Dramaturga Marina Carr leva 'Medeia' para a Irlanda em peça

'No Pântano dos Gatos', escrita em 1998, é traduzida no Brasil

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Por Dirce Waltrick do Amarante
Atualização:

A dramaturga irlandesa Marina Carr faz jus à herança literária deixada por seus conterrâneos Oscar Wilde, Bernard Shaw e William Butler Yeats, entre outros, e já desponta como um dos grandes nomes da dramaturgia atual. Carr venceu este ano o importante Windham-Campbell Prize, prêmio literário americano, na categoria dramaturgia.

Cena da peça 'No Pântano dos Gatos', de Marina Carr, montada em Chicago Foto: Joe Mazza

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Em novembro, a dramaturga esteve no Brasil, na Universidade Federal de Santa Catarina, para o lançamento de seu primeiro livro traduzido no País, No Pântano dos Gatos, peça de 1998 já encenada em muitos países e traduzida para várias línguas (japonês, alemão, francês etc.). A tradução para o português é de autoria de Alinne Balduino Fernandes, professora da UFSC, que é também dramaturga e diretora teatral. 

A peça é baseada em Medeia, de Eurípides. A tragédia de Carr, contudo, não ocorre em Corinto, mas no interior da Irlanda, num lugar conhecido como Pântano dos Gatos. A Medeia irlandesa, que se chama Hester Swane, é a personagem mítica grega, uma espécie de feiticeira que pode conversar com os mortos: “Hester: Mas e você, espreitador de alma, que alma veio roubar?”

Há, no entanto, muito mais em comum entre a personagem irlandesa de Carr e a figura mítica. Ambas são abandonadas por seus parceiros depois de os terem ajudado em momentos difíceis: “Fui eu quem mostrou pro Carthage que ele podia ser melhor. Foi o meu dinheiro que comprou os seus primeiros acres. Foi na minha cama de pouquinho em pouquinho que, de meninote, ele se transformou num homem.” Para se vingar de seus companheiros, que também querem expulsá-las do lugar onde vivem, Medeia e Hester tiram deles a descendência. 

A figura de Medeia impactou profundamente Marina Carr. Segundo ela, “Medeia está entre nós. Ela sempre esteve aqui. Parece que nunca irá embora.” Além disso, a dramaturga acredita que “qualquer homem com um restolho de coração diria, como Agamenon disse muito tempo atrás: as mulheres sofrem sem os homens.” Nesse sentido, os homens sentem-se superiores a elas, e Carr enumera as razões: “Que o mundo é um lugar inóspito. Que as mulheres fazem coisas horríveis. Que, quando chega a hora da verdade, a criança é quem leva o primeiro golpe”. 

Outros mitos gregos parecem estar também representados na peça de Marina Carr. A personagem Mulher-Gato se assemelha a Tirésias, o profeta cego de Tebas. Diz Hester à Mulher-Gato: “E tem alguma coisa que os teus olhos cegos não viram, escrita num buraco do pântano?” 

No Pântano dos Gatos não é uma peça pós-dramática, à moda de Medeamaterial, do dramaturgo alemão Heiner Müller, que se vale da mesma tragédia grega; ao contrário, é uma peça convencional fundamentada no texto, nos diálogos, que conta, antes de mais nada, uma história com começo, meio e fim. Talvez seja uma tendência do teatro mais recente. 

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Carr dialoga estreitamente também com o folclore e com os contos de fadas, tão caros aos irlandeses (vale lembrar a presença de tais elementos em W. B. Yeats, James Joyce, Oscar Wilde etc.). Lê-se em No Pântano dos Gatos que a protagonista, quando nasceu, foi deixada no ninho de um cisne: “e quando perguntei pra ela porque ia te deixar ali naquele frio desgraçado, sabe o que ela disse? ‘Swane significa cisne. E assim será. Essa menina viverá tanto quanto esse cisne, nem um dia a mais, nem um dia a menos’”. Quantos contos de fadas não começam com um feitiço sendo lançado? 

No Pântano dos Gatos foi escrita em hiberno-english, uma variação da língua inglesa que incorpora aspectos gramaticais e expressões idiomáticas do gaélico, muitas vezes incomuns em inglês. Lembra Alinne Fernandes que a escolha de Carr por essa língua remeteria ao movimento de renascimento literário e dramático irlandês, liderado por Lady Gregory e W. B. Yeats no início do século 20, que buscava criar uma identidade literária irlandesa, reduzindo a influência britânica sobre sua cultura.  *É professora do curso de artes cênicas da UFSC 

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