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A musa no Paraíso

A aparição relâmpago da cantora americana Cat Power em uma estação do metrô paulista

Por João Paulo Carvalho
Atualização:
'Cat o quê?' Ela gostou tanto que mandou dois e-mails agradecendo a iniciativa Foto: MARCIO FERNANDES/ESTADÃO

Às 17h30 de quinta-feira, 27, o metrô Paraíso tinha uma movimentação estranha. Jovens lançavam olhares curiosos à procura de alguém especial. Era como se algo muito importante estivesse para acontecer dentro daquele espaço apertado e tipicamente paulistano. “Onde vai ser o show, moço? Sabe se já começou?”, perguntou uma menina de cabelos cacheados. “Desça a escada rolante, passe a catraca e vá em direção ao Tucuruvi”, respondeu o segurança já meio sem paciência. “É a quinta vez que falo a mesma coisa. Não sei porque inventam isso no horário de pico”, esbravejou o homem.

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A poucos metros dali, uma garota de cabelos negros hipnotizava o público com uma voz encantadora. O canto de sereia vinha de Chan Marshall, mais conhecida pelo nome artístico de Cat Power. Temperamental e de comportamento muitas vezes impiedoso, ela tinha anunciado em sua página do Facebook um show surpresa no meio da muvuca do Paraíso. 

Senhores de meia-idade se perguntavam quem era aquela mulher. O que estaria fazendo ali? Seria alguém tão importante assim para reunir tanta gente num lugar inusitado como a plataforma de embarque e desembarque de uma estação de metrô? “Cat o quê? Não conheço. Nunca ouvi falar, mas as músicas dela acalmam a alma”, disse uma senhora.

O show na Estação Paraíso durou apenas meia hora, mas os fãs adoraram. Ela subiu ao palco para um show curto, com menos de dez músicas, entre elas alguns hits como Metal Heart, Great Expectations e uma versão inusitada de Satisfaction, clássico dos Rolling Stones.

O palco armado parecia pequeno para tanta gente diante dele. Quem estava mais na frente logo teve de sentar para que o pessoal do fundo também pudesse enxergar. Mas o metrô, usuário exausto sabe, não perdoa: ainda durante o show, por volta das 17h45, o sistema de som fez seu tradicional anúncio: “É proibido sentar nas dependências do metrô”. Tarde demais, e os adolescentes, teleguiados pelos doces agudos de Cat, tomaram conta da estação como se fosse uma grande sala de estar.

Pouco depois do pocket show, a Paraíso virou um centro de convenções. Adolescentes conversavam livremente sobre a performance de Cat. “A musa do século”, brincou uma estudante que usava uma camiseta com as iniciais “CP, I love you (Cat Power, eu te amo). A cantora ficou emocionada com o carinho do público. Ela não esperava tanta gente e mandou dois e-mails à organização, agradecendo a iniciativa.

Mas, no fim das contas, quem, de fato, é Cat Power? Aos 42 anos, talvez nem ela saiba responder com exatidão. Ela foi à falência ao fazer o seu último disco, que começou a ser trabalhado em 2006. “Tenho depressão e não consegui compor nenhuma canção para o álbum durante oito meses”, disse ao jornal The New York Times. Depois de seis anos, Cat fez um empréstimo, comprou alguns equipamentos e alugou uma casa em Malibu, na Califórnia, onde escreveu as músicas do elogiadíssimo disco Sun, concluído em 2012.

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A musa do indie rock é bipolar. A imprevisibilidade, uma de suas marcas registradas, já fez com que ela abandonasse o palco no meio do show porque uma pessoa atendeu o celular. Certa vez, depois de tanto beber, Cat não conseguiu terminar uma apresentação e desmaiou no meio do público.

Não poderia existir palco mais perfeito para Cat Power externar toda essa efervescência, assim como muitos paulistanos fazem diariamente no transporte público da agitada metrópole. O tempo, entretanto, passou. Cat mudou. 

Esqueça a figura amargurada que distribuía sentimentos corrompidos e toda uma variedade de referências soturnas que a transformaram na maior confidente de todo ser humano que teve o coração partido. 

Cat Power cortou os cabelos. Trocou a dor pela superação. Deixou de lado o sofrimento exacerbado e colocou na bagagem a ironia, algo que antes parecia impossível para alguém que carregava nas costas todo o peso e negatividade do mundo.

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