De cabeça

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Por Paula Sacchetta
Atualização:

Estas fotografias de Edu Monteiro não são apenas fotografias. São um mergulho profundo em seu inconsciente. Começaram a ser feitas em 2009, quando ele se deslumbrou com as Máscaras Sensoriais de Lygia Clark. Daí veio a ideia geral da série, que chamou de Autorretrato Sensorial. De artistas caros a seu imaginário veio a inspiração para a criação de cada máscara. Trouxas ensanguentadas para o artista plástico luso-brasileiro Artur Barrio, pimentões para o fotógrafo americano Edward Weston, cigarros para a britânica Sarah Lucas. O desafio era enfrentar aquilo tudo, externa e internamente.

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Nascido em Porto Alegre, Monteiro tem 42 anos e mora há 15 no Rio. Formado em fotografia, artes plásticas e jornalismo, doutorou-se em artes pela Uerj. Começou a fotografar em casa, com o avô, fotógrafo amador, e com a mãe, que revelava filmes preto e branco. Em novembro, vai expor seus autorretratos sensoriais no Lianzhou International Photo Festival, na China. E ele acha que de lá trará novas máscaras para sentir.

Por que se colocar como objeto de sua própria fotografia? Ainda mais nesse contexto?

Foi um processo catártico e pessoal. A Lygia Clark colocava os espectadores de suas obras como participantes ou até mesmo pacientes. Nesse caso eu me coloquei diante da experiência sensorial como um processo de psicanálise. Queria criar uma autoanálise. Fiz coisas mais punks e outras mais lights, mas foi tudo no meio de uma mudança em mim e no meu trabalho. Eu trabalhava bastante com foto documental, jornalística, e quis entender a ruptura que me levava a querer entrar de cabeça na arte contemporânea. 

A série, então, é um rito de passagem?

Sim. Realizar essas fotos foi um processo que eu precisava vivenciar naquele momento para me encontrar. Eu jogo capoeira angola, que é mais voltada pro ritual, forte e intensa. E aí tinha esse outro lado da fotografia documental com toda sua frivolidade do imediato, de uma mensagem clara e direta. Chegou uma hora que eu quis fazer o contrário, quis me entregar de uma forma muito maior do que me entregaria a um trabalho encomendado por uma revista, por exemplo. Tornei aquilo um ritual maior do que sair para fazer uma reportagem fotográfica.

E quando você se encontrou se viu mais fotógrafo ou artista?

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Na arte contemporânea está tudo junto, não precisa desse limite, se é arte ou fotografia. É um processo só, no qual tudo se conecta e se mistura. Prefiro o artista e me sinto mais à vontade como fotógrafo, mas estou tentando dar um passo para sair da zona de conforto. Hoje estou mais calmo, cada vez mais calmo, conseguindo mergulhar no universo e na proposta a que me propus. Acho que valeu a pena.

Como você faz as imagens?

Sou eu debaixo daquelas máscaras todas, que vou criando com a ajuda de um espelho. Deixei minha tatuagem aparecendo de propósito, porque ela mostra que sou eu, que é o meu processo. Não há Photoshop nas imagens. É tudo feito à mão. 

Você fez todas no mesmo dia?

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O máximo que aguentei foram três no mesmo dia. São processos complexos e demorados. É pesado: me joguei de verdade nessa experiência de enfrentar meus medos e fragilidades através do sensorial. Dou um mergulho dentro de meus sentimentos e às vezes isso assusta. Dá certo pavor, mas preciso enfrentá-lo. São viagens muito fortes. Depois de cada uma preciso de um tempo para espairecer. 

Qual daqueles materiais no rosto provoca a pior sensação?

As fotos com carnes cruas eram as mais complicadas: a língua, o fígado. Um cheiro muito ruim. O coração também foi nojento. Com a terra também foi estranho. Para essa eu me inspirei no Hélio Oiticica. Eu ouvia aquele barulhinho da terra caindo, ia deixando de enxergar lá fora, ia me enterrando. Foi muito difícil. 

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E qual provocou a melhor sensação?

A da banana. Ficou um cheirinho bom da fruta. A dos bonecos de pelúcia também foi bem agradável.

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