Antologia bilíngue reúne poemas de Frank O'Hara

Poeta foi um dos fundadores da New York School of Poetry

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Por Dirce Waltrick do Amarante
Atualização:
Frank O'Hara em retrato de 1960 por Alice Reel Foto: National Portrait Gallery

Meu Coração Está no Bolso, uma antologia bilíngue de poemas de Frank O’Hara (1926-1966), um dos fundadores da New York School of Poetry, grupo de poetas que incluía John Ashbery, Kenneth Koch, Barbara Guest, entre outros, acaba de ser publicada pela Luna Parque, em tradução de Beatriz Bastos e Paulo Henriques Britto. A antologia abarca poemas escritos em diferentes períodos, dando assim um amplo panorama da obra do autor.

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Segundo John Ashbery, a poesia de O’Hara “é parte de uma moderna tradição que é antiliterária e antiartística, e que volta a Apollinaire e aos dadaístas, até as colagens de Picasso e Braque com seus recortes de jornais perecíveis, a musique d’ameublement (música de mobiliário) de Satie que não foi pensada para ser ouvida”. 

O’Hara teria sido mais influenciado pela música, pela arte contemporânea e até mesmo pela poesia francesa do que pela poesia americana. Em Hôtel Particulier, pode-se perceber algumas das influências de O’Hara como, por exemplo, Erik Satie, Mallarmé (Brise Marine) e François Villon (“les neiges d’antan”): “Erik Satie cometeu um grande erro aprendendo latim/ Brise Marine não foi escrito em sânscrito, chuchu/ eu tive um professor que passou um verão inteiro sem me dizer nada e foi maravilhoso/ (...)só para você não inventar uma frase que possa ser glossada/ como les neiges d’antan (...)”

A poesia de Frank O’Hara é marcada por uma linguagem leve e cotidiana, cujos temas podem ser os mais triviais, como se pode aferir no poema A um passo deles: “Paro para comer um cheeseburger na JULIET’S/ CORNER. Giulietta Masina, esposa de/ Federico Fellini, è bell’attrice./ E leite com chocolate/ Uma mulher com boá de raposa (...)” 

Entre os poemas dessa antologia há um dedicado ao poeta Bill Berkson, que se tornou colaborador e companheiro inseparável de O’Hara: Para Bill Berkson (Olhando Outra Vez para Sábado à Noite), composto de um único verso: “O que você deseja está debaixo da sua pele.” Acredita-se que Berkson tenha se tornado uma espécie de musa para Frank O’Hara, aparecendo em outros poemas seus como Constrangendo Bill, Uma breve história de Bill Berkson etc. Após a morte do poeta, Berkson se tornou o guardião de sua obra e passou a escrever sobre ela. A propósito desse relacionamento, no final dos anos 1960 e início dos anos 1970, os críticos começaram a chamar a atenção para o “estilo reconhecidamente gay” de sua poesia e passaram a salientar muitos de seus versos que se referiam à “homossexualidade do poeta”. 

A poesia de O’Hara se difere da de outros poetas de Nova York à época, como lembra John Ashbery, por seu viés autobiográfico. Não por acaso, abre Meu Coração Está no Bolso... o poema Autobiographia Literaria: “Quando era menino eu/ brincava sozinho num/ canto do pátio da escola/ sem ninguém/ (...) Se alguém me procurava/ eu me escondia atrás de uma/ árvore e gritava ‘Sou/ um órfão’/ E olha eu aqui, o/ centro de toda beleza!/ escrevendo estes versos!/ Imagina!” Fecha a antologia outro poema autobiográfico, Meu Coração: “Quero meus pés descalços,/ o meu rosto barbeado, e o meu coração –/ ninguém manda no coração, mas/ o melhor dele, a minha poesia, está aberta.”

Há em seus poemas ainda uma brincadeira com a imprevisibilidade, influência do músico norte-americano John Cage, que o teria impactado com sua Music of Changes (Música das Mutações), de 1952, composta a partir de operações do acaso derivadas do I Ching. Na música, o resultado são sons e silêncios distribuídos casualmente. Muitos poemas de O’Hara parecem formados de frases aleatórias à moda de John Cage. Em Versos para os Biscoitos da Sorte, lê-se: “Eu acho incrível e todo mundo também acha./ Assim como Jackie Kennedy teve um filho, você também vai ter – um ainda maior./ Vai encontrar um homem que você não conhece, belo, alto e loiro, mas não vai cumprimentá-lo.” 

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O interesse da crítica por sua poesia é relativamente recente. De acordo com a crítica norte-americana Marjorie Perloff, quando, em 1977, ela publicou Frank O’Hara: Poet Among Painters (Frank O’Hara: Poeta Entre Pintores), O’Hara era considerado um “charmoso poeta menor”, adorado pelos amigos da New York School of Poetry e especialmente por pintores cujos trabalhos ele exibiu ou sobre os quais ele falou. Cabe lembrar que Frank O’Hara foi também crítico de arte. 

A pintura, vale destacar, está muito presente em sua poesia: “e isso de você ter movimentos tão bonitos meio que dá conta do futurismo/ assim como em casa eu jamais penso no Nu Descendo uma Escada ou/ em um ensaio um desenho específico de Leonardo ou Michelangelo que costumava me deslumbrar”. Sua relação com a pintura era, de fato, forte como se pode verificar lendo o poema Por Que Não Sou Pintor: “Não sou pintor, e sim poeta./ Por quê? Acho que eu preferiria/ ser pintor, só que não sou.”

*Dirce Waltrick do Amarante é autora, entre outros livros, de 'Ascensão: Contos Dramáticos' (Cultura e Barbárie)

Capa do livro 'Meu Coração Está no Bolso', de Frank O'Hara 

Meu Coração Está no Bolso Autor: Frank O'HaraTradução: Beatriz Bastos e Paulo Henriques BrittoEditora: Luna Parque 88 páginas R$ 40

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