Cuidadosas escolhas

Favorita disparada para a Casa Branca, Hillary lança livro e procura não balançar o barco

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Por Paulo Nogueira
Atualização:
Former U.S. Secretary of State Hillary Clinton speaks at the United Fresh Produce Association in Chicago, Illinois, June 10, 2014. REUTERS/Jim Young (UNITED STATES - Tags: POLITICS FOOD BUSINESS) Foto: JIM YOUNG/REUTERS

Essa semana, Hillary Clinton - ex-senadora, ex-secretária de Estado e ex-primeira-dama dos Estados Unidos - lançou um livro de memórias, Hard Choices. Trata-se de um gambito político, uma jogada promocional digna de um exímio enxadrista. Acontece que a autora (66 anos e prestes a ser avó) está ansiosa por regressar à Casa Branca, e dessa vez no papel principal. Antes de definir o título (“Escolhas Difíceis”), Hillary pediu sugestões a internautas. Depois disse que seu preferido era Crônicas de um Diadema: 112 Países e o Importante Continua Sendo meu Penteado. Alfinetada em Michelle Obama, que em três cerimônias recentes usou vestidos avaliados em R$ 35 mil cada e teve de explicar que os paga de seu bolso? 

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De qualquer forma, com a publicação das memórias Hillary - que nunca saiu de cena - voltou à berlinda. Michiko Kakutani, a respeitada crítica literária do New York Times, não regateou confete: “Uma obra fina e calibrada, que revela a autora como uma deusa da política”. O panegírico foi tão bajulador que a revista New Republic, da esquerda liberal, resmungou que a resenha de Kakutani não passava de um press release. 

A equação de Hillary é espinhosa. Por um lado, precisa permanecer na ribalta. Por outro, não pode se expor demais. É a favorita disparada nas pesquisas para a sucessão de Obama, em 2016, inclusive sobre presidenciáveis republicanos. Portanto, quanto menos balançar o barco, melhor para ela. Daí a ambiguidade quase hamletiana sobre a oficialização de sua candidatura. Todo mundo sabe que é candidatíssima, e todo mundo finge que não é - sobretudo ela mesma. 

Por isso, por enquanto todo cuidado é pouco. Até porque nunca foi fácil ser candidato situacionista. Hillary não pode elogiar nem falar mal de Obama - que neste momento empurra seu segundo mandato com a barriga e derrapa nas sondagens. 

Hard Choices, de 600 páginas, tem seis seções com vários capítulos cada. Hillary não dá um pio sobre o episódio Monica Lewinsky (que voltou à tona outro dia, numa entrevista à Vanity Fair). Na época do escândalo, primeiro Hillary reduziu o caso a “uma conspiração de direita”. Mais tarde, declarou que perdoara Bill por amor. Amor ao poder, ironizam alguns. 

O foco do livro é outro: o período em que Hillary chefiou a diplomacia americana, de 2009 a 2013, visitando 112 países e percorrendo cerca de 1,5 milhão de quilômetros. Logo na introdução, ela justifica o título: “Todos enfrentamos decisões difíceis na vida, e é o modo como as tomamos que faz de nós as pessoas que somos”.

No primeiro capítulo, Hillary revela um encontro secreto com Obama, logo após a indicação dele como candidato democrata à Casa Branca. Rolou uma saia justa, com Hillary chamando de “absurdas” as acusações de racismo então dirigidas a Bill Clinton. Obama bebeu um gole de Chardonnay e garantiu à interlocutora que nem ele nem ninguém de sua equipe acreditara naquela infâmia. Dois dias depois, ofereceu a Hillary o cargo de secretária de Estado, que ela recusou duas vezes antes de topar. 

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Do ponto de vista mundano, o capítulo mais apetitoso é o que se ocupa dos aliados da Europa Ocidental. Hillary se professa macaca de auditório de Angela Merkel, “apesar de sua austeridade prussiana”. Chama Nicolas Sarkozy de “príncipe encantado” e fofoca que o ex-presidente francês se queixou do seguinte: “Todos os diplomatas que me procuram são velhos, grisalhos e - o que é realmente imperdoável - homens”. 

O capítulo 12 se debruça sobre a América Latina sob título sugestivo Democratas e Demagogos. Para Hillary, é preciso superar a “imagem obsoleta” da região, que os americanos ainda encaram como reduto de “golpes de Estado e crimes”. E se congratula: “Nos últimos 20 anos, a região realizou notáveis avanços econômicos e políticos”. 

A memorialista enaltece a presidente Dilma Rousseff: “Uma líder formidável. Pode não ter o carisma de Lula ou a experiência técnica de Fernando Henrique Cardoso, mas dispõe de forte intelecto e muita fibra. O que ficou claro nos protestos sociais de 2013: em vez de prender os manifestantes, Dilma se reuniu com eles e reconheceu suas inquietações - ao contrário do que acontece na Venezuela”. 

Hillary reverencia FHC (“que iniciou o despertar econômico do Brasil e a transferência de renda aos menos favorecidos”) e Lula (“que prosseguiu com as políticas econômicas do antecessor e reduziu em 75% o desmatamento da Amazônia”). Em compensação, sobram palavras duras para Hugo Chávez: “Um ditador exibicionista, mais irritante do que uma ameaça real, exceto para seus próprios cidadãos”.

Por enquanto, Hillary não precisa se inquietar com candidaturas rivais - como a da senadora Elizabeth Warren, o xodó da ala esquerda dos democratas, apoiada por luminárias do partido como a ensaísta Camille Paglia. Na pesquisa mais recente (CBS News-New York Times), 82% querem que Hillary concorra à Casa Branca.

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Paulo Nogueira, jornalista, é autor de 'O amor é um lugar comum' (Intermeios)

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