Presidente da Fundação Iberê Camargo fala sobre sua coleção de arte

Justo Werlang mantém uma relação próxima com alguns dos artistas e busca coerência entre as obras de seu acervo

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Por Júlia Corrêa
Atualização:
Santander Cultural, em Porto Alegre, inaugura exposição com obras da artista Karin Lambrecht, pertencentes àcoleção do empresário e colecionador de arte gaúcho Justo Werlang Foto: Iara Morselli/Estadão

À frente da força-tarefa montada para reerguer a Fundação Iberê Camargo (FIC), o empresário Justo Werlang alia as atividades de executivo às de proprietário de umas das principais coleções de arte do Rio Grande do Sul. A relação próxima que mantém com seu acervo revela, de modo considerável, a sensibilidade que mantém com as diversas cadeias da produção em artes visuais.

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Formado em direito e em administração, Werlang esteve entre os nomes responsáveis pela criação, na década de 1990, da própria FIC e da Bienal do Mercosul. Em 2009, então afastado das duas instituições, recebeu o convite do empresário Heitor Martins para integrar a diretoria da Bienal de São Paulo. “Pensei no que o evento representava para os artistas da minha coleção e na responsabilidade que eu tinha com eles e com a sociedade”, destaca o empresário. 

Em um casarão localizado no topo de um morro da zona norte de Porto Alegre, Werlang mantém a naturalidade ao falar sobre os trabalhos pertencentes à sua coleção de arte. Integradas ao cotidiano do lar, obras de Iberê Camargo, Xico Stockinger, Siron Franco, Nelson Felix, Daniel Senise, Mauro Fuke, Felix Bressan e Karin Lambrecht ocupam praticamente todos os ambientes da residência. “As crianças chegavam a jogar bola dentro de casa”, conta Werlang, que é pai de três filhos, hoje adultos.

Quando adquiriu uma obra de Iberê Camargo, no início dos anos 1990, o empresário, que até então só queria ter algumas telas “penduradas em casa”, percebeu que poderia constituir um conjunto de arte expressivo, cujas obras, juntas, ressoassem algum sentido. “A potência do trabalho do Iberê deu uma balançada no conjunto que já tínhamos e evidenciou algumas inconsistências. Foi então que começamos a ‘limpar’ a coleção para chegar a um conceito mais definido”.

Ao buscar criar um recorte particular da produção contemporânea, Werlang optou por concentrar-se no trabalho de um número restrito de artistas. Com isso, vislumbrou a possibilidade de conhecer com precisão as diversas facetas dos criadores e também de manter uma relação de proximidade com cada um deles. Uma exposição inaugurada semana passada no Santander Cultural, em Porto Alegre, dedicada à obra da gaúcha Karin Lambrecht, último nome a integrar a coleção, revela os méritos da decisão do empresário.

Embora formada apenas por obras da coleção de Werlang, é possível encontrar na mostra Nem Eu, Nem Tu: Nós, com curadoria de André Venzon, um percurso significativo da produção da artista, que vai dos anos 1980 até sua fase mais recente. Retirado de inscrições presentes em uma das obras, o título da exposição simboliza as relações existentes entre artista e colecionador. Na visão de Karin, trata-se de um caso especial, pois Werlang consegue manter um tratamento “transparente e acima de convenções”. 

Aliás, se o empresário começou a colecionar arte foi, em grande medida, devido a uma conversa informal tida com um dos artistas. Ao perguntar por qual razão Xico Stockinger não criava esculturas de dimensões maiores, o escultor respondeu que temia não haver compradores para suas obras. Foi assim que Werlang – apesar de não se autointitular um “mecenas” – percebeu que poderia vir a ter um papel importante e mais próximo nos processos artísticos. 

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Hoje, o empresário faz questão de frisar que deixa todas as obras à disposição dos artistas. Sempre que um curador ou uma instituição pede emprestada alguma peça de seu acervo, sua primeira atitude é consultar os próprios criadores. “Com alguns deles, eu chego a fazer uma revisão periódica da coleção, para verificar se alguma obra não deixou de fazer sentido no conjunto”. 

Essa proximidade tem também um viés pessoal. Recentemente, após quebrar o pulso, Karin recorreu a Werlang ao precisar informar o contato de algum conhecido ao hospital em que foi atendida. Além disso, o próprio colecionador revela trocar diariamente mensagens com alguns dos artistas que integram seu acervo. 

Quando um empresário coleciona obras de arte, há quem associe a iniciativa a uma mera busca por retorno financeiro. Para Werlang, contudo, o entusiasmo pelo universo artístico remete à infância, quando seu pai, um piloto da Varig, levava os filhos para conhecer os principais museus da Europa. 

Além disso, sua família costumava passar as férias em uma colônia de pescadores em Santa Catarina, onde não havia sequer eletricidade. Algumas das descobertas feitas por meio da proximidade que mantém até hoje com a natureza servem de analogia para seu entendimento de arte. “Quando eu e mamãe começamos a colher sementes em nosso viveiro, eu não sabia que todas as árvores davam frutos. É a mesma coisa com as obras: vou fazendo novas leituras e desenvolvendo um olhar específico”. 

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Em Porto Alegre, projeto 'RS Contemporâneo' lança olhar para a coleção de Werlang

Iniciado em 2012, o projeto RS Contemporâneo, do Santander Cultural, promove uma série de exposições da produção de artistas gaúchos. Neste ano, a organização resolveu virar suas atenções para o trabalho curatorial. O profissional escolhido devia indicar o tema com que desejava trabalhar, e foi assim que o artista visual, gestor cultural e curador André Venzon, nome escolhido para conduzir a edição atual, focou na coleção de Werlang.

A exposição Nem Eu, Nem Tu: Nós – A Obra de Karin Lambrecht e o olhar do colecionador reflete a admiração de Venzon pela relação próxima que Werlang mantém com os artistas que integram seu acervo. A produção da mostra contou com o trabalho direto do curador, da artista e do colecionador.

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A obra de Karin é marcada por pinturas abstratas, com inspiração em memórias familiares e leituras da Bíblia. Temas como corpo, casa, terra, o sagrado e o sacrifício, podem ser encontrados nos trabalhos expostos no Santander Cultural até 30 de abril. Além disso, na mostra, há uma série de arquivos, cadernos de anotações e estudos da artista, que foram recentemente adquiridos por Werlang.

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