Sofia Coppola não se vê como 'desbravadora'

Cineasta é a segunda mulher a vencer o prêmio de melhor direção em Cannes

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Por The Economist
Atualização:
A cineasta Sofia Coppola, segunda mulher laureada em Cannes como melhor diretora em 70 anos Foto: EPA/The Economist

Com O Estranho que Nós Amamos, Sofia Coppola tornou-se a segunda mulher em 70 anos a conquistar o prêmio de melhor direção no Festival de Cinema de Cannes. Ocasião a ser celebrada? Talvez sim, mas a cineasta faz tão pouco caso da coisa que chega a parecer blasé. “Eu não sabia que tinha essa história com a melhor direção em Cannes”, diz ela, sorrindo, “e me pegou completamente de surpresa que só uma mulher tivesse ganho antes de mim. Fiquei orgulhosa, e teve uma repercussão entre as mulheres que parecia que elas estavam mesmo eufóricas com o prêmio.”

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Se a diretora compartilhou da euforia, isso não dá para saber. Por mais que tenha o hábito de fazer história, Coppola se distingue por uma fala mansa e modos comportados. Parece lhe causar certo espanto que as pessoas vejam em sua carreira algo mais que uma série de coincidências felizes e acertos guiados pela intuição. Ela foi apenas a terceira mulher – depois de Lina Wertmüller em 1977 e Jane Campion em 1994 – a ser indicada para o Oscar de melhor direção (por Encontros e Desencontros, de 2003). E, em 2010, tornou-se a primeira americana a conquistar, com Um Lugar Qualquer, o Leão de Ouro de melhor filme no Festival de Veneza. No entanto, nenhuma dessas proezas parece capaz de convencer Coppola a se considerar uma espécie de pioneira. “Não me vejo assim”, diz, “mas tenho de dar tantas entrevistas sobre esse negócio de ser uma cineasta mulher que acho que no futuro as mulheres talvez venham a ser dispensadas de falar no assunto.”

Até a carreira de diretora é algo em que ela pensa ter entrado meio que por acaso. Coppola, 46, é filha de Francis Ford Coppola, e cresceu no meio dos sets de filmagem. “Ele passava para a gente a ideia de que o cinema era uma coisa fantástica”, admite, mas não lhe ocorria seguir os passos do pai. “A maioria dos jovens não tem vontade de fazer o mesmo que os pais. Querem mais é se libertar e partir para algo diferente.” Coppola trabalhou um pouco como modelo e estilista de moda, cursou por certo tempo uma faculdade de artes plásticas e atuou em alguns filmes. Teve seu papel mais importante em O Poderoso Chefão III (1990), dirigido por seu pai. Mas a experiência não se mostrou particularmente significativa para ela: foi chamada de última hora, para substituir Wynona Ryder, que desistira do filme; por isso, não se incomodou muito quando os críticos fizeram gato-sapato de seu desempenho.

Cena de 'O Estranho que Nós Amamos', de Sofia Coppola 

Com o passar do tempo, Coppola se deu conta de que a direção era a única atividade que conjugava seus vários interesses artísticos. Mesmo assim, ao falar sobre o assunto, ela não dá a impressão de que se tratava de uma vocação da qual não havia como escapar. Coppola conta que era fã do romance As Virgens Suicidas, de Jeffrey Eugenides e, quando soube que a história iria virar filme, “não queria que ninguém estragasse esse livro de que eu gostava tanto”. A adaptação para o cinema, dirigida por ela, foi lançada em 1999. Seus quatro filmes seguintes – Encontros e Desencontros, Maria Antonieta (2006), Um Lugar Qualquer e Bling Ring: A Gangue de Hollywood (2013) – são todos variações sobre um mesmo tema: fama e dinheiro não garantem a realização de ninguém. Por mais que as produções tenham sido aclamadas por sua atmosfera onírica e estilo glamouroso, alguns críticos acusaram Coppola de não se arriscar a transpor os muros de sua existência privilegiada. Muitos de seus familiares mais próximos são luminares da indústria cinematográfica; seu primeiro marido, Spike Jonze, é diretor; o segundo, Thomas Mars, canta na banda francesa de música pop Phoenix. Alguns veem comodismo no fato de ela fazer filmes sobre o estilo de vida dos ricos e famosos. “Entendo que as pessoas pensem assim, mas o que é que eu posso fazer?”, indaga-se. “Escrevo sobre as experiências e o mundo que eu conheço.”

O Estranho que Nós Amamos não deve suscitar esse tipo de queixa. História provocativamente ambígua, como pitadas de humor negro, sobre um soldado dos Estados do Norte (Colin Farrell) que se fere durante a Guerra Civil americana e vai parar num internato para meninas na Virgínia, onde passa a arrancar suspiros de professoras (Nicole Kidman e Kirsten Dunst) e alunas (Ellen Fanning), o filme é uma adaptação de um romance de banca de jornal de Thomas Cullinan. Don Siegel filmou a história em 1971, com Clint Eastwood no papel do soldado, mas a versão de Coppola é mais sutil e delicada. “Eu gosto daquele filme”, diz ela da adaptação de Siegel. “É engraçado. Só que as mulheres parecem todas meio doidas.”

A ideia de Coppola foi justamente contar a história do ponto de vista das mulheres. “Eu queria examinar como era vida das mulheres que viviam no Sul naquela época, especialmente durante a Guerra Civil. Estavam tão isoladas. Tinham sido criadas para viver em volta dos homens, para ser atraentes aos olhos deles, e agora eles tinham ido todos embora.”

Mais uma vez, poder-se-ia dizer que Coppola está fazendo história. Um dos temas mais quentes na indústria cinematográfica hoje é a reduzida presença de mulheres atrás e na frente das câmeras. Jessica Chastain, uma das juradas em Cannes este ano, fez um discurso no encerramento do festival, lamentando que o cinema tenha tão poucas personagens femininas complexas e verdadeiras. Coppola teria sido movida por uma intenção política ao inverter a perspectiva masculina do filme de Siegel? “Eu sei que essa é uma grande questão, mas a minha preocupação era com esse conjunto específico de personagens. É uma coisa me veem naturalmente. Como eu sou mulher, me interesso mais pelas personagens femininas.”

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O prêmio em Cannes certamente não será o último a ser faturado por O Estranho que Nós Amamos. O sucesso do filme é garantido. Assim como é garantido que Coppola fará mais filmes. Só não se deve esperar que no meio do caminho ela também se torne uma agitadora da causa feminista. “Na minha opinião, as ações falam mais alto que as palavras”, diz. “Se não for cinema, vou fazer o quê?” / Tradução de Alexandre Hubner

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