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A volta do soft power

Para melhorar a imagem externa americana e enfrentar a crise econômica global, dá-lhe diplomacia, Obama!

Por Lúcia Guimarães
Atualização:

No dia 1º de dezembro, Barack Obama, sob o impacto do ataque terrorista em Mumbai, apresentou seus nomeados para o que chamou de "time da segurança": Hillary Clinton na Secretaria de Estado, o general James Jones na de Segurança Nacional, Robert Gates no cargo de secretário da Defesa, que inclusive já ocupa, e Susan Rice, como embaixadora nas Nações Unidas, um posto que volta a ter status de gabinete. O recado era inequívoco: os Estados Unidos voltarão a reconhecer a importância do chamado soft power. O americano feio, o ugly American do romance homônimo de Eugene Burdick e William Lederer, publicado em 1958, epítome da insensibilidade ianque dos anos Bush, foi uma referência para medir o declínio da estima pelos Estados Unidos nos últimos oito anos. A eleição de Barack Obama é indissociável da preocupação com a liderança americana no mundo. Na noite da vitória fui para Times Square e, na multidão que celebrava, encontrei inúmeros jovens citando a imagem do país no exterior como uma das principais motivações para votar no candidato democrata. Sim, o retorno à diplomacia tem sido destacado como uma grande preocupação de Barack Obama. No verão americano de 2007, ele escreveu um artigo para a revista Foreign Affairs criticando o isolamento dos anos Bush. A metáfora musical para a nova era da política externa americana, incluída na reportagem do The New York Times de 21 de novembro, foi fartamente repetida por inúmeros sites. Mas omitia a citação completa e o autor da frase pede retificação. Sua declaração original para o repórter do Times sobre o "modelo do violino" referia-se a Lula. David Rothkopf ouviu alguém comentar o comportamento do Brasil no exterior como o modelo do violino - "segure o poder com a mão esquerda e toque com a direita" - e, na entrevista ao correspondente David E. Sanger, achou que a imagem caía como uma luva sobre as expectativas (e tome expectativas) em torno do governo que toma posse em Washington no dia 20 de janeiro. David Rothkopf foi subsecretário de Comércio do governo Clinton. Seu livro mais recente, Superclass: The Global Power Elite and the World They Are Making, examina o papel da elite que suplanta fronteiras para exercer influência em áreas que eram monopolizadas por ações de governos. Ele fez parte do grupo que elaborou o relatório sobre as transformações na América Latina para o Council on Foreign Relations, em maio passado. Concluiu que a era do monopólio da influência americana sobre o nosso continente acabou. "É a primeira vez que um governo americano assume o poder num cenário sem precedentes em que a China é outro país que domina suas preocupações econômicas - nosso maior credor e nosso rival. Há uma enorme necessidade de reforçar instituições multilaterais." Há dois cenários novos, diz ele. O equilíbrio internacional de poder mudou e a imagem que os americanos têm de si mesmos terá que ser adaptada à nova realidade. "A ironia é que o mundo não vai bem quando os Estados Unidos se retraem na diplomacia internacional, seja nos acordos internacionais sobre finanças, meio ambiente ou sobre armamentos." O Brasil pode não figurar com destaque no noticiário do governo em transição (e isto é bom sinal, diz um alto diplomata brasileiro), mas nossa proverbial insegurança com a imagem do País deve se adaptar a novos parâmetros. David Rothkopf admite que a questão da segurança - Iraque, Afeganistão, Paquistão - e ainda a crise econômica internacional vão consumir grande parte da atenção do próximo governo, mas diz que a América Latina pode vir a oferecer um exemplo da nova dinâmica de relações multilaterais. Ele argumenta que a diplomacia brasileira evoluiu do foco na negociação econômica e reclamou um papel para o País na mesa internacional de negociações - e esse movimento não tem volta. "Não vou exagerar a importância dos diplomatas brasileiros", diz ele. "Durante décadas, a diplomacia americana no hemisfério consistiu em contornar o Brasil, numa atitude paternalista que afinal está cedendo à realidade." O secretário de Defesa Robert Gates gosta de dizer que os Estados Unidos têm mais membros de bandas militares do que funcionários no Departamento de Estado devotados à diplomacia. Não à toa, Obama quer aumentar o orçamento do Departamento de Estado, hoje estimado em US$ 10 bilhões, valor irrisório se comparado aos mais de US$ 500 bilhões concentrados nas Forças Armadas. Um diplomata brasileiro com experiência em Washington diz que não houve declínio de profissionalismo na diplomacia americana, apesar de uma cultura que privilegia, com freqüência, a nomeação política, caso dos doadores de campanha indicados para ocupar postos em embaixadas. O mesmo diplomata acha que as regiões de conflito potencial, como Iraque e Paquistão, serão bem mais reforçadas com o aumento de funcionários no serviço diplomático, numa demonstração inequívoca de investimento no soft power. Tudo para tentar reverter a erosão da imagem americana. Desde o 11 de Setembro, o entretenimento americano tem desfrutado de enorme popularidade no exterior e hoje a série televisiva CSI, sobre medicina legal, é mais popular na França do que nos Estados Unidos. A bilheteria de Hollywood depende cada vez mais da exibição em outras praças. Ou seja, o público internacional quer se divertir com a cultura americana, mesmo quando ela vende uma imagem fortemente negativa dos Estados Unidos. As nomeações feitas por Obama apontam para uma disposição de acomodar perspectivas do papel americano mais centristas do que as que lhe foram atribuídas durante a campanha. Há quem veja nele algo em comum com o realismo de George Bush pai. Sua oposição inicial à guerra no Iraque era mais pragmática do que se pensava. A nomeação de Hillary Clinton agradou a conservadores na política externa e a renovada importância da embaixada da ONU, como canal de negociação, provocou otimismo entre multilateralistas. As surpresas que vieram à tona com o terrorismo em Mumbai podem distrair os planos ambiciosos do governo Obama. Mas a crise econômica internacional, esta sim é uma bússola inevitável de sua política externa. E, de acordo com estimativas, ainda que otimistas, cerca de três quartos do crescimento internacional no próximo ano virão dos países emergentes.

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