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Colchão acusador

Universitária encontra forma singular de protestar contra a permanência de estuprador na faculdade

Por Thiago Mattos e Danielle Villela (NOVA YORK)
Atualização:
ALIAS NEW YORK, NY - SEPTEMBER 05: Emma Sulkowicz, a senior visual arts student at Columbia University, carries a mattress in protest of the university's lack of action after she reported being raped during her sophomore year on September 5, 2014 in New York City. Sulkowicz has said she is committed to carrying the mattress everywhere she goes until the university expels the rapist or he leaves. The protest is also doubling as her senior thesis project. (Photo by Andrew Burton/Getty Images) Foto: ANDREW BURTON/GETTY IMAGES

Por um dos portões de acesso entre a rua 116 e a Broadway passa uma jovem alta carregando um colchão azul maior que ela com a ajuda de outras três estudantes, como se estivessem de mudança. Desviam de filas de gente com mochilas saindo do metrô, evitam os lances de escada e atravessam portas arqueadas que estão ali desde o século 18. São cerca de 600 metros a serem vencidos entre o dormitório estudantil e o Departamento de Artes Visuais.

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A cena ocorre na Universidade Colúmbia e desde o dia 2 de setembro, quando lançou seu protesto contra a permanência de seu estuprador – um colega de classe – no câmpus, Emma Sulcowicz, de 21 anos, chama a atenção por onde passa. “Tenho de planejar com antecipação todas as minhas atividades, o que vou fazer e aonde vou, por causa do esforço físico”, disse ao Aliás a jovem que leva aonde vai o objeto já surrado de quase 2 metros de comprimento e 1 metro de largura.

Inspirado em uma canção dos Beatles, o projeto Carry that Weight foi concebido por Emma como seu trabalho final no curso de Artes Visuais. A carga de quase 20 quilos levada de um lado do câmpus para outro foi a maneira que ela encontrou para expor sua luta contra a violência sexual. O estupro teria ocorrido em seu próprio quarto na residência estudantil, no primeiro dia de aula do segundo ano na universidade. 

Segundo as regras que ela mesma estabeleceu, Emma não pede ajuda a ninguém, mas pode aceitar o auxílio de quem se ofereça espontaneamente. “É maravilhoso ver o apoio de tantas pessoas e ouvir palavras de incentivo”, diz. Uma mulher se aproxima e lhe fala sorrindo, sem diminuir o passo: “Admiro muito o que você está fazendo”.

Emma conta que o silêncio havia sido sua primeira opção, mas mudou de ideia quando conheceu outras duas mulheres que também foram vítimas da mesma pessoa que a violentou. Cerca de sete meses após o incidente, a estudante decidiu denunciar o caso à universidade, que, após um processo de investigação interna, inocentou o acusado e rejeitou as denúncias das três vítimas.

“Quando finalmente procurei ajuda da universidade, as pessoas que me atenderam eram totalmente despreparadas e mal registraram meu relato”, lembra Emma. “Uma das funcionárias questionou insistentemente como um estupro anal poderia ter realmente acontecido.”

Procurada, a Universidade de Columbia afirmou que é comprometida em proteger a privacidade dos alunos e, por isso, não comenta casos individuais. “Nossas ações devem deixar claro que compartilhamos o objetivo de um ambiente de aprendizado seguro para todos.”

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Sob pressão dos alunos, a Colúmbia lançou em 15 de agosto uma nova política de conduta contra discriminação de gênero. E, após um protesto no dia 12 de setembro, divulgou um comunicado interno informando que todos os estudantes terão de receber um novo treinamento de consentimento neste retorno às aulas. “O ponto mais importante não foi modificado. As vítimas de violência sexual continuam encontrando seus agressores todos os dias no câmpus”, diz Becca Breslaw, membro de um grupo estudantil que atua no combate à violência sexual no câmpus.

O protesto de Emma escancara um problema nacional envolvendo ataques sexuais em diversos câmpus nos EUA. Uma em cada cinco mulheres é estuprada enquanto está na faculdade – a maioria dos casos ocorre nos dois primeiros anos do curso e os agressores costumam ser pessoas conhecidas da vítima, de acordo com dados divulgados em abril pela Casa Branca. O relatório aponta que esse número pode ser ainda maior, já que a maioria das vítimas não denuncia as agressões.

“Há estigmatização de quem fala sobre violência sexual”, afirma Caitilin Lowel, estudante e coordenadora da Coalizão Contra a Violência Sexual no câmpus. “Em geral, as vítimas são criticadas e desencorajadas de compartilhar suas experiências.”

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Coautora de uma das maiores pesquisas sobre crimes sexuais em câmpus nos EUA, a professora da Universidade de Cincinnati Bonnie Fischer afirma que é preciso exigir das universidades uma avaliação de quais medidas funcionam e por quê. “Gostaria que mais alunos dividissem suas experiências como Emma, que está trazendo consciência sobre a questão dos ataques sexuais entre os estudantes universitários”, diz. “Como uma pessoa pode aprender algo se tem de lidar com uma experiência traumática e ainda correr o risco de todos os dias encontrar seu agressor?”, questiona Becca. 

Emma promete andar com seu colchão até que justiça seja feita ou que ela se forme. “Já me sinto cansada e exausta fisicamente”, desabafa. Mesmo que os últimos dias de verão tragam um novo semestre e tudo pareça igual naquela parte do Upper West Side, o cenário dos gramados verdes e das colunas gregas já não parece tão calmo.

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