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As pedrinática pira

Sentado num banco às 2 da madrugada, funqueiro de 12 anos mal alcança os pés no chão. Mas canta: ‘Ajoelha! Se prepara! E faz um b#@%+* bom!’

Por Juliana Diógenes
Atualização:
MC mirim. Só nesse sábado, shows em sete casas diferentes Foto: GABRIEL ZERRA/DIVULGAÇÃO

“Salve, salve, nação corintiana!”, cumprimenta com um berro no microfone um dos produtores de MC Pedrinho. Já passa de 2 da manhã de quinta-feira, e o dia (ou seria a noite?) mal começou para Pedro Maia Tempester. Lá vem ele, de boné de aba chata, saracoteando entre os manos e as minas em uma casa de shows de Carapicuíba, região metropolitana de São Paulo. Com menos de um metro e meio de altura, franzino, facilmente atravessaria a multidão sem ser percebido, não fosse ele o MC mirim mais famoso das quebradas paulistanas, com clipe de 20 milhões de visualizações no YouTube, contrato com gravadora e caderno escolar com sua foto na capa à venda nas boas casas do ramo. É Pedrinho aparecer que as pedrinática pira.

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Tal qual um lutador de boxe a caminho do ringue, surge escoltado. À frente, vai um dos produtores, moletom preto e boné com brasão de time de futebol americano. Atrás, a mão do dançarino da equipe fincada no ombro magro de Pedrinho. Estrela que é estrela não chega, acontece. Causa frisson, provoca euforia. E não é diferente com o garoto de cabelo platinado, aparelho nos dentes e olhos verdes, famoso por canções de fazer corar o capeta. “Dom, dom dom, dom dom dom, dom / Ajoelha! / Se prepara! / E faz um boquete bom”, diz uma delas. “Como é bom transar com a puta profissional / É piroca encaixando na xota e saco batendo na bunda”, diz outra. 

Pedrinho tem 12 anos.

Por causa do “teor erótico” das composições do funqueiro, a Justiça proibiu o show de MC Pedrinho em Fortaleza, agendado para o fim de semana passado. “As músicas fazem apologia à bebida alcoólica e desmerecem a mulher, que é colocada como objeto sexual”, justificou o promotor Luciano Tonet, da 6ª Promotoria da Infância e Juventude do Ministério Público do Ceará, que assinou a ação civil pública pedindo o cancelamento da apresentação. Mas não foi a única preocupação de Tonet. Segundo ele, os shows noturnos podem causar prejuízos psicológicos ao desenvolvimento do funqueiro paulista. Além disso, o Ministério Público cearense entendeu que danos podem ser causados se o cantor “servir de modelo” para os fãs mirins. “Você escuta MC Pedrinho, no diminutivo, e à primeira vista parece inocente. Coisa de menininho, criancinha. Mas os pais nem fazem ideia do teor das letras.” O promotor encaminhou um ofício ao Ministério Público de São Paulo solicitando um acompanhamento de como Pedrinho está sendo cuidado e criado. A ideia é que os shows sejam proibidos em todo o território brasileiro, explica Tonet. “Está havendo um incentivo para que ele continue a fazer shows. Mas o desenvolvimento psicológico da criança vai muito além do lucro que proporciona à família.”

Na casa de shows em Carapicuíba está tudo pronto para a apresentação de Pedrinho, que, todos já sabiam, só começaria depois do jogo de estreia do Corinthians na Libertadores. Ao apito final do árbitro na TV, a moçada urra em uníssono à saudação do produtor que finalmente sobe ao palco. A casa recebe cerca de 200 pessoas nessa madrugada. Numa contagem rápida, são mais ou menos três mulheres para cada dez homens, com adolescentes no meio. Boné, moletom Adidas, camisa de time e tênis Nike vestem os rapazes. Pontilham pelo salão afogados em baldes de gelo, rótulos dourados de garrafas de uísque Red Label e latinhas de cerveja. Mais de um princípio de briga é contido pelos seguranças da casa. No banheiro feminino, um grupo de meninas aspira lança-perfume.

Pedrinho boceja, alheio aos gritinhos estridentes das fãs. O MC está desconfortavelmente recostado em um banco comprido na área reservada. De tão miúdo, mal consegue encostar os pés no chão – eles balançam infantilmente no ar e por um instante fica claro do que se trata: um garoto. O público se amontoa de repente. O menino criado na Vila Maria, zona norte de São Paulo, caçula de quatro irmãos e filho de uma ex-empregada doméstica que após seu sucesso virou dona de casa, recolhe as pernas e apoia os tênis de cadarço verde-fluorescente no assento. Fãs tão jovens quanto ele disputam a fileira da frente. Pedrinho tira o boné e o segura entre as mãos à frente do corpo franzino. Absorto, olha para o nada. Não sorri e tampouco interage com a meia dúzia de pessoas que pagaram mais caro pelo camarote anexo à lateral do palco. Fazer tipo, representar o bad boy cheio de enfado faz parte do show da vida do moleque.

