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Efeito Pokémon: histórias de quem está atrás do Pikachu

A manifestação que não era política, o carro que parou no meio da avenida movimentada, o hospital invadido por adolescentes, o dragão que cuspiu fogo no altar da catedral e outras histórias de quem saiu por aí atrás de um Pikachu ou de outras criaturas virtuais

Por Bruno Abbud
Atualização:

Bruno Abbud

Era sexta-feira, o agente Alberto, da CET, foi acionado pela central para checar o número de manifestantes que começavam a se aglomerar no vão do Masp, na Avenida Paulista. Pelas câmeras de segurança, o posto de controle havia identificado uma movimentação suspeita no local. No Masp, os manifestantes somavam 80. Do outro lado da avenida, contudo, eram mais de 150 pessoas. Alberto pensou que fosse o povo do “Fora, Temer”. Depois percebeu que, ali, ninguém queria saber de política. Estavam todos caçando pokémons. “A calçada estava tomada”, contou Alberto. “Liguei na central e disse: ‘não é manifestação, é pokémon’.”

  Foto: Tiago Queiroz | ESTADÃO CONTEÚDO

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Dois dias antes, o jogo Pokémon Go tinha sido lançado no Brasil. E já era febre. Desde o início do mês, o trecho que se estende da entrada do parque Trianon até a esquina da rua Peixoto Gomide com a Paulista se transformara em pokéstop (se você ainda não sabe o que é isso está mais por fora que asa de Zubat). Tudo bem, vou facilitar: um pokéstop nada mais é do que um ponto de encontro de jogadores que aparecem para coletar itens do jogo. Na avenida Rebouças, por exemplo, existem ao menos 14 pokéstops. Foi lá que, na mesma sexta-feira, outro marronzinho flagrou um motorista incógnito que parou o carro no meio da avenida, desceu e passou a erguer o celular na direção do além. O homem conseguiu escapar antes que o agente anotasse sua placa. No dia seguinte, o vendedor Edson de Souza, que trabalha na loja Marisa da Paulista, estava prestes a realizar mais uma venda, mas foi interrompido por quatro jovens que invadiram o espaço das araras para caçar um Butterfree. “Levei um susto”, disse ele. “Falaram que o bicho estava bem nos meus pés, a cliente ficou constrangida, quase perdi a venda.” A coisa estava começando a desandar.

Às 21 horas da última terça, quase 200 jogadores se postavam na frente da loja, que fica bem onde está o pokéstop da Peixoto Gomide, um dos mais procurados da cidade. Eles se reuniam em grupo, alguns permaneciam solitários, nenhum desgrudava os olhos do celular. “O jogo deixou as pessoas mais abertas ao diálogo”, disse a estudante Patrícia Pierri, de 22 anos. Não demorou 30 segundos e lá estava ela, capturando novos amigos.

De repente, um ser surgiu no meio da multidão. Não, não era um pokémon, e sim o motorista de ônibus Eduardo Mateus, que está faturando na Paulista. Ele aproveitou o frisson para vender carregadores (carregados!) de bateria de celular. Cada um custa R$ 15. Em três horas, havia vendido dezoito aparelhos. “Eu vim jogar e percebi que tinha um monte de gente indo embora porque a bateria estava acabando”, explicou. “Aí tive essa ideia.”

O mecânico Sérgio Carvalho, de 28 anos, que à noite faz bico de entregador de pizzas, também teve uma luz. Resolveu levar gente na garupa para caçar pokémons. Carvalho anunciou o serviço em um fórum na internet: três quilômetros por cinco reais, sete por dez, doze por catorze, mais dois reais por parada. Capturou o primeiro interessado dois dias depois. “Em dez quilômetros passo por 30 pokéstops e pego 20 pokémons”, disse. “Como em São Paulo não pode andar a mais que 60 quilômetros por hora, fica fácil.”

Na hamburgueria Stunt Burger, no Morumbi, quem encaçapar um Pikachu ganha uma porção de batatas. Além disso, todo dia, às 22 horas, os proprietários espalham o Lure Module — uma espécie de incenso virtual que atrai pokémons — no pokéstop que fica na frente do estabelecimento. “Aumentou o público, principalmente a molecada”, contou Donato Galvez, de 53 anos, o proprietário. Ele planeja a criação de um novo lanche cujo pão imita uma pokébola.

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O guitarrista Fernando Loko, de 26 anos, que se apresenta na Paulista, passou a encaixar nomes de pokémon nos refrões de suas músicas. Também pediu para a mãe confeccionar uma fantasia do Pikachu. Não deu outra: o “Pikachu da Paulista” passou a capturar muito mais moedas. “Tô com essa roupa há quatro dias. As pessoas olham o Pikachu e plum”, disse, fazendo um gesto de lançar dinheiro para dentro da capa vazia.

  Foto: Tiago Queiroz | ESTADÃO CONTEÚDO

Até os pets sentiram a febre Pokémon. A estudante Gabriela Ackel, de 20 anos, que antes do jogo passeava com seu labrador só durante o tempo do cachorro concluir suas necessidades, agora estende a marcha em busca de pokémons – sorte do cão. Ela tem encontrado muitos ovos virtuais, e cada ovo, dependendo do tipo, só gera um pokémon se o jogador se deslocar fisicamente por dois, cinco ou dez quilômetros — quanto mais longe, mais raro será o recém-nascido. “Comecei a andar muito mais”, disse.

