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Exposição traz obras de Iole de Freitas a São Paulo

Escultora trabalha com aço em peças de tamanhos variados, sempre buscando entender a função das paredes

Por João Bandeira
Atualização:
Obra de Iole de Freitas, em exposição na galeria Raquel Arnaud 

Existe uma tendência mais ou menos recente, no âmbito das galerias que comercializam arte, de se criarem espaços expositivos semelhantes, ao menos na escala, às grandes salas de museus e outras instituições de exibição. Por si só favoráveis a obras de grandes dimensões, esses ambientes talvez colaborem para a disseminação de um tipo de arte que, acima de qualquer coisa, impressiona os visitantes por seu tamanho avantajado. 

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No entanto, também em arte, tamanho não é necessariamente documento. Obras de dimensões variadas, incluindo as grandes, expostas em galerias que mantêm a média habitual nas proporções de suas salas podem tirar partido dessa condição, potencializando a si mesmas pela diversidade de relações que estabelecem com o espaço de que dispõem – fora da simples ideia de obras grandes para grandes ambientes.

A exposição Dobradura Curva, na galeria Raquel Arnaud, reúne um conjunto desse tipo, que repõe questões com que o trabalho de Iole de Freitas lida há bastante tempo, a partir das várias respostas que dá à sua pergunta sobre “para que servem as paredes”, instalando-se não apenas em espaços diversamente amplos como as salas de exposição do Centro de Arte Hélio Oiticica ou do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; os galpões da Bienal do Mercosul ou o átrio da Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre; a rotunda do CCBB ou o saguão de entrada do Centro Maria Antonia, em São Paulo, além do tricentenário edifício Fridericianum, em Kassel; mas também em espaços menores de exposição em galerias e mesmo locais de proporções domésticas, como algumas residências e a pequena piscina do Museu do Açude (uma antiga moradia, no Rio).

Obra de Iole de Freitas, em exposição na galeria Raquel Arnaud 

É possível ouvir o eco daquela pergunta nas novas peças expostas, o que envolve a sua negociação com a arquitetura do espaço expositivo e consequentemente com os nossos corpos. O título da mostra fala de uma oposição entre abaulamento e reentrância, presente nas chapas de aço inoxidável de esculturas de grande porte, assim como de obras menores, árdua transferência para o metal do que Iole experimenta primeiro em folhas de papel A4, com dobras, torções e outras operações, usando as mãos e fita adesiva. 

Nos relevos agora colocados em sequência nas paredes da menor sala da galeria, a hábil articulação dessas formas discrepantes nas superfícies das chapas de que são feitos cria em cada um deles um campo próprio, implicando a percepção do que se passa também no seu oco interior à mostra. Em que pese a enorme diferença de escala, a primeira das três grandes esculturas do piso térreo, igualmente em aço, comporta-se de modo parecido ao desses relevos, na reciprocidade concentrada de seus vazios e dobras. Mas sua maior variedade e leveza de movimentos faz com que seja muitas nela mesma, não se deixando abarcar, já que, de qualquer distância, modifica-se radicalmente à medida que nos movemos pela sala.

Obra de Iole de Freitas, em exposição na galeria Raquel Arnaud 

Credito à “particular concepção de equilíbrio e flutuação própria da artista”, destacada por Elisa Byington no texto de apresentação da exposição, a inusitada neutralização do peso e da rigidez específicos do material em todas as peças. De todo modo, o relativo ensimesmamento dessa primeira escultura torna a sua ação no espaço diferente do que acontece com as demais no mesmo andar, virtualmente mais generosas à interação com o visitante, seja porque é como se uma delas tivesse suas partes equilibradas por pouco e resistisse à ação da gravidade graças a um apreensivo sistema de mínimos apoios de uma parte na outra; ou porque a maior de todas as peças, ao contrário, difunde no seu entorno o esforço dramático (i.e., de elementos em conflito) para a manutenção das formas onduladas de uma única e enorme chapa de aço, por tirantes que sugerem perfurações. E há ainda uma última escultura instalada a céu aberto, junto à parede de fundo do jardim, que, com seus dois elementos tubulares muito simples – uma reta pontiaguda no fim da qual descansa um círculo que se quer imperfeito – suspende-se num tempo entre impulso e estabilidade, plena em seu lugar e simultaneamente lançando-nos com ela para fora. 

Talvez se possa pensar então que o trabalho de Iole de Freitas ativa nos ambientes da galeria uma espécie de corrente alternada que nos liga a essas obras, indo, entre outras coisas, da pura opacidade à promessa de transparência. Do que sobra um complexo de modos de habitar e, para tanto, ininterruptamente reconstruir espaços, por mais evidente que seja qualquer presença.

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* João Bandeira é escritor, autor de Quem Quando Queira (Cosac Naify, 2015), entre outros, atuando também como curador de exposições de arte.

Dobradura Curva - Iole de Freitas Galeria Raquel Arnaud Rua Fidalga, 125, Vila Madalena Telefone: (11) 3083-6322 2.ª a 6.ª, 10h às 19h; sáb., 12h às 16h Grátis. Até 5/8 

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