Exposição reúne artistas como Volpi, Mira Schendel e Rubem Valentim

Artistas foram apostas do colecionador e poeta Theon Spanudis

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Por Antonio Gonçalves Filho
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Iniciativa do curador Antonio Carlos Suster Abdalla, o livro O Círculo de Theon Spanudis, com texto assinado por ele e pelo colecionador Ladi Biezus, presta homenagem ao psicanalista, colecionador e poeta nascido em Esmirna que ajudou o Brasil a descobrir grandes pintores como Alfredo Volpi, Eleonore Koch, Mira Schendel e Rubem Valentim. O livro foi lançado na exposição homônima, que vai até 20 de maio na Galeria Berenice Arvani e reúne 50 obras assinadas por 17 artistas do círculo de Spanudis, que, pouco antes de morrer, em 1986, doou ao Museu de Arte Contemporânea (MAC/USP) seu valioso acervo.

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'Jardim de Luxemburgo', obra pintada em 1981 por Eleonore Koch Foto: Coleção Particular

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Há exatamente 40 anos, em 1978, uma primeira exposição do gênero, reunindo destaques de sua coleção, foi realizada no Centro de Artes Porto Seguro. Nela encontravam-se os mesmos pintores que figuram nesta mostra da Galeria Berenice Arvani: além dos já citados anteriormente lá estavam José Antonio da Silva, Jandyra Waters, Niobe Xandó, Valdeir Maciel e Odriozola, entre outros. Poucos colecionadores tiveram o espírito crítico e contribuíram tanto para o desenvolvimento da arte contemporânea brasileira como Spanudis, um dos signatários do Manifesto Neoconcreto, redigido e lançado pelo crítico Ferreira Gullar em 1959. Reconhecer a grandeza de um Volpi nos anos 1950, quando os colecionadores brasileiros ainda mostravam certa timidez, faz de Spanudis um caso singular no contexto de um mercado conservador como era o da época.

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Ladi Biezus, que foi amigo de Spanudis e se tornou um dos maiores colecionadores de Volpi, recorre a uma metáfora no livro para definir o homenageado: ele seria um grande planeta em torno do qual se criou um sistema de estrelas em perfeito equilíbrio gravitacional. De fato, Spanudis não só ajudou esses artistas ao comprar suas telas, como lembra a galerista Berenice Arvani, como orientou – e bem – suas carreiras. Por sua influência, muitos colecionadores compraram obras de pintores como Volpi e Mira Schendel. Não se tem notícia de que algum deles se arrependeu de seguir seu conselho.

Além de sua visão aguda, Spanudis foi (bom) poeta, o primeiro a traduzir para o português poemas do grego Konstantinos Kaváfis, dono de uma obra pequena (apenas 154 poemas) que depois seria estudada e traduzida pelo concreto Haroldo de Campos e José Paulo Paes. Intelectual sofisticado, ouvinte de Bruckner e leitor de Trakl, o maior mérito de Spanudis, nas palavras de Ladi Biezus, foi ter reconhecido “a característica numinosidade da arte brasileira”. 

Spanudis, não exatamente um homem religioso, acreditava na transcendência pela arte – para Biezus, parte do círculo do colecionador abrange artistas de cunho místico ou lúdicos, mas todos trazem consigo esse sentido numinoso de transcendência por meio da pintura. Basta citar o exemplo do pintor baiano Rubem Valentim, que terá uma retrospectiva no segundo semestre no Masp, um artista que opera no registro religioso das divindades do candomblé. “Certa vez, intrigado pelo aparente agnosticismo de Spanudis, inquiri qual era a sua religião e Theon respondeu, incontinente, que era seguidor de todas as religiões, mas principalmente do paganismo grego”, lembra Biezus no livro.

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Surpreendentemente, não foi Volpi o pintor por quem Spanudis mais combateu, revela o colecionador, mas o pintor Arnaldo Ferrari (1906-1974). “O fato é que, quando Spanudis começou a vender sua magnífica coleção de quadros de Volpi, intransigentemente pedia a mesma quantia pelos quadros de Ferrari”, observa Biezus.

Embora sua posição no mercado esteja longe do patamar de Volpi, Ferrari foi um pintor que antecipou muitas das descobertas do pintor irlandês Sean Scully, hoje um dos vetores da arte contemporânea europeia. Outro caso excepcional entre as descobertas de Spanudis é o da pintora de origem alemã Eleonore Koch (ou Lore Koch), há muitos anos radicada no Brasil, que foi orientada por Volpi (ele ainda comprou telas suas). O inglês Alistair McAlpine (1942-2014), destacado político, homem de negócios e um grande colecionador de Rothko, foi grande entusiasta de sua pintura e chegou a reunir um grande acervo de Lore, destruído num incêndio no seu castelo.

Felizmente ficaram a salvo outras belas têmperas de Lore, duas delas na exposição, uma grande, que recria de forma sintética o jardim de Luxemburgo, e outra menor, uma paisagem do deserto do Arizona que remete aos metafísicos italianos (sem o caráter alegórico dos pintores dessa escola) e às pinturas do movimento figurativo da Bay Area americana (Diebenkorn e David Park). Ela é certamente o nome mais erudito entre os pintores do círculo de Spanudis. Na exposição da galeria Berenice Arvani destaca-se ainda outra veterana, Jandyra Waters que, aos 97 anos, é homenageada com uma mostra individual na galeria Sancovsky.

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