Para o psicólogo Bruno Costa, doutor em Análise do Comportamento pela PUC-SP, o jogo é terapêutico. “É incrível como pode ser difícil tirar um jovem de casa”, disse. “Uma das queixas mais recorrentes é sobre o fulano que não sai de casa porque só quer saber de computador. Tenho um jovem com queixa aguda de isolamento social e, por causa do jogo, começou a sair mais. Esta semana mesmo todos me relataram que saíram com amigos pra caçar pokémons. Olha o poder que isso tem!” Segundo ele, casos graves de pacientes com síndrome de Asperger, por exemplo, têm sido tratados com Pokémon Go. “Para jogar é preciso negociar, pegar táxi, uber, ônibus, coisas que nunca faziam. Estão aprendendo a lidar com dinheiro, aprendendo o caminho de casa. Se o uso for saudável, vejo muita vantagem”, disse. Um paciente seu, contudo, teve uma crise porque a internet caiu no dia do lançamento do jogo no Brasil.

  Foto: Tiago Queiroz | ESTADÃO CONTEÚDO

A panaceia pokémon também produz seus efeitos colaterais. Em San Francisco, nos Estados Unidos, um jovem foi baleado e morreu enquanto integrava uma multidão de caçadores de pokémon. Ninguém viu o assassino porque ninguém olhou para o assassino. Só pra tela do celular. Em San Diego, Califórnia, dois jogadores caíram de um penhasco. Em Wyoming, uma mulher que explorava um lago à procura de pokémons aquáticos encontrou um cadáver boiando. O mesmo aconteceu na Califórnia e em Singapura. Na ala de Engenharia do Mackenzie, “tem muita gente matando aula”, de acordo com o universitário João Vitor Paiva, 22, que apertava seu smartphone na Paulista.

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Na última semana, a atendente Regiane França, de 17 anos, que trabalha no Rei do Mate da Paulista, presenciou mais cenas de ladrões capturando telefones alheios. “Tá tendo muito roubo, muito roubo”, disse. “O ladrão passa de bike, agarra o celular e vai embora”. A PM assina embaixo. “Ainda não temos estatísticas pois o jogo é recente, mas já identificamos situações que devem elevar a quantidade de roubos na capital”, avisou o major Emerson Massera. Fora os acidentes. “Já flagramos pessoas atravessando ruas sem notar os veículos, motoristas jogando enquanto dirigem e também muitos tropeços. Nossos programas de policiamento já foram reorientados, considerando esse fenômeno.” A delegada Victória Lobo Guimarães, titular do 78º DP, nos Jardins, que cuida da área da Paulista, informou que, até a última quarta-feira, só uma vítima que teve o telefone roubado enquanto caçava pokémons havia aparecido para registrar ocorrência. “Você já jogou?”, perguntou a delegada. “Eu peguei dois no meu quarto!” Um investigador que não quis se identificar avisou que já tem ladrão usando incenso pokémon para atrair vítimas. O Metrô diz que até agora não registrou nenhuma ocorrência grave envolvendo o jogo, mas a advogada Karoline Ramos, 24, jura que viu um pokémon nos trilhos da estação Bresser – já pensou o perigo? A SPTrans também não anotou nada anormal, embora um cobrador de ônibus tenha relatado à reportagem a aparição de “zumbis” caçando pokémons na faixa de ônibus. A reportagem não capturou nenhuma resposta oficial da CET.

Caçando fiéis. Na semana passada, a Arquidiocese de São Paulo viu no jogo uma chance de angariar fiéis. “Antes de jogar, dê uma olhada na igreja”, dizia a campanha no Facebook, que até a última sexta-feira tinha 6.800 curtidas e 8.371 compartilhamentos. “Tínhamos dois caminhos: proibir os jovens ou acolhê-los e fazer do jogo um meio de evangelizar”, afirmou Luiz Eduardo Baronto, cura da Catedral da Sé. “A gente sabe que quem vier aqui caçar pokémon pode não ser uma pessoa de fé, mas podemos suscitar nela o desejo de rezar.” Só não vale na hora da missa. “Ninguém vai expulsar ninguém”, disse Baronto, que orientou os seguranças para serem gentis com os jogadores. Pois bem, na tarde da última quarta-feira, os fiéis e os seguranças não viram, mas um Charmander (pokémon raro) insistia em cuspir fogo no altar enquanto o padre rezava sua missa. “Eu li que pokémon é coisa do diabo”, disse um segurança da catedral.

A falta de noção, bem, essa continua à solta. Na quinta-feira, o Hospital Pequeno Príncipe, de Curitiba, teve de acionar seus seguranças para retirar caçadores de pokémon na área de emergência pediátrica do SUS, onde foi “instalado” um ginásio Pokémon. Numa carta endereçada a John Hanke, CEO da Niantic Labs, empresa responsável pelo aplicativo, a direção do hospital pediu encarecidamente a retirada do ginásio das dependências do hospital.

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A Escola da Vila, no Butantã, emitiu uma circular avisando os pais sobre os perigos do jogo. “As crianças estavam hipnotizadas”, disse Clarice Camargo, orientadora da escola. “Alguns invadiram os espaço dos alunos de três anos, quase atropelaram os pequenos para caçar pokémon.” Na escola Waldorf Rudolf Steiner, cuja proposta pedagógica recomenda contato com meios eletrônicos só a partir dos 12 anos, um ginásio Pokémon apareceu no pátio. A escola também contatou a Niantic para se livrar do ginásio. “Está atrapalhando a concentração das crianças”, afirmou a pedagoga Karla Neves. A empresa respondeu que vai analisar o caso.

Nos cartórios de registro civil nos arredores da Avenida Paulista, como o que existe na Rua Frei Caneca, por exemplo, até agora ninguém registrou um filho com nome de Pokémon (como já aconteceu nos Estados Unidos). “Até agora”, frisou uma funcionária.