A bela e o monstro

A menina de 26 verdejantes primaveras que vai se unir em bodas ao gárgula Charles Manson

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Por Paulo Nogueira
Atualização:
Xaveco. Elaine e o amado: 'Charles diz que sou como uma estrela da Via Láctea' Foto: MANSON DIRECT/POLARIS

Na manhã de 9 de agosto de 1969, o sargento Joe De Rosa, da polícia de Los Angeles, respirou fundo e entrou na mansão do cineasta Roman Polanski, no luxuoso bairro de Beverly Hills. O cenário fez o policial vomitar no ato. Em primeiro plano estava o corpo da linda atriz Sharon Tate, de 26 anos, mulher de Polanski. Grávida e prestes a dar à luz, Sharon tinha sido esventrada com 16 facadas. Com seu sangue, a palavra “porcos” estava rabiscada numa parede. Na sala jaziam outros quatro cadáveres, todos pavorosamente esquartejados. 

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Logo a polícia efetuou prisões num acampamento hippie no Vale da Morte, no deserto da Califórnia. Eram membros da “família Manson”, fundada e liderada por Charles Manson, então com 37 anos. Charles combinava doses de LSD, mensagens messiânicas e uma personalidade carismática para recrutar membros de famílias abastadas, mas disfuncionais. Assim, dispunha de um harém de jovens mulheres que manipulava completamente. 

Na mansão de Polanski não ocorrera só um acaso macabro. Antes, ela fora ocupada pelo empresário discográfico Terry Melcher, filho da atriz Doris Day, que rejeitara uma gravação musical de Charles Manson. Manson jurou vingança e acionou suas zumbis predadoras. Ele próprio não pôs os pés no local da carnificina, mas foi considerado o autor intelectual do crime e condenado à morte em 1971 – sentença comutada para prisão perpétua.

Essa semana, quase meio século depois de uma das matanças mais chocantes da história americana, foi emitida uma licença de casamento para Charles Manson, de 80 anos, e Afton Elaine Burton, de 26 verdejantes primaveras. Em 1987, a Suprema Corte dos EUA decidiu que os presidiários têm o direito constitucional de contrair matrimônio. O próprio Manson não é marinheiro de primeira viagem: foi casado duas vezes. 

Já Afton é solteirinha da silva e prefere ser tratada por Star: “Charles diz que sou como uma estrela da Via Láctea”, ronrona. Os pombinhos entraram em contato quando Star tinha apenas 16 anos. Ela rapou do cofrinho os US$ 2 mil que economizara trabalhando numa clínica de repouso, deixou a casa dos pais e se instalou de mala e cuia nas vizinhanças da penitenciária de Corcoran, na Califórnia, onde visita o amado desde 2007. 

Os pais da noiva são devotos batistas. Charles Manson não é bem o genro que pediram a Deus. Phil, o pai, declarou que nem ele nem a mulher irão ao casamento e o noivo não será bem-vindo à casa deles. Com isso não terão de se preocupar: Manson só poderá pedir liberdade condicional em 2037, quando terá 103 anos. Mas Phil ressalvou: “Não renegarei Afton. Amo meus filhos mais que a própria vida”.

Star faz jus ao apelido estelar: é de uma beleza seráfica, quase pré-rafaelita. E Manson? Aqui cabe uma perspectiva. Em 1960, a pensadora judaico-alemã Hannah Arendt foi a Jerusalém testemunhar o julgamento de Adolf Eichmann, carrasco nazista responsável pelo planejamento e operações da chamada “solução final”. A figura do monstro satânico desconcertou a ensaísta: era um homenzinho anódino, um fosco burocrata preparado para obedecer a ordens maquinalmente. Arendt cunhou então o conceito de “banalidade do mal.”

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Com Charles Manson – que em seu julgamento espumou que odiava “a humanidade como um todo” – são outros quinhentos. De feições de gárgula, suástica tatuada na testa e um olhar mefistofélico, ele não pode ser acusado de propaganda enganosa. Manson lembra a afirmação do filósofo romeno Emile Cioran: “É impossível fazer mal somente aos outros”.

A vida conjugal de Manson e Star não será arrebatadora: pela lei californiana, os condenados à prisão perpétua não podem receber visitas íntimas. Em compensação, a cerimônia nupcial na cadeia admite até dez convidados. Se os pais da nova não vão, há os colegas do noivo na ala de segurança máxima: Juan Corona, que assassinou 25 pessoas em 1972; Dana Ewell, que ordenou o massacre da própria família em 1992; Phillip Garrido, estuprador que raptou uma criança e a manteve em cativeiro durante 18 anos. Todos se dão esplendidamente. 

Prisão perpétua. A pergunta inevitável: o que uma bela jovem de 26 anos viu no sociopata octogenário? Não é levar um pouco demais aquela tolice infame de que não há homem no mercado? Rosalie Bolin, advogada de condenados à prisão perpétua, deu uma explicação sardônica à revista New Republic. Bolin diz que, hoje, há cerca de cem mulheres querendo casar com detentos dos corredores da morte das prisões americanas – e são elas que geralmente pagam seu salário. “E daí?”, pergunta Bolin. “Serão essas relações tão diferentes das outras? A maioria dos casamentos não tem sexo nem amor, nem sequer um convívio gratificante. Pelo menos os maridos em prisão perpétua não traem as mulheres.”

E se nem Charles Manson nem Star forem uma novidade hodierna? No dia 21 de julho de 356 a.C., o grego Eróstrato incendiou o Templo de Ártemis, uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo. Confessou que o objetivo era imortalizar seu nome. Para evitar o precedente, as autoridades gregas decidiram não executar o incendiário, mas promulgar uma lei proibindo qualquer menção a Eróstrato, sob pena de morte. Claro que não deu certo. 

Ao ser preso, Charles Manson professou seus dois desejos supremos: ser famoso e milionário. Quanto à fama, estamos conversados. E os principescos honorários auferidos com entrevistas e livros realizaram seu segundo sonho. E quanto a Star? No caso dela, é talvez como se o templo de Ártemis ateasse fogo a si próprio. 

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Paulo Nogueira é jornalista e autor de O Amor é Um Lugar Comum (Intermeios)

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