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A nova morte de Babilônia

Parte das ruínas da cidade bíblica foram destruídas pelas forças americanas que ocupam o Iraque

Por Nada Bakri
Atualização:

Nada Bakri/WP

 

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Maytham Hamzah voltou os olhos para as ruínas do palácio de hóspedes do rei Nabucodonosor na Babilônia, uma das primeiras grandes cidades do mundo. Sorriu com amargura. "Eles destruíram o país todo", disse Hamzah, diretor do Museu da Babilônia, sobre as forças americanas no Iraque. "Em comparação a isso, o que são um punhado de tijolos antigos e paredes de barro?"

 

As forças americanas não destruíram exatamente a cidade de 4 mil anos, que abriga uma das sete maravilhas do mundo originais, os Jardins Suspensos da Babilônia. Mesmo antes da chegada dos soldados, não restava muita coisa: um punhado de fraturadas edificações de barro e tijolo e fragmentos arqueológicos numa planície fértil entre os Rios Tigre e Eufrates.

 

Mas eles a transformaram no Acampamento Alfa, uma base militar, pouco depois da invasão do Iraque liderada pelos Estados Unidos, em 2003. Sua estada de 18 meses no local provocou "imensos danos" e representou um "grave abuso contra esse sítio arqueológico conhecido em todo o mundo", diz um relatório publicado este mês pela Unesco, a agência cultural das Nações Unidas.

 

As ruínas estão dispostas numa área retangular de 850 hectares ao longo da margem ocidental do Eufrates. O sítio compreende o palácio de Nabucodonosor, reconstruído pelo então presidente Saddam Hussein nos anos 1980; as ruínas do Templo de Ninmakh; e um palácio para os hóspedes reais. Além disso, há também o Leão da Babilônia, uma escultura de 2.600 anos, e as ruínas da Porta de Ishtar, a mais bela das oito portas que antes circunscreviam o perímetro da cidade. A porta ainda traz os símbolos dos deuses babilônicos.

 

De acordo com o relatório, publicado após cinco anos de investigação conduzida por uma equipe de especialistas iraquianos e estrangeiros, soldados invasores e empreiteiros passaram escavadeiras nos cumes das colinas e depois os cobriram com cascalho para usá-los como estacionamento de veículos militares e trailers. Eles também passaram com veículos pesados sobre o frágil pavimento de estradas antes sagradas.

 

O relatório diz também que soldados construíram barreiras e barragens para proteger a base, pulverizando peças ancestrais de cerâmica e tijolos gravados com caracteres cuneiformes. Cavaram trincheiras onde armazenaram tanques de combustível para seus helicópteros, que pousavam perto de um antigo teatro. De acordo com o relatório, entre as estruturas mais danificadas estão a Porta de Ishtar e uma via antes usada em procissões. Especialistas dizem também que soldados encheram sacos para barreiras com solo retirado de um sítio repleto de fragmentos arqueológicos.

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Também foram saqueados tijolos - tanto os dos antigos babilônios quanto os mais novos usados por Saddam para reconstruir parte das ruínas. Os de Saddam eram adornados com uma ode ao ditador.

 

"A extensão do estrago é imensa", disse Maryam Mussa, funcionária do conselho de patrimônio e antiguidades do Estado iraquiano, órgão encarregado de administrar o local. "Será muito difícil reparar os danos. Nada pode compensar tamanha perda."

 

Porta-vozes das forças americanas no Iraque não quiseram comentar o relatório. Eles já haviam dito que os saques teriam sido muito piores se os soldados dos Estados Unidos não estivessem ali. Os porta-vozes também haviam afirmado, em 2005, que a instalação da base fora discutida com arqueólogos iraquianos encarregados do local.

 

O sítio está fechado para o público desde 2003. Diante de críticas cada vez mais fortes por parte de arqueólogos do Iraque e de outros países, os soldados deixaram o local no verão de 2004. Em junho passado as visitas voltaram a ser permitidas, apesar do alerta de especialistas de que as ruínas poderiam sofrer ainda mais danos caso não fossem primeiro restauradas e devidamente protegidas.

 

Muitos residentes de Hilla, uma cidade localizada 100 km ao sul de Bagdá e muito próxima das ruínas, disseram não ter mais voltado ao sítio porque não suportam ver o estrago. "De que ruínas você está falando?", ironizou Jawad Kathem, de 55 anos, proprietário de um pequeno mercado na vila próxima de Jumjumah. "Não sobrou nada delas. Tudo foi destruído ou saqueado."

 

"São forças de ocupação", disse Sabah Hassan, 41 anos, morador de Hilla e dono de um café próximo às ruínas. "Ninguém pode dizer a elas o que podem ou não fazer."

 

Alguns dias atrás, o vento varria as ruínas desertas enquanto Maytham Hamzah acompanhava visitantes numa visita ao museu que dirige. Com o entusiasmo de alguém que há anos esperava pela oportunidade de partilhar seu conhecimento, Hamzah recitava a história da antiga Babilônia. Os portões do museu estavam trancados.

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"Desta sala, o rei Nabucodonosor comandava seu reino", disse ele, agitando as mãos na sala espaçosa onde se acredita que ficasse o trono de Nabucodonosor II. O rei transformou a Babilônia em uma das maravilhas do mundo antigo. Historiadores dizem que ele tinha mais orgulho de seus projetos arquitetônicos que de suas muitas vitórias militares.

 

Várias iniciativas de restauração de Babilônia foram anunciadas nos últimos seis anos, mas nenhuma delas avançou. Agora, com a melhoria da segurança no país, funcionários iraquianos esperam dar início a um projeto de restauração dotado com US$ 700 mil pelo Departamento de Estado dos EUA e com duração prevista de dois anos. As Nações Unidas também tentam fazer do sítio arqueológico um Patrimônio da Humanidade, designação que atrairia apoio e proteção.

 

"É claro que isso não é suficiente, mas é melhor que nada", lamentou Maryam Mussa, a responsável pelo local. "Esperávamos que os trabalhos começassem ainda este ano." Em sua mesa, documentos detalhando os danos jantavam pó.

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