Livrarias independentes se multiplicam nos Estados Unidos

Em meio a crise dos shoppings, estabelecimentos menores nas ruas de bairro ganham força

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Por Lúcia Guimarães  
Atualização:
Livraria Shakespeare and Company de Paris, com a proprietária, a americana Sylvia Beach na ponta, tendo ao lado o escritor irlandês James Joyce Foto: Noel Riley

NOVA YORK - Um ditado favorito dos americanos para expressar ironia após triunfar sobre uma adversidade foi cunhado por Mark Twain: “Notícias da minha morte foram muito exageradas”, disse o autor de Huckleberry Finn, um humorista fino. Para os sofridos livreiros independentes, um pouco de triunfalismo será desculpado, neste ano em que o discurso público emanando de Washington reflete alergia a qualquer forma de prosa literária. Não é exagero: as livrarias independentes, além de não estar mortas, voltaram com força. Em 2009, havia 1.401 livrarias independentes nos Estados Unidos. Este ano, elas já somam 2.321. Nova York, onde caros aluguéis comerciais afugentam o varejo como não acontecia desde o crash de 2008, ganhou pelo menos cinco livrarias no último ano, como a aconchegante Books Are Magic, no Brooklyn. A livraria foi aberta em maio pela romancista Emma Straub, autora de Os Veranistas, que começou a escrever ficção enquanto trabalhava como vendedora na Book Court, no mesmo bairro. A Book Court fechou depois de 35 anos, em dezembro, porque o prédio foi vendido para um empreendimento imobiliário. O pesar entre leitores e escritores que lançavam seus livros na Book Court, como Junot Diaz e Don DeLillo, ilustrou como o papel das independentes cresceu com a debandada das cadeias sob o cerco da Amazon e do livro digital. 

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O número de debates e eventos com autores em livrarias aumentou este ano, depois da vitória do presidente, que pede aos assessores relatórios de apenas uma página, de preferência com gráficos. E não é só por causa do renovado sucesso da ficção sobre distopias. Em cidades como Washington, Boston, São Francisco, Chicago e Nova York, é comum noites com mais de um autor debatendo temas além da literatura, como política de saúde e educação.

A explosão das cadeias dos anos 1990, como a Barnes & Noble, ainda sobrevivente da devastação digital do começo do milênio, colocou as independentes na defensiva, incapazes de competir com a venda de livros com desconto. Mas as cadeias de livrarias, além do assalto da Amazon, passaram a enfrentar outro fenômeno recente: a morte dos shoppings onde costumavam se instalar. É o que a mídia chama de “apocalipse do varejo”. Enquanto shoppings vão ficando desertos, a vida de pequenas cidades e subúrbios afluentes se volta ao comércio da rua principal e adjacências. É um estímulo à volta da livraria como ponto de encontro e conversa.

Há 20 anos, esta repórter estava filmando uma da melhores livrarias de ficção literária de Nova York, quando uma van despejou uma turma de alunos do segundo grau na Books & Company. O professor guiava a turma como se estivesse no Museu Metropolitan, destacando fotos de grandes romancistas nas paredes. Foi um momento doce e amargo. A sorte dela já estava selada pela alta exorbitante do aluguel do proprietário do prédio, o Museu Whitney. Mas os adolescentes percorreram com entusiasmo a livraria como a âncora de uma cultura literária pela qual estariam por se afeiçoar.

Novas pesquisas revelam que apenas 6% dos leitores de livros nos Estados Unidos consomem apenas livros digitais. A livraria física e os livros impressos continuam a atrair leitores de todas as idades. Para uma cidade de 8.5 milhões de habitantes, as cem livrarias independentes de Nova York não fazem frente à fartura de Paris. Mas a saúde das livrarias independentes mostra que é possível conviver com o e-livros sem abdicar dos prazeres do papel.

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