A ofensiva de charme do casal Sarkozy

Carla Bruni encheu os olhos da casa de Windsor, enquanto Sarkozy passou o recado

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Por Mark Rice-Oxley e The Christian Science Monitor
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Eles talvez tenham a mais duradoura rivalidade internacional da história do Estado-nação. Um desdém mútuo enraizado em batalhas medievais, décadas de antagonismo imperialista e uma dissonância cultural que persiste até os dias de hoje. Mas, estariam a Grã-Bretanha e a França prestes a se beijarem e fazer as pazes? Na quinta-feira, um frisson de "fraternité", "entente amicale" e "amitié" perpassou a classe política britânica (sem falar na usualmente francófoba imprensa de tablóides) depois de uma das mais extraordinárias visitas oficiais de um líder francês, desde a 2ª Guerra Mundial. Nicolas Sarkozy, ridicularizado em casa pelas maneiras vulgares e pelo gosto espalhafatoso no quesito acessórios (incluindo as mulheres), deixou os britânicos atônitos com um discurso de consumado louvor pelas coisas inglesas e ao fazer a convocação para "uma nova irmandade no século 21". Houve uma inusitada declaração de agradecimento a Winston Churchill, que ajudou a socorrer a França "quando ela estava aniquilada, de joelhos". Houve propostas concretas - os dois países devem trabalhar juntos na solução de grandes problemas globais, como mudanças climáticas, energia, imigração, segurança e Afeganistão. E houve um ápice de oratória quando Sarkozy conclamou a fraternidade franco-britânica. Os membros do Parlamento não sabiam se riam ou choravam, até porque visitas oficiais de chefes de Estado, mergulhadas em pompa e protocolo, geralmente são pobres de substância. Jornais do reino devotaram total interesse ao presidente francês. Os tablóides desfaleceram diante de sua esposa, a modelo Carla Bruni Sarkozy, que fez uma bela figura, chique e discreta, no banquete real da quarta-feira à noite, o que os levou à comparação, talvez exagerada, com Jackie Kennedy e a princesa Diana. Em resumo, tudo esteve a longa distância da petulância usual que tem caracterizado as relações franco-britânicas. Já se passou um longo tempo desde que os dois países se enfrentaram num campo de batalha (é preciso remontar a 1815). Mas, desde a 2ª Guerra Mundial, irrompem hostilidades diplomáticas entre eles com uma regularidade nada edificante. Por exemplo, a tentativa de Charles de Gaulle de impedir a entrada da Grã-Bretanha na União Européia, em 1967. Também houve rixas por causa do veto da França à carne de gado britânica, do centro de refugiados da França localizado bem ao lado do Canal da Mancha e das contribuições financeiras da UE à Grã-Bretanha. Quando a França fincou o pé contra a guerra no Iraque, foi a senha para que os tablóides britânicos recorressem a velhas piadas, incluindo aquela sobre o número de marchas dos tanques franceses (cinco marchas à ré e uma à frente, em caso de ataque por trás). Químicas pessoais particularmente explosivas complicaram os trâmites. É famoso o fato de que a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher e o ex-presidente francês François Mitterand não se davam bem. Tanto que uma vez ele a descreveu como "uma mulher impossível". Com Jacques Chirac e Tony Blair as coisas não foram melhores. O governante francês teria dito que o premiê britânico era " mal-educado", depois que Blair o contestou num debate político. Mais tarde, ouviu-se de Chirac: "Não podemos confiar num povo que tem uma comida tão ruim". Dentro desses últimos comentários há uma pista para compreender o atual movimento de aproximação dos dois países. A Grã-Bretanha não pode mais ser descartada como um país de "comida ruim". Centenas de chefs franceses já resolveram isso. Nos últimos anos, cidadãos franceses têm se mudado aos milhares para a Grã-Bretanha, de tal forma que, como observou Sarkozy, Londres é agora a sétima maior cidade francesa do mundo. O sotaque francês está em todos os lugares - nas escolas, nos restaurantes, nos trens, nos clubes. Em troca, milhares de britânicos tomaram o caminho inverso e agora são tão numerosos em partes rurais da França que já concorrem a cargos públicos. As barreiras culturais, antes profundas, agora são erodidas. Timoty Garton Ash, historiador e professor em Oxford, diz que velhas inimizades tornam-se irrelevantes num cenário onde "ambos os países são potências européias de porte médio". Mas avisa que a grandiosa fala de Sarkozy talvez não resulte numa era de bondade nas relações anglo-francesas. Porque, no cerne da mensagem do francês está o apelo para o engajamento da Grã-Bretanha à UE, deixando de lado o euroceticismo."A classe política na França, como na Alemanha, pressupõe que o outro é seu parceiro", diz Nash. "Já a classe política de Westminster pressupõe que parceiros são os Estados Unidos." Os britânicos cometerão um engano se julgarem que a oferta de Sarkozy diz respeito à substituição da velha parceria da França com a Alemanha, incluindo uma amante. Não se trata de um ménage à trois. QUARTA, 26 DE MARÇO Enfim, bons vizinhos O presidente francês, Nicolas Sarkozy, acompanhado da mulher, chega a Londres para visita oficial de dois dias. Sarkozy propõe "uma irmandade franco-britânica para o século 21". Houve banquete de 150 talheres e um encontro com o premiê Gordon Brown.

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