrutivos porque invertem o sinal do que deve ser referência no exame crítico daquilo que uma universidade é. Falta, aliás, objetividade nas denúncias até carregadas de parcialidade. É evidente que a violência contra alunos no câmpus é ocorrência intolerável. Mas é intolerável, também, que violência contra professores, até por parte de alunos, no próprio recinto da sala de aula, nem sequer seja mencionada. 

As demonstrações de hostilidade contra professores mostram o surgimento de uma cultura de depreciação do ensino e do estudo que consolida o desapreço pela missão essencial da Universidade. É fácil ver que, nessa hostilidade, foram escolhidos a dedo os que durante a longa greve recente tentaram dar suas aulas ou garantir um mínimo de atividade didática, os que não interromperam o trabalho de pesquisa, os que não se dobraram, os que discordaram da greve descabida porque irrealista, os que se opuseram aos cadeiraços. Ninguém discutiu os graves prejuízos ao ensino dela decorrentes e o débito irrecuperável na formação dos alunos. 

Os estudantes entraram na onda em nome alheio e não no próprio, em reivindicações que não diziam respeito à Universidade nem a eles. Faltou-lhes discernimento político, perdidos nos antagonismos mecânicos da falsa dialética que constitui o cerne das simplificações do pensamento binário. Na USP, já não são as maiorias que decidem. São mesmo frequentes os indícios de estranhos à instituição envolvidos nesses atos. Professores e alunos queixaram-se de ter recebido ameaças: “Eu sei onde você mora”; “eu sei onde seu filho estuda”. 

Há dias, uma professora foi agredida aos berros por um aluno num dos prédios do câmpus: “Sou eu quem paga teu salário! Vou arruinar tua carreira!”. No retorno às aulas, após a greve, ela comunicara o calendário de reposição de aulas decidido pela direção de seu departamento, o que incluía aulas aos sábados e em horários diferentes do convencional. O aluno reagira aos gritos, dizendo que tinha de trabalhar. Por perigosamente exaltado, fora convidado a sair da sala. Reagia agora atacando a professora, embora não tenha reagido quando seus colegas impuseram a greve que provocara o rearranjo que supostamente o prejudicava. A professora foi socorrida por alunos, que a cercaram para protegê-la. Acudiu rapidamente o segurança do prédio, que alertou o agressor para o disposto no artigo 331 do Código Penal: desacatar funcionário público no exercício da função pode acarretar detenção de 6 meses a 2 anos ou multa. O sujeito sumiu imediatamente. 

São vários os indícios de ataque concertado. Professores escolhidos a dedo estão sendo satanizados, transformados em objeto de manifestos e denúncias pelo simples fato de serem competentes na pesquisa e no ensino e exigentes no aprendizado de seus alunos. Professores que não têm dia nem hora para a dedicação ao ensino e à pesquisa, para os quais não há feriadões nem descabidas festas de arromba no câmpus. Para eles a Universidade é local de dedicação incondicional à produção e difusão do conhecimento. Mesmo no cenário adverso da minoria hostil de alunos relapsos, desinteressados, cheios de direitos e escassos de deveres. Alunos que prejudicam seus colegas e prejudicam-se nos empecilhos que criam ao ensino e à pesquisa.

Isso vale também para a minoria dos funcionários mais leais ao sindicato do que à Universidade, cuja precedência inverteram, como se fossem a finalidade da instituição e não os agentes das importantes atividades meios que completam a missão dos professores. Sabem pedir, mas não sabem valorizar-se como profissionais, com o que saem perdendo. Vale ainda para a minúscula porção de professores que gosta do poder, mas não gosta da coragem de decidir com propriedade, de defender a instituição e a missão, os que tratam os alunos como imberbes pupilos de jardim da infância. 

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Na USP tudo parece invertido. Ela se esmera em desconhecer os próprios triunfos e os próprios talentos. Se a USP não construir já uma coalização autodefensiva, que envolva seu público interno, a sociedade e o Estado, terá de se render aos que a odeiam e optar pela transformação da Cidade Universitária num grande e equivocado parque de diversões. 

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José de Souza Martins é sociólogo e professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Autore, entre outros livros, de Uma sociologia da vida cotidiana (Contexto)

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