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Como Cézanne, o mestre da natureza morta, revolucionou os retratos

Retratos do pintor são reunidos em exposição pela primeira vez em mais de um século

Por The Economist
Atualização:

No final de sua vida, Paul Cézanne disse ao seu comerciante de arte, Ambroise Vollard, que “o apogeu de toda arte é o rosto humano”. É uma avaliação peculiar, vinda do mestre da paisagem e da natureza morta, a quem Matisse e Picasso reverenciaram como “o pai de todos nós”. Mas Cézanne também pintou dezenas de retratos ao longo de sua carreira de 50 anos e eles contam uma história surpreendente. Como uma nova exposição sem precedentes registra persuasivamente, é através desse aspecto menos conhecido de seu trabalho que o mestre de Aix-en-Provence encontrou sua voz artística.

Autorretrato de Paul Cézanne em 1887 Foto: Impressionists Gallery

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Retratos e Cézanne é a primeira exposição em mais de um século a apresentar seus principais retratos sob o mesmo teto. Concebida por curadores de três países, foi um sucesso no Musée d'Orsay em Paris e inaugurada no final de outubro na Galeria Nacional de Retratos de Londres. Será levada para a Galeria Nacional em Washington, em março próximo. Desde que Vollard apresentou 24 retratos de Cézanne em 1910, é a primeira vez que os amantes da arte conseguem ver tantas dessas pinturas lado a lado. O que elas revelam é a experimentação contínua de Cézanne, e até mesmo uma reinvenção do próprio gênero, o retrato. Em conjunto, essas pinturas de outras pessoas constituem um retrato do próprio homem, e a evolução dele como artista.

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Cézanne interessou-se de imediato pela figura humana, assim que começou a pintar, na década de 1860. Os primeiros retratos da mostra são de membros da família e de si mesmo. Logo, suas pinturas começaram a revelar tanto interesse em materiais e forma quanto pela caracterização de uma pessoa em particular. Uma série de cabeças densas e pesadamente definidas de seu tio Dominique deu o tom: o espectador vê o pintor em seu trabalho, tentando uma variação depois da outra. Essas obras energéticas, estampadas com uma espátula, são viscosas e carnudas, marcando um primeiro passo de distanciamento da ideia tradicional de representação, diz John Curter, o curador principal do programa. Embora não estivesse mais em voga o retrato formal e encomendado, que refletisse o status social, a ideia de que um retrato deveria refletir uma semelhança psicológica permaneceu um tema atual. Cézanne, com seu uso ousado de cores foscas, remanescente de Edouard Manet e Gustave Courbet, questionou até mesmo isso.

Retrato de Hortense Fiquet em 1877, por Paul Cézanne Foto: Museum of Fine Arts, Boston

Após esses “Primórdios Provocadores”, como a exposição os denomina, Cézanne passou algum tempo com os impressionistas, dando aos seus próximos retratos uma abordagem mais livre, cheia de luz. Uma pintura de 1877 de Hortense Fichet, sua amante e mãe de seu filho, vestindo uma saia listrada, destaca-se pela beleza e equilíbrio formal; seu rosto é composto por blocos de cor. “Não existe nada como isso na história anterior do retrato”, diz Elderfield. Cézanne continua inovando com autorretratos usando pinceladas impressionistas e salpicadas. Mas ele estava cada vez mais absorvido pelas qualidades esculturais da figura humana, mais interessado nos volumes do rosto do que na expressão. Em meados da década de 1880, qualquer ideia de que um retrato deveria refletir o estado de humor ou a personalidade do modelo era decididamente afastada.

Entre os retratos mais poderosos e perturbadores da exposição estão os de Hortense, que se tornou sua esposa, e quem ele pintou repetidamente nos anos subsequentes. Os trabalhos chocam pela ausência de emoção. Cézanne retrata sua esposa em um vestido vermelho, como se ela não fosse nada mais que uma tigela de frutas: distante, geométrica, rígida. A ideia é exatamente essa. O objetivo de Cézanne era pintar “a presença objetiva de alguém – a presença permanente vívida e crua do que era visto”, disse Elderfield. Durante uma década, o artista pintou frutas e paisagens de peso semelhante. Nesses retratos, ele libera a figura da doutrina da semelhança – física ou psicológica – e passa decisivamente para o moderno.

Retrato de Ambroise Vollard por Cézanne em 1899 Foto: Musée des Beaux-Arts de la Ville de Paris

As duas partes finais da exposição apresentam uma jubilosa explosão na qual a maioria dos visitantes identificará o estilo maduro de Cézanne – desde suas famosas banhistas até as paisagens de L’Estaque e do monte Sainte-Victoire. Na última década ele pintou os camponeses perto de sua casa no sul da França, junto com amigos escolhidos, usando manchas de cor cintilante como prismas para criar uma sensação de profundidade e volume. Os aspectos desse toque mais suave e da mescla da figura com a paisagem aparecem em camponeses que posaram como modelos para seus Jogadores de Cartas, por exemplo. Delicados arco-íris são mais claros nos rostos de dois de seus retratos mais contemplativos, os de Vollard e da Mulher com uma Cafeteira. Os extraordinários retratos finais de seu jardineiro, Vallier, tanto no interior escuro como sob a escaldante luz do sol, confirmam a conquista derradeira de Cézanne. Nesta nova arte do retrato há emoção, que na realidade, emerge não do rosto do modelo, mas do pincel do pintor. / Tradução de Claudia Bozzo 

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