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Como os alimentos contribuíram para a expansão do Império Britânico

Livro de historiadora da Universidade de Warwick investiga a subestimada importância da indústria alimentícia para a formação do Reino Unido

Por The Economist
Atualização:

Em 1879, na batalha de Rorke’s Drift, na África do Sul, um pequeno contingente de soldados britânicos tentava se defender de milhares de guerreiros zulus. A certa altura, resolveram improvisar uma barricada. Que material utilizaram? Latas de biscoito da marca Carr’s, cuja fábrica ficava na cidade inglesa de Carlisle.

Fort George pintado por William Burgis em algum momento entre 1731 e 1736 Foto: New York Public Library

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É uma imagem que sintetiza bastante bem o livro The Taste of Empire: How Britain’s Quest for Food Shaped the Modern World (“O Sabor do Império: Como a Busca dos Britânicos por Alimentos Moldou o Mundo Moderno”), em que a historiadora Lizzie Collingham, da Universidade de Warwick, argumenta que os alimentos, longe de terem sido elementos acessórios, foram fundamentais para a expansão imperial do Reino Unido. Até agora, era comum supor que o Império Britânico havia se formado e então o comércio de alimentos — aquelas toneladas e mais toneladas de chá, farinha, açúcar, carne enlatada e picles que cruzavam os sete mares — surgira para alimentá-lo. Collingham vira essa ideia de ponta-cabeça: não foi tanto o Império que fomentou o comércio, e sim o comércio que impulsionou o Império.

O livro se inicia em 18 de julho de 1545, um “dia de peixe” no Mary Rose, navio de guerra inglês que viria a pique antes do fim daquele mês. A análise genética das espinhas de peixe encontradas a bordo do navio mostram que os peixes que os marinheiros consumiam haviam sido pescados em águas próximas à ilha de Terra Nova, onde os cardumes de bacalhau eram tão densos que o pescador “mal conseguia passar por eles com seu barco”. Posteriormente, os britânicos retornaram à ilha e a transformaram em colônia. Em outras palavras, os britânicos não pescavam bacalhau em Terra Nova porque a ilha era sua colônia; foi o fato de pescarem lá que os levou a colonizar a ilha.

Segundo Collingham, a importância do comércio pesqueiro de Terra Nova na formação do Império Britânico foi “frequentemente subestimada”. O fato, porém, é que os alimentos foram decisivos, tendo sido motivo, tanto quanto as guerras, de revoluções internacionais. Entre 1846 e 1850, um milhão de irlandeses morreram durante a “grande fome da batata”. Nos quatro anos seguintes, outros 2 milhões emigraram. Os alimentos também impulsionaram a inovação: as fabricantes de biscoitos, como a Carr’s, introduziram as linhas de produção muito antes de Henry Ford entrar na parada.

E os alimentos não serviram apenas para estimular a expansão do Império Britânico. Também foram usados, como as latas de biscoitos Carr’s na barricada de Rorke’s Drift, para apoiá-lo. A senhora inglesa na Índia, manual publicado em 1864, orientava suas leitoras a levar consigo para a colônia asiática não apenas roupas, mas também toalhas de mesa, louça, talheres e copos de cristal. A ideia era reproduzir nos lares dos colonizadores as práticas “dos melhores estabelecimentos” britânicos, a fim de exibir aos “nativos” as maneiras sofisticadas de uma civilização superior. Os jantares eram menos uma refeição do que uma declaração de intenções imperiais.

Por sua vez, os hábitos alimentares engomados às vezes vinham acompanhados de comida pouco palatável. Quando ceavam na casa de um dignitário indiano, as mulheres britânicas esperavam apreciar um bom prato de curry. Em vez disso, eram servidas com uma lamentável procissão de receitas pseudo-inglesas: “uma “sopa horrível, um rosbife péssimo”, arrematados com queijos e biscoitos tão velhos que a pessoa corria o risco de encontrar em seu interior “carunchos e os ovinhos deles”.

Esses detalhes são o ponto forte do livro — e também seu ponto fraco. Os parágrafos são abarrotados de datas e números. Mas são tão interessantes que não se pode dizer que cheguem a incomodar. Afinal, que outro livro ofereceria ao leitor instruções sobre “como preparar o melhor láudano”? (Dica importante: acrescente bastante açafrão e não economize no ópio.) / Tradução de Alexandre Hubner

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