Androide-objeto

Campanha pela proibição de robôs sexuais nada mais é do que policiamento moral das fantasias alheias, diz professor de direito

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Por Túlio Vianna
Atualização:

Uma campanha contra robôs sexuais é o tipo de manchete que se espera encontrar tão somente em sites humorísticos especializados em notícias falsas. Pode-se imaginar também que seja uma notícia sobre fundamentalistas religiosos tentando impedir uma prática sexual que na imaginação deles seria contrária às leis de Deus. A campanha, porém, é real e, desta vez, as feministas radicais norte-americanas saíram na frente e “roubaram o protagonismo” dos fundamentalistas religiosos de fiscalizarem a vida sexual alheia.

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Os robôs sexuais ainda estão longe de serem populares, até por causa de seus custos elevados. Os modelos mais simples custam em torno de US$ 7 mil. Os mais sofisticados podem chegar a US$ 75 mil. Eles são concebidos com material tecnológico que procura imitar a textura da pele humana e são dotados de inteligência artificial ainda demasiadamente simples para desafiar o Teste de Turing, que testa a capacidade de um robô exibir comportamento inteligente parecido com o de um ser humano. Em suma: estão mais para bonecas infláveis melhoradas do que para a replicante Rachael de Blade Runner. Mas já são suficientes para incomodar algumas feministas radicais.

Claro que estas feministas não são representativas do movimento como um todo, que ao longo da história vem desempenhando papel fundamental na luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres. Há feministas que lutam pela equiparação salarial entre homens e mulheres, pelo fim da violência doméstica, pelo direito ao aborto, pela maior representação nos cargos políticos, pela liberdade sexual das mulheres e por tantos outros direitos relevantes. Mas há também uma vertente do feminismo que se autodenomina feminismo radical que tem se dedicado a pautas conservadoras e restritivas da liberdade sexual, tais como o combate à prostituição, à pornografia e agora aos robôs sexuais. 

No site da campanha (Campaign Against Sex Robots) o principal argumento em defesa da proibição dos robôs sexuais é um suposto risco de objetificação das mulheres apontado em um único artigo acadêmico bastante frágil metodologicamente. Especula-se que o uso dos robôs sexuais geraria uma perda de empatia e que os homens passariam a tratar as mulheres de forma semelhante a que tratam um robô. Nenhuma evidência ou mesmo indício deste suposto fenômeno é apresentado por experimentos científicos ou observação sociológica.

Se é para especular sobre os robôs sexuais, seria mais crível supor que ocorrerá justamente o contrário da hipótese da objetificação: muitos darão nomes humanos a seus robôs e conversarão com eles nos seus momentos de solidão, em um processo que poderíamos chamar de subjetificação dos robôs.

O conceito de objetificação das mulheres é bastante impreciso. É bem verdade que há pessoas que têm fetiches com estátuas, bonecas e outros objetos inanimados, mas salvo nestes casos isolados, quem contrata uma prostituta ou assiste a um vídeo pornográfico não objetifica a mulher no sentido de reduzi-la a um objeto só porque o foco da sexualidade nestes casos está no corpo e na aparência física.

O direito não pode servir para impor valores morais de um grupo - seja ele religioso ou feminista - a pessoas que não pertencem a este grupo. O direito à liberdade sexual é a regra e qualquer prática sexual solitária ou consensual entre pessoas adultas e capazes só deve ser proibida se de alguma forma ferir diretamente o direito de terceiros.

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A campanha pela proibição de robôs sexuais nada mais é do que um policiamento moral do sexo solitário e das fantasias sexuais alheias. A masturbação, que já foi condenada por argumentos religiosos (Deus proíbe) e por argumentos pseudocientíficos (faz mal à saúde), agora vem sendo condenada por argumentos políticos (objetifica as mulheres). 

Este policiamento moral só demonstra que o feminismo radical cada vez mais tem se distanciado da defesa dos direitos das mulheres para adotar uma pauta de imposição de uma moral sexual repressora. E assim como o Estado laico não pode impor restrições sexuais para agradar esta ou aquela religião, a neutralidade moral do Estado não pode impor uma moral sexual para aplacar especulações de feministas radicais.

TÚLIO VIANNA É PROFESSOR DA FACULDADE DE DIREITO DA UFMG, COM PÓS-DOUTORADO NA UNIVERSITÀ DI BOLOGNA (ITÁLIA). AUTOR DE UM OUTRO DIREITO (LUMEN JURIS)

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