Adolfo Bioy Casares tem obra completa publicada no Brasil

Terceiro volume finaliza o projeto de resgatar a prolífica produção do autor

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Por Dirce Waltrick do Amarante
Atualização:

A Biblioteca Azul lança agora o terceiro e último volume das obras completas do escritor argentino Adolfo Bioy Casares (1914-1999), conhecido por A invenção de Morel, publicado em 1940, cuja trama foi considerada “perfeita” por ninguém menos que Jorge Luis Borges, de quem, aliás, foi grande amigo e colaborador.  Em tradução de Sergio Molina e Rubia Prates Goldoni e sob a organização de Daniel Martino, considerado o maior pesquisador da obra do escritor argentino, esse último tomo contém os textos escritos entre 1972 e 1999, compondo uma espécie de miscelânea curiosa que inclui escritos ficcionais, como o conto O Rato ou Uma Chave para a Conduta (uma narrativa fantástica à moda de outras que fizeram a fama de Bioy Casares), críticas, relatos pessoais e breves e saborosos insights, como, por exemplo, “para suportar a história contemporânea, a melhor coisa é escrevê-la” ou “Ao tradutor. A língua mais rica é a língua da qual traduz”. 

O escritor argentino Adolfo Bioy Casares, ganhador do prêmio Cervantes em 1990 Foto: Roberto Setton/Estadão

A originalidade é um dos temas tratados em suas breves reflexões ou anotações sempre espirituosas. A respeito dela, Bioy Casares conta com uma boa pitada de humor que, enquanto escrevia Um Leão no Bosque de Palermo, mais de uma vez se perguntou “se já não teria lido alguma história baseada na mesma ideia”, e concluiu: “Como a originalidade não me preocupa, segui em frente com o leão. Agora descubro que eu não somente tinha lido uma história parecida, como também a escrevera”.  Em outra anotação, o escritor faz um alerta ao leitor: “Lemos críticas e biografias e esquecemos as obras originais. Não apenas as esquecemos: também as julgamos através da interpretação de terceiros”, e mais uma vez humoradamente conclui que “a suposição de juízos resulta em equívocos compartilhados por gente que não tem o consolo de saber que pensa erros curiosos”.

No Café La Biela, no elegante bairro porteño da Recoleta, que dá as boas vindas são os escritores Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares, sentados em sua mesa preferida. Foto: Fleipe Mortara/Estadão

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A propósito do humor, há um texto bastante instigante a respeito, O Humor na Literatura e na Vida, no qual Bioy Casares afirma que, “embora hoje ninguém se declare carente de senso de humor, não são poucos os que veem o humorismo com bons olhos. No seu foro íntimo, boa parte da sociedade tem a convicção de que sobre certas coisas não se toleram piadas”. No Brasil, aliás, parece haver uma tendência à valorização da literatura dita séria, ou seja, isenta de humor. Mas convém destacar que há diversos tipos de humor e humoristas, como observa o escritor: “Há humoristas que fomentam a irritação contra o humorismo. São os de fogo cerrado, de piada em cima de piada”, por outro lado, o “humorismo é cortês porque, ao apontar verdades, recorre à comicidade. Ao mostrar algo mau, provoca o riso, e quando alguém recorda a amarga verdade que dissemos, sorri porque também recorda que a levamos na brincadeira”. Bioy Casares lembra de artistas cujo humor transformou até o momento da morte deles em uma boa piada.  Em um outro texto dessa antologia, o escritor discorre sobre as cartas, o “gênero literário mais difundido” (pelo menos era até o ano de 1999, quando Bioy Casares escreveu o texto), uma vez que “o número dos seus autores deve ser bem próximo ao de homens e mulheres que habitam o mundo, incluindo, por certo, os analfabetos, pois parece improvável que boa parte deles não tenha ditado pelo menos uma ao longo da vida”. O escritor destaca que as melhores cartas não são aquelas que lisonjeiam o destinatário ou que dão informação, mas sim aquelas em que “discorremos sobre nós mesmos ou sobre coisas que nos dizem respeito”, pois “quando por deferência voltamos nossa atenção ao destinatário da carta, decaímos e recorremos a frases feitas, a lugares-comuns, a uma formalidade ostensiva”. Nas cartas, essa tática parece funcionar bem; ocorre que alguns autores parecem usá-la em outros gêneros literários, os quais se transformam todos (contos, romances, poemas etc.) numa espécie de missiva confessional. 

Em 23 de abril de 1991, Bioy Casares recebeu o Prêmio Cervantes. Seu discurso na ocasião da premiação também pode ser lido nessa antologia. Não é um discurso longo nem empolado; ao contrário, é um discurso direto que fala de sua paixão por contar histórias: “Quem diria que ao cabo de 60 anos felizes ocupados em contar histórias, eu receberia o prêmio que leva o nome do querido escritor que me iniciou nas letras”. No seu discurso, ele não esquece de mencionar Borges, com quem manteve um diálogo estreito sobre arte, literatura e outros assuntos pessoais.  Destacaria seus relatos sobre sua passagem pelo Brasil para participar de um congresso, que não parece ter sido a melhor parte da viagem, a não ser por “uma intervenção literária de Cecília Meireles, doce como calda de caramelo”.  As mulheres também são tema de uma boa parte de seus escritos. Bioy Casares era um mulherengo convicto, e parece escrever sobre o sexo feminino na tentativa de entendê-lo. Abre o volume o romance Dormir ao Sol, de 1973, no qual o protagonista tem que lidar com as constantes mudanças de personalidade de sua mulher. Na vida real, Bioy Casares foi casado com Silvina Ocampo, cujos livros A Fúria e As Convidadas, recém-lançado no Brasil, como se lê em um dos relatos do escritor, seriam, para ele, “algo assim como as novas Mil e Uma Noites”.

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