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A poderosa Madam speaker

Nancy Pelosi, presidente da Câmara, garantiu para Obama a maior reforma do seguro de saúde no país em meio século

Por Paulo Sotero
Atualização:

WASHINGTON - Ela não é a mulher mais famosa da política americana. Esse lugar pertence a Hillary Clinton, secretária de Estado e ex-primeira-dama que sonha em voltar à Casa Branca como presidente. Nancy Pelosi é, porém, a líder mais influente e poderosa dos EUA. No domingo passado, ela se tornou também uma das figuras mais consequentes da história do país ao garantir a aprovação na Câmara de Representantes, por 219 a 212, da maior reforma da legislação do seguro de saúde no país em quase meio século. Mais de 32 milhões de americanos sem acesso a seguro serão agora gradualmente cobertos. As seguradoras ficam proibidas de negar a proteção médica e hospitalar para crianças, sob qualquer pretexto. Elas passam a ser reguladas por regras mais exigentes, calculadas para ampliar a abrangência dos seguros, limitar aumentos de preços e reduzir os custos com saúde, que absorvem um sexto do PIB.

 

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Aos 70 anos, completados na sexta-feira, Nancy Pelosi conserva os atributos da linda mulher que foi na juventude. Segundo seus amigos, a beleza a ajudou a chegar ao topo do Poder Legislativo. Mas não pela razão mais óbvia. "Na verdade, o fato de ela ser atraente foi sempre um fator negativo na carreira de Nancy", diz o ativista democrata Agar Jaicks, que a conhece há mais de 30 anos.

 

Segundo Jaicks, a beleza da deputada de São Francisco, seu sorriso congelado de garota-propaganda e a linhagem política de filha de Thomas D’Alesandro, um lendário prefeito da cidade portuária de Baltimore, Maryland, fizeram os políticos subestimar Pelosi. Em seus primeiros 20 anos no Congresso, ganhou fama de legisladora radical e diletante e virou um dos personagens prediletos de piadas de cartunistas e dos talk shows. Determinada, ela usou o preconceito a seu favor. Em 2002, quebrou mais de dois séculos de monopólio masculino no Congresso ao ser elevada por seus pares ao comando da bancada do Partido Democrata na Câmara de Representantes.

 

Quatro anos mais tarde, Nancy Pelosi comandou a retomada do controle da Câmara por seu partido - fato político que pressagiou o fim da era Bush e da direita republicana. Em janeiro de 2007, entrou para a história como a primeira mulher a presidir a casa, posição que a coloca em segundo lugar, atrás apenas do vice-presidente, na linha sucessória. O cargo não fez Pelosi moderar suas posições. Oradora sofrível, ela diz o que pensa e tende a polarizar as discussões, o que não é difícil num Congresso onde os republicanos são espécie em rápida extinção.

 

Madam Speaker, ou Madame Presidente, como seus pares se dirigem a ela em ocasiões formais, barrou uma tentativa do presidente George W. Bush de levar adiante um plano de privatização parcial da seguridade social. Por essa e outras, como ser uma católica praticante contrária à criminalização do aborto e favorável ao casamento entre homossexuais, tornou-se anátema da direita, condição que parece saborear com grande gosto. "Eu sou liberal", diz ela, usando o termo que identifica os políticos de esquerda em seu país.

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Nascida na "Little Italy" de Baltimore, Nancy D’Alessandro cresceu com cinco irmãos numa família devota da Igreja e das ideias do New Deal de Franklin Delano Roosevelt. "Nossa vida era toda dedicada à política", lembraria mais tarde. "Nossa casa estava sempre em campanha e era aberta aos eleitores." Formou-se no Trinity College, que é administrado pela ordem de freiras que produziu a irmã Dorothy Stang, a religiosa assassinada em 2005 em Anapu, Pará. Casou-se com Paul Pelosi em 1963 e foi com ele para a Califórnia fazer o que a tradição reservava a uma moça ítalo-americana de boa família: filhos, muitos filhos. Enquanto Paul construía um bem-sucedido negócio imobiliário, Nancy teve quatro meninas e um menino num período de seis anos. Dedicou as duas décadas seguintes a criar as crianças, atividade que a levou a engajar-se em associações de pais e mestres e atividades comunitárias que são portas de entrada naturais na política nos EUA. Nos anos 80, com os filhos mais velhos na universidade e a casa ficando vazia, retomou a tradição da família como presidente do Partido Democrata da Califórnia. Em 1987, quando sua filha mais nova, Alessandra, hoje uma cineasta independente, estava no último ano do colegial, foi eleita para o Congresso.

 

Nancy e Paul Pelosi mantêm casas nas duas costas do país e finanças separadas. Em sua mais recente declaração de bens, ela estimou em US$ 16 milhões o valor das propriedades e outros ativos que possui. Paul administra os negócios da família, que incluem uma cadeia de restaurantes e uma vinícola, e passa uma semana por mês em Washington. Nancy diz que o marido é "um homem verdadeiramente progressista". Ele não se envolve abertamente em política, a não ser para acompanhar a mulher em cerimônias protocolares, o que não faz com frequência. Seus conselhos à poderosa esposa limitam-se ao guarda-roupa. É ele quem escolhe as roupas - de bom gosto - que ela usa. "Nancy odeia fazer compras", diz Paul.

 

A vida harmoniosa do casal e a imagem carinhosa que projeta de sua família, que hoje inclui sete netos, são politicamente valiosas para a deputada. Elas limitam o espaço para a ultradireita conservadora, que hoje controla o Partido Republicano, investir contra Pelosi invocando sua suposta superioridade moral. "Minha família é o centro de minha vida e minha mais completa alegria", diz ela. "Para mim, trabalhar no Congresso é uma extensão disso." De fato, Madam Speaker diz que mantém a disciplina na bancada democrata empregando um talento que desenvolveu em casa: "Uso minha voz de mãe de cinco!"

 

PAULO SOTERO, EX-CORRESPONDENTE DO ESTADO EM WASHINGTON, É DIRETOR DO BRAZIL INSTITUTE DO WOODROW WILSON INTERNATIONAL CENTER FOR SCHOLARS

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