Os bêbados e o equilibrista

Garçom do bar invadido por um caminhão conta como manteve a calma - e o chope na bandeja

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Por Roberta Pennafort
Atualização:
Zé Wilson. No destaque, o flagrante do acidente: 'Em 12 anos, nunca deixei cair' Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Era hora do almoço, 12h45. Um sábado qualquer na lanchonete Stalos, na movimentada esquina da Av. Nossa Senhora de Copacabana com a Rua Xavier da Silveira. Dia de sol, o pequeno salão de 36 lugares cheio de turistas e famílias do bairro. E vem a cena insólita: um caminhão do Corpo de Bombeiros desgovernado tomba na pista e invade a varanda do estabelecimento, deixando clientes e funcionários em pânico. 

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Faz oito dias e, para o garçom José Wilson de Morais Calaça, o tempo congelou. Não só pela força da imagem que volta recorrentemente a sua cabeça e a crença de que poderia ter sido uma tragédia (apenas os bombeiros que estavam no veículo se feriram, além da funcionária de uma farmácia próxima, sem gravidade), mas também pela lembrança dos outros: “Cadê aquele garçom que não deixou a bandeja cair?” - é a pergunta que frequentadores gaiatos fizeram ao adentrar o Stalos essa semana. 

A perícia de Wilson, como é chamado pelos pares, justifica a curiosidade. No meio da correria, poeira para todo lado, ele nem sequer deixou adernar a bandeja em que levava um suco de laranja. O garçom se encaminhava para uma das mesas que acabariam destruídas pelo impacto. Ao se deparar com o acidente, deu meia-volta rapidamente para se proteger. O copo ficou intacto. 

“Sirvo mesas há 12 anos e nunca derrubei uma bandeja. Na hora, pensei que, se caísse, as pessoas que estavam tentando fugir pisariam nos cacos de vidro e se machucariam. Foi muito rápido, mas deu tempo de pensar nisso”, jura o garçom, de 34 anos, no estabelecimento há nove. “Meu maior medo era que o caminhão atingisse uma coluna e o prédio todo desabasse. O salão estava muito mais cheio. Um pouquinho antes, saiu uma mesa de seis. Foi Deus que não quis que aquelas pessoas morressem.”

A carreira de Wilson se iniciou num restaurante na Barra da Tijuca, na zona oeste, depois de um treinamento de sete meses no Senac. No curso, aprendeu não só a equilibrar bandejas com perfeição e elegância, mas também, e especialmente, a lidar com clientes. É essa sua especialidade, previamente desenvolvida quando empregado de uma rede de supermercados. “Não me vejo trabalhando com outra coisa que não envolva comunicação. Gosto de gente, de atender, de ouvir o cliente de idade, que não consegue se expressar direito, de descobrir o que o gringo quer comer.” 

A técnica ao conduzir a bandeja ele aprendeu com um mestre rigoroso: “O professor dizia que a consequência de derrubar uma bandeja durante as aulas era uma; na vida real, seria outra. Se cai bebida na roupa do cliente, ele vai reclamar. Se machuca, pior ainda. O garçom que deixa cair uma vez perde a autoconfiança. Se caiu uma vez, vai cair de novo”, ensina.

No serviço de atendimento ao consumidor do supermercado (começou mais de baixo, como embalador) tentava convencer os colegas do óbvio: cliente gosta de ser bem tratado. “A gente selecionava os produtos para mandar em domicílio. Os outros pegavam os mais caros. Eu sempre pensei que era melhor agir com honestidade e fidelizar.” 

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Hoje responsável pela coordenação do salão do Stalos, famoso em seu pedaço de Copacabana por servir pizzas com borda recheada e pratos executivos e funcionar 24 horas por dia, o jovem José Wilson chegou ao Rio aos 17 anos. Veio de Tamboril, cidade de 25 mil habitantes do sertão do Ceará, 300 quilômetros distante de Fortaleza, seguindo a rota de tios e dos quatro irmãos. Queria ajudar financeiramente o pai, agricultor, e a mãe, dona de casa. 

Ele se diz vocacionado. “Hoje em dia, todo mundo tem que se preparar para a vida profissional e tem que se identificar. O que você faz com carinho e dedicação dá certo. Não adianta ir para uma área só pelo dinheiro.”

O garçom, que sonha abrir o próprio negócio “antes dos 40 anos”, ganha R$ 3 mil pela jornada diária de dez horas, seis dias por semana. O turno é de oito, das 11h às 19h, mas ele prefere só sair às 21h, para “deixar tudo no lugar” - o período da noite é agitado, assim como o da madrugada, quando chegam os frequentadores saídos das baladas da região. 

Ele faz o tipo pró-ativo, que caça cliente na calçada. “Wilson resolve tudo no papo. Tem cliente que já chega procurando por ele. Quando vem um gringo, os colegas logo chamam para ele desenrolar. Se é um grupo grande, ele convence o guia a levar para nosso outro restaurante, no final da rua, que é maior”, conta o gerente, Antônio Alves. 

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No Stalos, é querido por todos. Sua primeira fã é a mulher, Cristina Fernandes, de 28 anos, cearense como ele (e como os sócios, o gerente e boa parte dos funcionários). Ela trabalha no caixa ou recebendo pedidos de delivery. O casal se conheceu na Favela da Rocinha, onde moravam - hoje, estão no Morro dos Macacos, em Vila Isabel, e têm uma filha, Heloísa, de 6 anos. 

Cristina o considera um homem “sem defeitos”, seja em casa, seja como profissional. “Com ele, acertei na loteria. A gente não briga nunca, mesmo passando o dia todo juntos. Quando eu vi o caminhão entrar aqui, só pensava se ele estava bem. Foi um susto horrível.”

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