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Bienal de Arquitetura de Veneza explora a função do vazio na arte

Pavilhão vazio remente a exposições anteriores realizadas no evento

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Por Redação
Atualização:

Na Bienal de Arquitetura de Veneza, que começa em 26 de março, o pavilhão britânico será um espaço vazio. Um peculiar mural e a parede de alvenaria farão alusão a mostras passadas, mas haverá muito menos para agradar aos olhos do que as esculturas de metal e as rochas protuberantes de Phyllida Barlow vistas na Bienal passada. Mas longe de oferecer ao visitante uma autonomia interpretativa total, os artistas e curadores se dispuseram a dar ideias sobre o que o esse vazio significa.

O vazio já foi utilizado na Bienal de Veneza em 1993, no pavilhão alemão Foto: The Economist

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A estratégia de desertar o espaço de exposição foi aplicada pela primeira vez por Yves Klein, um dos pais da arte conceitual. Em sua exposição em Paris em 1958 – intitulada concisamente The Specialization of Sensibility in the Raw Material State into Stabilised Pictorial Sensibility (A Especialização da Sensibilidade no Estado da Matéria Bruta em Sensibilidade Pictorial Estabilizada) – a galeria estava vazia, exceto com algumas cortinas requintadas que criavam uma entrada dramática, e um armário. Cada superfície no espaço vazio no interior estava pintada de branco. Klein sustentava que o espaço estava saturado com um campo de força tão tangível que algumas pessoas não conseguiam entrar na exposição “como se um muro invisível as impedisse”.

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O mais provável é que não conseguiam entrar porque Klein havia feito uma enorme campanha publicitária e três mil pessoas se acotovelaram na rua na abertura da exposição, e até a polícia foi chamada. Como o artista registrou mais tarde em seu diário: “a polícia exigiu uma explicação porque era cobrada a entrada das pessoas para não verem nada. (Algumas pessoas, furiosas por terem comprado ingresso haviam apresentado queixa). E as notícias atraíram visitantes durante todo o tempo em que durou a mostra e o caminho para a celebridade se abriu para Klein. Lembrando hoje da galeria vazia, vemos que há algo presente nela: o perfil midiático de Klein. O único campo de força presente era o gerado pelo seu desejo de notoriedade.

Seu precedente incentivou várias indagações sobre a relação entre o espaço vazio e o artista. Em 1975, Chris Burden desenvolveu um trabalho que chamou de White Light/White Head, em que construiu uma plataforma triangular três metros acima do chão e ali ficou deitado durante 22 dias. Como explicou, “durante o tempo todo não comi, não falei e nem desci. Não via ninguém e ninguém me via”. A ideia, possivelmente, era testar a teoria de que uma galeria pode se tornar magicamente sugestiva com a presença de um artista. O vazio concentra a atenção do espectador no artista, ausente ou não.

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Nos pavilhões de Veneza o espaço vazio tem estimulado o espectador a avaliar as intenções políticas do artista. Em 1993, Hans Haacke e Nam June Paik foram encarregados do pavilhão alemão que fica próximo do parque de exposições Giardini, em Veneza E eles decidiram consignar a origem do próprio pavilhão como uma mensagem codificada da história alemã. Construído em 1938 no estilo neoclássico por Ernst Haiger, arquiteto do Terceiro Reich, o pavilhão foi alvo de ataque e depois ignorado. Haacke e Paik usaram uma britadeira e quebraram todo o piso de mármore, deixando os detritos jogados no chão em desalinho; depois colocaram a palavra Germania na entrada, e em seguida abandonaram o prédio. Como diz Okwui Enwezor, crítico e diretor da Haus der Kunst, um museu de Munique, “o trabalho colocava em dúvida a noção de uma Alemanha como um organismo nacional constitutivo... numa época em que as duas Alemanhas foram reunidas”.

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Em 2005, Daniel Knorr, artista romeno, foi contratado para criar uma obra para o pavilhão do seu país. Ele produziu o que chamou de European Influenza, que nada mais era do que fachos de luz e traços de exposições anteriores nas paredes. Como observou a crítica Raluca Voinea, “a primeira sensação que dava era de melancolia, de expectativa, de olhar em duas direções opostas”. A exposição era acompanhada de um livreto que examinava a expansão da União Europeia e seu efeito sobre a cultura romena, incluindo a maneira como a cultura romena iria interagir com a imposição de valores preestabelecidos de fora. Havia no vazio do espaço da mostra uma espécie de impotência diante dessas forças históricas.

No caso do pavilhão britânico, a ideia é que a estrutura temporária seja uma plataforma onde as pessoas podem tomar chá e meditar sobre o significado do espaço vazio. Mas os curadores da mostra, Adam Caruso, Peter St. John e Marcus Taylor prefeririam orientar essa contemplação: eles já listaram vários conceitos que o vazio pode ter, como de “desamparo, reconstrução, refúgio, isolamento do Brexit, colonialismo e mudança climática. Um vazio carregado de significado.  / Tradução de Terezinha Martino

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