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Agências reguladas

Apesar de não subordinados aos governos, os entes responsáveis pela lisura de agentes econômicos podem acabar vítimas de captura política

Por ELENA LANDAU | É ECONOMISTA , ADVOGADA E SÓCIA DO ESCRITÓRIO SERGIO BERMUDES e PATRÍCIA SAMPAIO | É PROFESSORA DA FGV DIREITO/RIO E ADVOGADA
Atualização:

Passados cerca de 15 anos da instalação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a primeira agência reguladora federal, criada nos anos 1990, a pergunta que constitui o título deste artigo talvez pareça ultrapassada. Não é. Muitas das dúvidas ainda persistem. São entes técnicos ou políticos? Qual seu grau de autonomia? Quais critérios para nomeação de seus diretores?

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Agências reguladoras são espécies de autarquias, pessoas jurídicas de direito público que devem executar de atividades típicas de Estado, como normatização, fiscalização, sanção e solução de conflitos. Notem que são atividades de Estado e não do governo de ocasião. Elas também não se subordinam, ou não deveriam se subordinar, aos entes políticos a que se vinculam. O ponto a ressaltar é que regulam relações jurídicas e econômicas cujo tempo de maturação costuma perpassar em muito um ciclo político-eleitoral e, portanto, requerem garantias adicionais de sua preservação ao longo do tempo.

Por isso, a Lei 9986/2000 traz uma série de regras para seu funcionamento e constituição em âmbito federal. Por exemplo, nelas não há uma figura monocrática a tomar as mais importantes decisões no topo da pirâmide hierárquica; seu órgão máximo é uma diretoria colegiada. Dada a complexidade dos temas envolvidos na regulação, o colegiado existe para melhorar a qualidade da decisão: "Várias cabeças pensam melhor que uma", diz o ditado popular.

A decisão via órgão colegiado também tem a importante função de reduzir o risco de captura, fenômeno que ocorreria quando o ente regulador, responsável por cuidar para que os agentes econômicos executem suas atividades com qualidade, segurança e, no caso dos serviços públicos, modicidade tarifária, passasse a tomar decisões claramente no interesse prioritário dos regulados. Certamente, é mais difícil os membros de um órgão colegiado incorrerem em erro, ou serem corrompidos na integralidade (ou na maior parte), do que um único indivíduo.

O Brasil inovou ao acrescentar à teoria econômica a captura política. Essa é o que nos aflige no momento e interfere não apenas em eventuais decisões do órgão regulador, mas na sua própria composição.

Na tentativa de evitar esse tipo de distorção, a lei criou exigências para o preenchimento das diretorias das agências. Os candidatos devem ser "brasileiros, de reputação ilibada, formação universitária e elevado conceito no campo de especialidade dos cargos para os quais serão nomeados", conforme exige o art. 5º da Lei 9986/00. A aferição desses requisitos é feita por dois dos poderes da República: o chefe do Poder Executivo, que tem a prerrogativa da indicação e nomeação dos diretores, e o Senado Federal, que deve sabatinar os candidatos, cabendo-lhe vetar aqueles que não atendam aos comandos legais. Assim, se é verdade que o Executivo tem culpa quando indica técnicos sem a qualificação devida, em razão de interesses meramente partidários, o Legislativo é conivente com essa situação ao tornar a sabatina um ato meramente protocolar, abdicando de suas obrigações legais.

A lei também assegura aos diretores estabilidade no curso do mandato. Eles somente perdem o cargo por renúncia ou em situações previstas na lei, garantia que existe para evitar a confusão entre órgão de Estado e de governo, assegurando sua autonomia decisória. E mais, os mandatos dos diretores não são coincidentes. Isso busca simultaneamente evitar mudança abrupta de diretrizes regulatórias e permitir a oxigenação do ente ao longo do tempo.

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Mas... por que introduzir agências reguladoras na administração pública brasileira? Para responder a essa pergunta, temos que retornar aos anos 1990.

A Constituição de 1988 trouxe uma reordenação da participação do Estado na economia, reduzindo sua função empresária. Nesse contexto, a Medida Provisória 155/90 instituiu o Programa Nacional de Desestatização, que incluiu tanto a privatização de empresas estatais como a delegação da execução de serviços e parcelas dos monopólios públicos à iniciativa privada.

Na passagem de uma realidade em que o Estado era simultaneamente executor e regulador de setores de infraestrutura para um modelo em que o poder público delegaria contratualmente essas atividades à iniciativa privada, considerou-se que conferiria maior segurança jurídica a outorga da gestão desses contratos a um ente estatal autônomo e especializado. Especialmente porque, em diversas situações, o Estado, considerado em sentido amplo, pode ser simultaneamente (i) o poder concedente; (ii) o regulador da atividade delegada; e (iii) o executor de parcela da atividade, já que, em alguns casos, como no setor elétrico, convivem empreendedores privados e estatais. O sucesso do modelo institucional das agências reguladoras fez com que também fossem adotadas em setores regidos pelo princípio da livre iniciativa, como saúde suplementar e vigilância sanitária.

Em suma, agências reguladoras possuem autonomia reforçada para que sejam capazes de tomar decisões de elevada complexidade técnica com equidistância face aos interesses envolvidos, sejam governamentais, sejam de mercado ou de usuários e consumidores.

Que a operação Porto Seguro sirva de alerta para que as agências sejam respeitadas, sua autonomia decisória e financeira reafirmadas, de modo que possam cumprir fielmente sua finalidade institucional, umbilicalmente atrelada a sua própria razão de existir.

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