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Asa da graúna

Luiz Fux se torna o primeiro ‘negro honorário’ do STF e iguala cor da pele à do cabelo

Por Patrick Cruz
Atualização:

O quarto negro da história do Supremo Tribunal Federal tem olhos verdes, porte atlético, pendores musicais, é judeu de origem romena - e branco. No domingo passado, Luiz Fux, ministro do STF, tornou-se a primeira pessoa a receber da ONG Educafro o título de Negro Honorário, o que coloca seu nome, mesmo que simbolicamente, ao lado dos de Pedro Lessa, Hermenegildo de Barros e Joaquim Barbosa, hoje aposentado, na história da ainda diminuta afrorrepresentação da principal corte do país. 

Fux recebeu o título em cerimônia realizada no salão nobre do Convento São Francisco, no centro de São Paulo. A Educafro foi criada em 1997 e funciona como uma rede de cursinhos pré-vestibular de baixo custo voltada a estudantes pobres egressos de escolas públicas, em particular negros. “O ministro participa da causa dos negros desde quando era apenas professor da UERJ. Ele defendeu as cotas para negros em universidades quando quase todo mundo ainda era contra”, diz frei David, que comanda a Educafro. Logo depois de Fux, na mesma cerimônia, a ONG homenageou Augusto Werneck, procurador do Estado do Rio, e William Douglas dos Santos, um expert em concursos públicos que dá aulas a concurseiros da Educafro. 

 

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O ministro e o franciscano têm boas relações. Eles já participaram, juntos, de congressos e palestras país afora nos anos que antecederam a votação da constitucionalidade das cotas, em 2012. O contato não se restringiu a esses eventos - e não apenas ao tema das cotas. Na votação sobre a delimitação de terras quilombolas, iniciado em 2012, e ainda em andamento, frei David apareceu no STF com 50 interessados no tema. Não havia agenda prévia. Na pressa para tomar um voo para o Rio, Fux recebeu o grupo na saída de uma das sessões do tribunal. 

De negro, o ministro tem apenas o implante capilar. Mas suas intervenções fazem sucesso com a comunidade afrodescendente. Ao votar pela constitucionalidade das cotas raciais em universidades, comparou o holocausto dos judeus na 2ª Guerra Mundial ao tratamento que os negros sofreram desde a chegada dos primeiros escravos africanos ao Brasil. Em 2012, ele recebeu o Troféu Raça Negra, da ONG Afrobras - e ao lado de Bernice King, filha de Martin Luther King, o lendário ativista negro americano. A deferência ao ministro se repetiria em 2014, com a presença de Graça Machel, viúva de Nelson Mandela, ex-presidente sul-africano. 

Fux e o ex-ministro Joaquim Barbosa, primeiro negro a ter presidido o STF na história, são próximos. Barbosa, que estava em viagem, não participou da homenagem da Educafro, mas uma pessoa de seu staff enviou mensagem para o telefone de Fux cumprimentando-o em nome do ex-ministro. “Sempre soubemos que você era nosso irmão, mas agora isso é oficial”, dizia o texto. Os dois ministros, aliás, foram siameses no julgamento do mensalão. Fux seguiu o voto de Barbosa, o relator, quase todas as vezes. A sintonia entre Fux e Barbosa teve seu ponto de maior evidência na posse do segundo como presidente do Supremo, em 2012. Fux subiu ao palco e empunhou uma guitarra para tocar e cantar Um Dia de Domingo, de Tim Maia, possivelmente o maior nome da black music brasileira.

O ministro usou a estampa de carioca boa-praça e relaxado como trunfo na campanha para chegar ao Supremo. Sob essa estratégia, contou pontos o fato de ele ser faixa preta em jiu-jitsu, arte marcial que pratica ainda hoje e que ensina aos profissionais de seu gabinete uma vez por semana. “Mas e o lado cultural?”, perguntou Fux à reportagem. “Senão é só um ministro que luta jiu-jítsu e toca guitarra.” E enumera: professor da UERJ e da Uniceub, membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e da Academia Brasileira de Filosofia e presidente da comissão de juristas encarregada da elaboração do novo Código de Processo Civil. 

Data vênia, Fux é negro honorário no Supremo, mas não no futebol. No país de Pelé, Garrincha, Didi e tantos outros ídolos negros, ele já foi Beckenbauer. Quando estudante de direito na UERJ, Fux sentava no meio da sala em dia de prova. Um secretário da faculdade percebeu a traquinagem: assim como o craque alemão, que distribuía bolas no meio de campo, o futuro ministro ficava no centro para distribuir cola aos colegas. O país de Pelé, Garrincha e Didi é também o de Dunga, que, em entrevista coletiva na sexta-feira, também se considerou negro: “Acho até que sou afrodescendente, de tanto que apanhei e gosto de apanhar”. O Beckenbauer da UERJ não mataria essa no peito.

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