A síndrome Claudia Brasil

Professora que preferiu ir à praia a votar não sacou que abstenções favorecem o candidato da máquina governamental

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Por Sérgio Augusto
Atualização:

Nova síndrome na praça. Poderíamos chamá-la de Vânia Carvalho ou Tatiana Matos, mas prefiro batizá-la de Claudia Brasil. Por duas razões: o vsignificativo sobrenome da moça e o fato de ela ter sido a principal personagem de uma reportagem de O Globo sobre o mais escandaloso aspecto da vitória eleitoral de Eduardo Paes no segundo turno da eleição do Rio. Claudia não cometeu crime eleitoral. Tampouco Vânia e Tatiana. Elas nem sequer participaram da eleição de domingo passado. O escândalo foi de responsabilidade total do governador Sérgio Cabral, que facilitou a vida de seu candidato antecipando um feriado do funcionalismo público para a segunda-feira. Como se previa, o capcioso feriadão provocou uma revoada de barnabés para a região dos lagos, Angra dos Reis e a serra fluminense, infligindo baixas consideráveis entre os eleitores de Fernando Gabeira. Nem todos sacaram que em disputas apertadas as abstenções beneficiam sempre o candidato da máquina governamental. Só na zona sul, principal reduto de Gabeira, o índice de abstenções chegou a 26,11%, representando uma perda de 143.714 votos, quase o triplo do que lhe bastaria para derrotar o protegido de Cabral e do presidente Lula. Mais interessada em passar três dias seguidos na praia do que em cumprir com seus deveres de cidadã, Claudia Brasil viajou na sexta para Cabo Frio, em cujas areias posou sorridente para O Globo e declarou, sem o menor constrangimento: "O Gabeira perdeu dois votos, meu e do meu marido, mas este é o primeiro fim de semana com sol". Após admitir que o feriado prejudicara seu candidato, a professora de Campo Grande, zona oeste do Rio, confessou: "Continuamos com ele". Continuam como? Com ele no pensamento? No coração? Gabeira não é Jesus. É um deputado que necessitava de 1.696.196 votos para chegar à prefeitura. Com eleitores assim, nem precisava de adversário. Vânia e Tatiana, também funcionárias públicas e eleitoras de Gabeira, repetiram as desculpas de Claudia Brasil, mas, pelas razões acima, a glória de designar a síndrome de abstenção eleitoral coube à professora de Campo Grande. Doravante, nenhum eleitor que faltar às urnas para curtir um feriado poderá reclamar de sofrer de um mal ainda sem nome. Efeito também serve. Palavra menos complicada que síndrome, cumpre o mesmo papel semântico. Por exemplo: "Efeito Bradley". É o mais temido pelos democratas na eleição presidencial da terça-feira. Funciona assim: o eleitor diz que pretende votar no candidato negro, para fazer farol com o pesquisador, mas na hora H, sozinho diante da urna, seus preconceitos falam mais alto e ele sufraga o candidato branco. O Bradley em questão - Tom Bradley, cinco vez prefeito de Los Angeles - era dado como favorito ao governo da Califórnia em 1982, mas acabou perdendo para o branco ( republicano) George Deukmejian. Para disputar com tranqüilidade um alto cargo político dos EUA, um candidato negro precisa de mais de 50% das intenções de voto. Bill Greener, consultor político dos republicanos, insistiu há dias neste ponto, na revista eletrônica Salon, sem um grão de malícia partidária. Quantos por cento tencionam votar em Barack Obama? As pesquisas são desencontradas, logo, pouco tranqüilizadoras. Mesmo seguros de que o índice de aprovação da candidatura John McCain caiu abaixo dos 25%, o New York Times e o Washington Post preferiram alertar, em editorial, para os perigos do Efeito Bradley. Para combatê-los, a arma mais eficaz é o comparecimento em massa dos fiéis eleitores de Obama às urnas. Ou seja, uma resistência em massa à Síndrome Claudia Brasil. Criticaram Gabeira por não ter reagido à altura às bandidagens da campanha do adversário, por não ter, enfim, chafurdado no mesmo lamaçal, distribuindo panfletos infamantes pela cidade. Como não há como provar que sua lhaneza e coerência com os princípios básicos de sua campanha foram fatores mais decisivos para a derrota que o feriadaço aplicado pelo governador Sérgio Cabral, encontrem outras explicações para o revés, sem jamais descartar a hipótese de que Gabeira perdeu por apenas 1,66%, justamente por ter convencido o eleitorado mais esclarecido do Rio de que um novo estilo de fazer política é possível e tem futuro - em escala nacional, inclusive. É sobretudo nesse aspecto que as candidaturas Gabeira e Obama mais se assemelham. O americano teve mais sorte com sua obstinada confiança na coerência, no anseio pelo novo e no poder da exemplaridade. Não rondou o chiqueiro uma só vez. Poderia ter batido mais em McCain, feito um escarcéu com o apoio da Al-Qaeda à sua candidatura, a solidariedade por ele prestada pessoalmente ao general Pinochet, no auge da ditadura chilena (revelada por John Dinges no site Huffington Post), e a amizade que seu lobista de cabeceira, Rick Davis, agenciou com o oligarca russo Oleg Deripaska, comensal de Vladimir Putin, a quem ajudaram a controlar a região de Montenegro, na antiga Iugoslávia, em 2006 - para ficarmos só nos detritos vindos à tona nos últimos dez dias. Enquanto isso, McCain e sua inacreditável vice perdiam tempo, saliva, dinheiro e a paciência de boa parte do eleitorado (até dos republicanos) com sucessivos golpes baixos, desferidos de maneira a cada dia mais desesperada. Valeu tudo na reta final. Não bastassem as patéticas patacoadas populistas com bombeiros hidráulicos e pedreiros, a vigarice racista de Ashley Todd (aquela jovem que simulou ter sido agredida por um negro, correligionário de Obama), e centenas de invencionices espalhadas pelos robo-calls dos republicanos, tentaram colar no candidato democrata o rótulo de "socialista", que, para o eleitorado americano mais conservador, é sinônimo de leproso. Se fosse um socialista, Obama não teria sido apoiado por 18 jornais americanos, muito menos pela revista The Economist, e sua política fiscal não teria mais 14 pontos que a do adversário na preferência dos eleitores. Por essas e outras, sua vitória me parece assegurada. A Onda Gabeira morreu na praia, mas a de Obama promete fazer transbordar o Potomac. DOMINGO, 26 DE OUTUBRO Paes vence por 1,66% Em eleição disputada voto a voto, Eduardo Paes (PMDB) é eleito prefeito do Rio, derrotando Fernando Gabeira (PV) com 50,83% dos votos válidos. O peemedebista foi beneficiado pelo alto índice de abstenção, devido ao feriado do servidor público na segunda-feira.

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