Europa contra os negócios

O debate simplista do estímulo versus austeridade oculta problemas estruturais menores que, somados, afetam região

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Por Steven Rattner
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Intempéries. 'Restringir a contratação e a demissão de trabalhadores é arcaico' Foto: REUTERS/Issei Kato

Com grande frequência o debate a respeito de como reiniciar a economia da Europa aponta para as convenientes alternativas do estímulo versus austeridade. Devemos relaxar a pressão para reduzir os déficits dos governos? As medidas dos bancos centrais para reduzir os juros deveriam ter chegado antes, de forma mais agressiva?

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Esse debate simplista voltou ao primeiro plano com o mergulho do Banco Central Europeu na compra da dívida soberana dos seus países-membros e o expressivo voto dos gregos nas urnas contra os cortes de gastos. Mas o foco na política macroeconômica não dá o devido valor à importância fundamental de problemas estruturais menores que, somados, representam um desafio maior para a Europa.

Restrições arcaicas para a contratação e demissão de trabalhadores, políticas energéticas equivocadas e camadas de burocracia que dificultam a abertura de empresas - para mencionar apenas alguns - se combinam para prejudicar a capacidade do continente de concorrer em mercados cada vez mais globais.

Entre os principais países, França e Itália são os que mais sofrem desse mal, com os salários aumentando mesmo com a eficiência dos trabalhadores estagnada. 

Na França, o presidente François Hollande foi eleito para o cargo em 2012 em meio a uma onda esquerdista, respondendo com políticas que foram da redução para 60 anos da idade mínima para aposentadoria ao aumento dos impostos corporativos e sobre o valor agregado. As políticas dele chegaram até a levar os executivos franceses às ruas gritando “já basta” em megafones - uma expressão de sua frustração com as camadas de regulamentações, como um novo requisito para que todos os empregos em meio período correspondam a uma jornada de pelo menos 24 horas semanais. Impopular e sob pressão da União Europeia, Hollande procurou modestamente se aproximar do centro. Enquanto isso, o jovem novo primeiro-ministro da Itália, Matteo Renzi, chegou ao cargo determinado a reverter três anos de recessão reformando pontos como a rígida legislação trabalhista e a lentidão do sistema judiciário.

Depois de meses batalhando, ele conseguiu algum progresso recente numa proposta de reforma bancária e a aprovação inicial de sua ata dos empregos. Isso resultou em manifestações e greves pelo país por parte dos trabalhadores com medo de que ele conseguisse desmantelar as 2.700 páginas de regulações para o mercado de trabalho italiano, que na prática institucionalizaram a ineficiência ao dificultar muito a demissão de funcionários.

Até a Alemanha, geralmente razoável, adotou desvios consideráveis em sua política energética. Depois do desastre nuclear de Fukushima, no Japão, em 2011, a Alemanha, que obtinha um quarto de sua energia a partir de usinas nucleares de baixo custo, começou a desativar seus reatores. Isso ocorreu após a adoção do requisito para que os serviços públicos comprassem volumes específicos de energia limpa a preços muito mais altos do que a eletricidade gerada por fontes convencionais.

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Um dos resultados é o enfraquecimento da competitividade do elogiado setor industrial da Alemanha e comentários de empresários dizendo que novas instalações com alto consumo de energia podem ser construídas em países mais hospitaleiros. 

No lado positivo, a Espanha, embora ainda afetada por um desemprego de 23,7%, conseguiu implementar reformas na legislação fiscal e trabalhista, ajudando o país a voltar a gerar empregos em meio ao crescimento econômico retomado.

Com todos os problemas enfrentados pela Europa, a recente decisão do Banco Central Europeu de comprar títulos corresponde a procurar um remédio no armário quando o paciente precisa de cirurgia cardíaca.

Para começar, o problema da Europa está longe de serem os juros altos. A França pode obter empréstimos a juros de 0,6% durante dez anos, e até Espanha e a endividada Itália podem contrair empréstimos a juros de aproximadamente 1,5%. E, apesar dos robustos programas de financiamento do Banco Central Europeu, a demanda local por parte do setor privado continua fraca. Desde 2008, o investimento teve queda de 15%.

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Muitas explicações são oferecidas para as dificuldades na zona do euro. Alguns dizem que é uma falta de imigração. É claro que os Estados Unidos foram muito beneficiados pela diversidade e produtividade dos recém-chegados. Mas, com desemprego de 11,5%, não parece que a zona do euro precise de mais trabalhadores. Desigualdade de renda? Diferentemente dos Estados Unidos, onde a desigualdade aumentou muito, na Europa a lacuna entre ricos e pobres aumentou pouco, embora seja grande.

É claro que, no contexto apropriado, mais gastos públicos e investimentos e louváveis esforços para evitar a deflação, como os do Banco Central Europeu, seriam recomendáveis. Mas, nas circunstâncias atuais, passos como esses trazem o risco de desviar o continente ainda mais da necessidade de enfrentar os desafios mais sérios.

A Europa precisa se tornar mais competitiva nos mercados globais. Isso só pode ser alcançado com uma variedade de mudanças nas políticas, como manter o patamar máximo dos impostos em níveis razoáveis e reformas regulatórias que dariam às empresas mais liberdade para administrar seus assuntos como acharem melhor, incluindo, quando necessário, o fechamento de instalações e a redução da folha de pagamento. Esse é o único rumo viável para o crescimento sustentável e, consequentemente, para mais empregos. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL 

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STEVEN RATTNER, ESPECIALISTA EM FINANÇAS DE WALL STREET, ESCREVEU ESTE ARTIGO PARA O JORNAL THE NEW YORK TIMES 

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