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Ouvidos moucos

Assoberbado por crises em Gaza, Ucrânia, Síria e Iraque, Obama vê seu prestígio e poder de influência declinarem

Por Jackson Diehl
Atualização:
US President Barack Obama speaks on the phone with King Abdullah II of Jordan in the Oval Office of the White House on August 8, 2014 in Washington, DC. US jets struck jihadist positions in northern Iraq on Friday, a potential turning point in a two-month crisis Washington said was threatening to result in genocide and to expose US assets. President Barack Obama's order for the first air strikes on Iraq since he put an end to US occupation in 2011 came after Islamic State (IS) militants made massive gains on the ground, seizing a dam and forcing a mass exodus of religious minorities. AFP PHOTO/Brendan SMIALOWSKI Foto: BRENDAN SMIALOWSKI/AFP

Há tantas crises internacionais martelando o presidente Barack Obama - Gaza, Ucrânia, Iraque, Síria. Líbia, Afeganistão - que golpes menores, mas significativos, na política e no prestígio dos EUA passam facilmente despercebidos. Um deles veio há algumas semanas da Geórgia, ex-república soviética que já foi íntima aliada dos americanos.

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Bidzina Ivanishvili, oligarca liberal que controla o governo da Geórgia desde que venceu uma eleição em 2012, foi advertido pelo governo Obama para não prosseguir com uma ação criminal contra o ex-presidente Mikhail Saakashvili, que chefiou a revolução pró-democracia da Geórgia há uma década e entregou pacificamente o poder após sua derrota eleitoral. No dia 4, porém, o governo fez acusações nitidamente políticas contra Saakashvili e outros quatro líderes importantes de seu partido.

Essa desconsideração de uma “linha vermelha” americana por um pequeno país pode parecer inconsequente - Saakashvili, afinal, não está preso, mas na Ucrânia como consultor do novo governo ucraniano pró-Ocidente. Mas ela faz parte de uma tendência maior. Aliado após aliado dos EUA, incluindo regimes que, como a Geórgia, dependem fortemente de Washington para ajuda militar e econômica, começam a desafiar abertamente o governo americano e, em alguns casos, humilhar deliberadamente seus enviados.

Só nos dois últimos meses, o Egito condenou três jornalistas da Al-Jazeera a longas penas de prisão por acusações flagrantemente forjadas, um dia depois de o secretário de Estado americano, John Kerry, ter anunciado que havia discutido o caso com o novo homem forte do Cairo, general Abdel-Fatah al-Sissi. O Bahrein, país do Golfo Pérsico que abriga a 5ª Frota dos EUA, expulsou o secretário de Estado adjunto para direitos humanos depois que ele se reuniu com membros de um partido de oposição legal. Até a minúscula Aruba, cuja política externa é conduzida pela Holanda, ignorou Washington ao libertar um general venezuelano que havia detido com base numa ordem de prisão americana por tráfico de drogas. Aparentemente, Aruba considerou mais conveniente ofender o governo Obama que o regime chavista de Caracas.

Depois, há a Tailândia, importante “aliado não integrante da Otan” dos EUA, onde o Exército deu um golpe militar contra um governo eleito, apesar de saber que a legislação american obrigaria a um corte da ajuda militar; e Mianmar, que recuou de promessas de reforma política que seu presidente fez pessoalmente a Obama no ano passado.

“É como uma corrida aos bancos”, me disse um assessor de política externa no Congresso, semana retrasada. Um consenso internacional parece ter se firmado de que não se pode contar com os EUA para sustentar seus compromissos e linhas vermelhas, mesmo com aliados. O resultado é um vale-tudo que pode ser visto tanto na picuinha da Geórgia como na flagrante rejeição de Israel à diplomacia americana.

Como foi que Obama perdeu sua influência? Seus apoiadores o retratam como a mais inocente das vítimas dos erros de seu antecessor e atribuem a situação a um período desordenado nos assuntos globais. Mas muitos diplomatas e autoridades estrangeiras com quem conversei não veem assim. Eles apontam uma série de passos de Obama que teriam acelerado o colapso da influência americana. O primeiro foi a imprudência nas retiradas militares do Iraque e do Afeganistão, vinculadas por Obama a cronogramas arbitrários (ou políticos) e não às condições locais.

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Depois, a decisão de Obama de não iniciar ataques aéreos contra a Síria após ela usar armas químicas contra a população no ano passado. É verdade que o presidente conseguiu fortalecer sua posição com a operação em grande parte bem-sucedida para eliminar o estoque de armas químicas declarado por Damasco. Mas muitas autoridades diplomáticas, especialmente na Ásia, veem na decisão do governo sobre a Síria um augúrio da provável falta de disposição em agir diferente em outras “linhas vermelhas” - seja no Mar da China Meridional ou em relação ao programa nuclear do Irã.

Vieram os discursos. Na ONU, no fim do ano passado, Obama anunciou que as preocupações americanas com direitos humanos seriam subordinadas a governos “que trabalham conosco em nossos interesses centrais”, que na sua definição incluíam um livre fluxo de petróleo, mas não a promoção da democracia ou a prevenção de genocídios. Isso foi tomado ao pé da letra pelos governantes do Egito e do Bahrein, que abandonaram esforços anteriores para satisfazer preocupações americanas com presos políticos e tolerância à oposição. Em maio, Obama fez um discurso em West Point que, fidedignamente me contaram, desalentou a líder da oposição birmanesa, Aung San Suu Kyi. Ele saudou as “reformas políticas que abriram uma sociedade antes fechada”, sem mencionar as promessas quebradas dos generais, encorajando com isso novos retrocessos.

A falha mais gratuita do governo talvez tenha sido, porém, sua relutância em responder às desfeitas que sofreu de potências menores. A extraordinária expulsão do enviado de direitos humanos do Departamento de Estado pelo Bahrein provocou apenas uma declaração rotineira de “preocupação”. O mesmo fizeram as acusações criminais contra Saakashvili. O governo poderia facilmente punir e dissuadir tais governos, embaixadores poderiam ser chamados de volta, ajuda militar retirada, exercícios e visitas oficiais cancelados. Mas a mensagem que sai da Casa Branca pode ser desafiada com impunidade - e a corrida aos bancos continua. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

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