PUBLICIDADE

A reação arrastada

Assaltos a restaurantes mostram uma segurança pública lerda que só identifica os problemas quando a crise já está instalada, diz autor

Por Guaracy Mingardi
Atualização:

No Dia dos Namorados o governador Alckmin recebeu uma delegação de representantes de bares e restaurantes. Pauta da reunião: os arrastões que estão assustando a população e afugentando os fregueses dos restaurantes. Como sempre acontece nessas situações o Executivo prometeu ação imediata. O governo se comprometeu a aumentar o efetivo nas ruas e dar prioridade à prevenção desse crime. Como esqueceu de combinar com os ladrões, na mesma noite ocorreu um arrastão na Rua Doutor Melo Alves, área nobre da capital.O secretário de Segurança, Ferreira Pinto, também foi otimista. Falou de um trabalho articulado das Polícias Civil e Militar, do esclarecimento de 70% dos casos, etc. Os donos de restaurantes, porém, não se fiaram nessa conversa mole. Vários providenciaram segurança particular, em alguns casos armada, o que é uma medida controversa. Pode aumentar a sensação de segurança, mas também aumenta a possibilidade de um cliente ser ferido num fogo cruzado.A boa notícia é que o aparelho repressivo, finalmente, acordou para o problema. A má é que nosso sistema de segurança pública continua lerdo. Só identifica os problemas quando a crise já está instalada. Isso explica por que os comerciantes tiveram de ir ao governador para que providências fossem tomadas. E se fosse um crime cujas vítimas não tivessem acesso privilegiado, quanto demoraria para a Secretaria de Segurança reagir?Não é a primeira vez. Tivemos outros crimes da moda: "marcha à ré", em que os criminosos utilizavam um carro para estourar vitrines de joalherias; sequestro relâmpago; explosão de caixas eletrônicos. Todas as modas se iniciaram timidamente, com uma ou duas quadrilhas especializadas, e depois se popularizaram no meio criminal. E em nenhum dos casos o crime foi identificado inicialmente como um problema, só depois de ter vitimado um grande número de pessoas.O criminoso médio está longe de ser gênio. Ele aprende os procedimentos para realizar um crime e se mantém no mesmo modus operandi por semanas, meses ou mesmo anos. Só muda impulsionado por fatores externos. Basicamente porque apareceu algo mais rentável ou a polícia, finalmente, se adaptou e ganhou know-how no combate a um crime antigo. Como a maioria das ações humanas, a atividade criminal obedece à lei do custo e benefício: probabilidade de punição versus rentabilidade da ação. Mas o aparelho policial do Estado não acompanha as mudanças com a celeridade desejável. Vem a reboque, sempre atrasado. As polícias, Civil e Militar, são grandes burocracias, que demoram para se mexer, alterar objetivos e métodos. Um dos grandes exemplos da difícil adaptação do aparelho repressivo é o crime de sequestro, que era top de linha no fim dos anos 1990 e início deste século. No começo eram apenas grupos organizados que sequestravam, e as vítimas eram pessoas com muito dinheiro, mas a reação policial foi tão lenta e estabanada que o crime se popularizou. Entraram no ramo quadrilhas de todo tipo, agindo sem nenhuma preparação e com total falta de critério. Passaram a sequestrar pessoas de todas as classes sociais, muitas sem recursos para pagar o resgate. É evidente que somente os grandes casos, envolvendo personalidades famosas, chegavam a mídia, mas isso era a ponta do iceberg.A adaptação policial só ocorreu porque houve pressão de dois secretários de Segurança que se sucederam no comando das polícias. Eles exigiram que as polícias se mexessem. Quando isso ocorreu a máquina foi, aos poucos, prendendo os sequestradores e deixando claro que esse crime tinha um custo alto, o risco de prisão era grande. De uns dez anos para cá os sequestros ainda ocorrem, mas em menor quantidade.Esse tem sido o padrão das últimas décadas. O crime evolui e a polícia corre atrás, e só depois de o caso policial se transformar num problema político. Não existe nenhum trabalho de análise e interpretação de tendências. As burocracias policiais trabalham como se os problemas fossem perenes e as respostas, também. Vide o caso da bobagem feita na Cracolândia no início do ano, onde a PM usou os mesmos métodos empregados desde os anos 70 para espantar os indesejáveis. Métodos que não surtiram efeito na época, muito menos agora.Se as polícias tendem à imobilidade, o órgão que tem de se mexer é a Secretaria de Segurança Pública. Afinal o secretário é, segundo a Constituição paulista, o chefe das polícias e o responsável político por seu desempenho perante o governo e a opinião pública. Seu staff deveria ser o núcleo da elaboração das políticas de controle da criminalidade. Atualmente é um imenso órgão de relações públicas, buscando justificativas e vitórias onde existem apenas erros e empates. Identificar padrões e encontrar meios de deter a escalada criminal tem de ser o objetivo da Secretaria de Segurança, senão é melhor que seu titular procure outro emprego.    

GUARACY MINGARDI É DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA PELA USP, MEMBRO DO FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.