'Aqui é nóis!'

Programa quer estender ao asfalto a política de segurança voltada para as favelas

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Por Marcelo Beraba
Atualização:
Contato. Avaliação é de que ciclo das UPPs está esgotado Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

O governo do Rio implantou na terça (24), em quatro bairros da Grande Tijuca, na zona norte do Rio, sua primeira Companhia Integrada de Polícia de Proximidade (Cipp). O programa tem como objetivo a integração de policiais na rotina dos bairros. Eles distribuirão cartões com telefones celulares e e-mails para contato dos moradores e comerciantes e foram preparados em cursos de direitos humanos e mediação de conflito. O novo programa parte da avaliação de que o ciclo das Unidades de Polícia Pacificadora, tal como foi desenvolvido nos últimos seis anos, está esgotado, já não conta com o apoio majoritário da população do Rio e precisa ser revitalizado. 

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Iniciativa do secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, a Polícia de Proximidade tem como um de seus objetivos estender para o asfalto a política de segurança até agora voltada principalmente para as favelas, com as UPPs. Esta primeira experiência, com 120 policiais, será acompanhada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), da Universidade Cândido Mendes, para evitar os erros cometidos na expansão da política de pacificação. 

A história da política de segurança do Rio nas últimas duas décadas é marcada mais pelos equívocos que pelos acertos. Entre os poucos acertos deve-se anotar a modernização da Polícia Civil através do programa das Delegacias Legais, em 1999, ainda no governo de Anthony Garotinho, e, com Sérgio Cabral, as UPPs, a criação de divisões de homicídio bem equipadas e a despolitização das nomeações para as cúpulas da secretaria e das Polícias Civil e Militar.

Os grandes investimentos em segurança pública do governo Cabral (2007-2014), foram insuficientes para alterar a estrutura viciada e ineficiente da Polícia Militar. A nova Polícia de Proximidade, constituída no papel por policiais bem preparados para o patrulhamento comunitário – em contraposição à política permanente de confronto e invasão –, é mais uma tentativa de reforma da PM e de recuperação de sua imagem.

A política de segurança do governo do Rio está sob forte questionamento desde as manifestações de junho de 2013 – após um apoio ostensivo durante os quase cinco anos que se seguiram à expulsão do tráfico do morro Dona Marta e à implantação da primeira UPP, em dezembro de 2008.

Nesse período, o então governador Cabral se reelegeu em 2010 e ajudou na reeleição de Paes em 2012. A partir de meados de 2013, no entanto, esse patrimônio começou a se dissolver. O Datafolha identificou a perda de crédito em agosto, um ano depois das manifestações de rua. A pesquisa, feita apenas na cidade do Rio, mostrou que a população estava então dividida em relação à eficácia das UPPs: 44% declararam que elas não melhoraram as condições de segurança da cidade, enquanto 42% perceberam um pouco de melhora; 70% queriam mudanças no programa.

Vários fatores explicam esse desgaste. 

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1 – O despreparo da PM ficou evidente nas manifestações. A ação dos policiais foi marcada por extrema violência e pela incapacidade de prevenir o vandalismo e proteger os manifestantes e o patrimônio público. 

2 – O desaparecimento do ajudante de pedreiro Amarildo Dias de Souza, em julho de 2013, após ser detido e torturado por policiais da UPP da Rocinha, virou símbolo do descontrole e da violência policial.

3 – Embora as principais estatísticas de criminalidade tenham melhorado no Estado nos primeiros anos de implantação das UPPs, elas voltaram a crescer. No caso de homicídios, há uma queda paulatina ao longo deste início de século. O pico foi em 2002, com 8.321 mortes. O número começa a cair durante o governo de Rosinha Garotinho (2003-2006). Sérgio Cabral assume em 2007 e baixa os homicídios de 7.122 (2006) para 6.313 (2007). A queda é constante até 2010, quando são registradas 4.193 mortes. Mas a partir daí voltam a subir: 4.745 em 2013 e 4.939 no ano passado.

4 – O governo tem dificuldades em manter o ritmo de expansão das UPPs. Os custos são altos e a formação de policiais com nova mentalidade é demorada. 

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5 – Mesmo nas áreas ocupadas por UPPs a pacificação não está consolidada. Em agosto, a própria Secretaria de Segurança apresentou ao Tribunal Regional Eleitoral relatório em que informava que traficantes e milicianos impediam candidatos de fazer campanha em pelo menos 41 favelas, 10 delas já ocupadas por UPPs. Na ocasião, o TRE pediu a presença das Forças Armadas para a segurança dos eleitores e definiu a situação do Rio como “caótica”. 

6 – Nos últimos oito anos a PM teve sete comandantes, um indicador da instabilidade da corporação. 

7 – A recente onda de assassinatos de policiais militares e civis mostra que continua forte o poder de fogo de traficantes e milicianos. Dez policiais foram mortos este ano; sete deles serviam em UPPs.

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Nada garante que a Polícia de Proximidade dê certo. Beltrame, que sempre bateu na tecla de que os problemas de segurança do Estado e da cidade não se resolvem apenas com polícia, vem aumentando o tom das reclamações e exigindo mais compromisso dos três poderes e da sociedade. Há poucos dias, ao comentar em conversa com jornalistas a dificuldade de conter a criminalidade apenas com ações policiais, o secretário parecia cansado ao lembrar o mantra desafiador que os moradores e seus policiais continuam a ouvir dos traficantes em muitas favelas do Rio: “Aqui é nóis!”. 

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