O produtor anuncia MC Pedrinho, com ênfase no “iiiiinho”, que se alonga, e a histeria é geral. Um dançarino invade o palco e requebra ao som de um mix que repete “bumbumbumbumbum”. Ele prepara a entrada para a estrela da noite. Pedrinho enfim se levanta, tira uma selfie com dois fãs na lateral, mais uma com um membro do staff da casa e entra no palco. “Vai!”, diz Pedrinho ao microfone, com o braço fino marcando a batucada. “Vai começar!”, continua, sacudindo um relógio grande que imita ouro. De moletom cinza, bermuda e meias até o meio da canela, ele começa a cantar: “Te prepara que eu vou te botar. É só uma entrada que o Pedrinho vai te botar”. Aos gritos, os fãs acompanham, repetindo as frases. Ele deixa que o público cante e prossegue: “Tu fala que é maldosa, quero ver tu aguentar. Na primeira enfiada, tu vai pedir pra eu parar, mas eu vou continuar”.

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Notícias dão conta de que a produtora de Pedrinho ganha, por show, R$ 5 mil. A estimativa mensal seria de R$ 300 mil, o que não pôde ser confirmado pelo Aliás. Na agenda de MC Pedrinho da semana passada estavam marcados 19 shows. Somente ontem, sábado, havia apresentações previstas em sete locais diferentes. O show em Carapicuíba durou pouco mais de 20 minutos, tempo de Pedrinho cantar seis músicas, entre elas Dom Dom Dom, com a qual estourou no YouTube. O número de visualizações do clipe ultrapassa os vídeos de artistas como o rapper Emicida, com até 5 milhões, e se aproxima dos 22 milhões de plays no hit Hoje, da MC Ludmilla. Com o vídeo, o garoto já alcançou a metade de visualizações de País do Futebol, do MC Guimé – cantor do mesmo estilo funk ostentação de Pedrinho – com participação de Emicida e pontinha de Neymar. 

No show, o funqueiro intercalou as músicas com longos goles de água e chegou a fazer, para a produção, um sinal com a mão de que a garganta incomodava. Até se esforçava para manter a pose de marrento na maior parte do tempo, mas a comparar com outros shows no YouTube, parecia menos disposto. Em julho de 2014, numa apresentação também em Carapicuíba, o garoto animava o público berrando “dá um gritinho as virgens” e “dá um gritinho quem vai levar o Pedrinho pra casa hoje”. No show dessa semana, as pedrináticas tentaram tocar o MC mirim várias vezes, mas um produtor sempre chegava para pedir que parassem.

Finalizada a apresentação, o garoto tocou a mão de algumas fãs mais próximas do palco e escapuliu rapidamente, sem estardalhaço e sem bis. As meninas correram para a área reservada, esvaziando a frente do palco, e o segurança impediu qualquer tentativa de foto, beijo ou autógrafo. Pedrinho deixou a casa minutos depois, de boné e capuz, com a mão do produtor no ombro, que afastou os ansiosos por uma selfie e acompanhou a passos rápidos o garoto até a saída. Eram 2h37. Desacompanhado dos pais, como estava Pedrinho, menor de idade numa casa de show a essa hora é proibido por lei.

“Durante o sono, um menino de 12 anos produz o hormônio do crescimento. Se ele está fazendo show às 2 da manhã, esse tipo de atividade afeta o desenvolvimento. Ele está acordado num período em que deveria estar dormindo”, explica a psicóloga da USP e pesquisadora de juventude, Marina Monzani. Considerado um adolescente pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, Pedrinho não tem dimensão das consequências do que faz com essa idade, diz ela. “Toda a parte de controle de impulso e tomada de decisões vai terminar de se desenvolver por volta dos 21.”

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A produtora GR6 Eventos, responsável pela construção de MC Pedrinho, e a família do garoto foram procuradas, mas negaram os pedidos de entrevista. Marina Monzani defende a importância de acompanhar o caso para entender se o garoto está “sendo superexposto”, expressão que ela usa quase como – interpretação nossa – um eufemismo para “sendo direcionado” por adultos que estão mais preocupados com capacidade dele de fazer algum dinheiro do que com a infância que está deixando de ter. A psicóloga faz observações incômodas: “Por que ele canta esse tipo de música? Isso vem dele? De onde vem esse conteúdo erótico? Se ele fosse um pouco mais velho a realidade dele até poderia ser essa, de sexo, bebidas, noite. Mas, aos 12 anos, me parece cedo demais”.

Vai dormir, Pedrinho.

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