PUBLICIDADE

Cientista italiano que ajudou a criar a bomba nuclear ganha biografia

Enrico Fermi foi Nobel de Física em 1938 e teve contribuições na mecânica quântica e na astronomia

Foto do author Redação
Por Redação
Atualização:

Antes do amanhecer do dia 16 de julho de 1945, Enrico Fermi se deitou no deserto do Novo México. Às 5h30, a primeira bomba nuclear explodiu a 16 quilômetros de onde se encontrava. Ele contou os segundos após a explosão, antecipando a chegada da onda de choque. Com uma calma extraordinária, Fermi se levantou e lançou tiras de papel no ar que voaram quando a onda passou e alcançaram cerca de dois metros e meio de altura. O teste nuclear em Trinity, afirmou ele após fazer rapidamente alguns cálculos, havia liberado o equivalente a 10 quilotons de TNT.

O cientista italiano Enrico Fermi Foto: Getty Images/The Economist

PUBLICIDADE

Nessa época Fermi já era uma celebridade entre os físicos. Um prodígio matemático quando criança, na Itália, ele devorava textos escritos para adultos. Durante toda sua vida reteve poucos livros, preferindo tirar conclusões a partir dos princípios básicos, se considerasse necessário.

+++'A Teoria Perfeita' conta a história da relatividade de Einstein

À medida que assumia cargos diferentes no campo da pesquisa acadêmica, na Itália e no exterior, Fermi se mostrava não apenas um teórico com insights inigualáveis, mas também um experimentalista (uma rara combinação) em todos os campos da física. Ele tinha um talento surpreendente para realizar cálculos de improviso e obter respostas aproximadas para questões terrivelmente difíceis (a bomba de Trinity, análises revelaram mais tarde, havia liberado 18 quilotons de TNT, um valor surpreendentemente próximo da estimativa feita por ele no deserto).

+++Livro narra vida do cientista que descobriu e venceu a peste bubônica

Fermi evitava a complexidade, preferindo atacar os pontos essenciais de um problema, descartando os elementos que desviavam a atenção e extraindo implacavelmente o que restava. Seus cálculos aproximativos, conhecidos como “problemas Fermi” eram bons exemplos do pensamento crítico que hoje os recrutadores adotam para testar a determinação de candidatos e os colocam como questões em uma entrevista. As soluções de Fermi eram sempre tão corretas que seus colegas, em Roma, o chamavam de “papa”. Segundo seu chefe, ele ajudaria a elevar a reputação da ciência italiana.

+++Neurocientista que estuda psicopatas descobre que ele mesmo tem o distúrbio

Publicidade

A sua descoberta de como os nêutrons lentos tornam alguns átomos radioativos lhe propiciou o premio Nobel em 1938. Ele aproveitou a viagem a Estocolmo para fugir com sua família do país natal cada vez mais fascista. Nos Estados Unidos ele se envolveu no Projeto Manhattan, que levou à primeira bomba nuclear, o que o tornou uma figura renomada bem além da comunidade da física. Fermi era um showman inveterado. No dia em que demonstrou a primeira reação nuclear em cadeia controlada do mundo – um pré-requisito para uma bomba nuclear – ele dominou o show como um mestre de cerimônias de circo, aumentando a tensão ao fazer uma pausa para o almoço justamente quando as coisas literalmente estavam pegando fogo.

David Schwartz, autor do livro The Last Man Who Knew Everything, é filho de outro físico premiado com o Nobel. Seu pai deixou uma correspondência fascinante sobre Fermi, o que o inspirou a pesquisar mais a respeito. 

Ele entrevistou muitos alunos e colegas de Fermi, descobrindo também o lado de educador do cientista (suas palestras eram tão conhecidas que mesmo notas tomadas pelos assistentes se tornaram um best-seller).

Schwartz habilmente mostra a beleza estética dos insights de Fermi sem se ater a minúcias. Seu livro inclui apenas os detalhes científicos suficientes para explicar como ocorreu cada descoberta. Fermi é retratado como um líder natural – no laboratório, ou em caminhadas por trilhas perto dos seus locais de trabalho em Roma e no Novo México, e nas danças de quadrilha que ele adorava nos EUA. Mas apesar do espírito gregário, Fermi não revelava muito suas emoções nas conversas ou correspondência, mesmo quando trabalhava em equipe para desenvolver a mais terrível arma da humanidade. Laura, sua mulher, não sabia, até depois da explosão da bomba, exatamente o que seu marido estava fazendo em seu laboratório.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Como resultado, Schwartz luta com muitas das mesmas questões que atormentaram outros biógrafos de Fermi. Permaneceu ele tanto tempo na Itália, tendo ingressado na Accademia d’Italia de Benito Mussolini apenas em busca de financiamento e liberdade para continuar sua preciosa pesquisa? Ele participou do Projeto Manhattan por patriotismo pelo país que adotou ou foi arrastado para ali por causa do seu conhecimento e experiência no campo da física nuclear? Ou era apenas um curioso insaciável para saber a se a bomba poderia realmente ser fabricada?

Seria fácil retratar Fermi como um gênio reticente que resolvia cada problema como se tivesse “um caminho interno para Deus” (como disse um aluno). Mas o trabalho de detetive do autor revela também como a ciência funciona em seu contexto próprio: como cada descoberta é baseada na última; como idéias idênticas podem surgir para mais de uma pessoa quando as condições intelectuais estão certas; como um insight da natureza surge não do vácuo, mas da experiência conseguida a duras penas e, comumente, de cálculos engenhosos.

Fermi foi descrito certa vez por um aluno como o último homem que sabia tudo. Ele chegou a fazer importantes descobertas no campo da física das partículas, da geofísica e mesmo da ciência das estrelas. E nunca parou de calcular. Mesmo no leito de morte, usou um cronômetro para determinar exatamente a quantidade de fluído injetado em sua veia. Um problema simples, realmente, quando você se concentra no que é essencial. / Tradução de Terezinha Martino 

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.