'Aliás' escolhe dez grandes lançamentos de maio

Entre eles está 'A História do Senhor Sommer', de Patrick Süskind, delicada fábula sobre um ser isolado com desenhos de Sempé

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Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

Contariando a onda negativa que cerca o mercado editorial brasileiro, com um encolhimento de 8% durante a pandemia, os lançamentos de maio trazem títulos excepcionais em todas as áreas, dos diários de Kafka a um livro sobre Cézanne, passando por um dicionário de Machado de Assis e um livro de contos sobre a pandemia editado pela New York Times Magazine. Abaixo estão dez títulos essenciais lançados este mês.

Ilustração de Sempé para o livro 'A História do Senhor Sommer', de Patrick Süskind Foto: Sempé

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A HISTÓRIA DO SENHOR SOMMER Editora: 34 Autor: Patrick Süsskind 96 páginas, R$ 58 Dentro da coleção Fábula, organizada pelo tradutor de A História do Senhor Sommer, este livro de Patrick Süsskind destaca-se também pelas ilustraçõies de Sempé, tão delicadas quanto o texto do autor do best-seller O Perfume. Ambientada na Alemanha do pós-guerra, a novela acompanha a formação de um jovem, obrigado a estudar piano com uma professora tirana, que volta e meia topa com a figura de um estranho andarilho que, segundo imagina o garoto, sofre de caustrofobia por andar de um lado para o outro, sem destino, rejeitando o contato humano. Süsskind adora o desafio de lidar com temas difíceis – e entender a verdadeira natureza do enigmático senhor Sommer é mesmo um problema. Escreveu a novela em 1991 e vive na sombra, distante do estardalhaço de O Perfume, entre a Baviera e Montolieu, um pouco como o seu personagem. Ele e Sempé são velhos amigos. O desenhista francês colaborou com ele também em O Combate, publicado há dois anos.

PROJETO DECAMERÃO Autor: vários Editora: Rocco Páginas: 320 Preço: 39,90 Quando a pandemia cresceu há um ano, levando o mundo ao isolamento, um fenômeno literário aconteceu: as vendas de Decamerão, de Bocaccio, cresceram nos EUA, a ponto da New York Times Magazine publicar 29 histórias sobre as relações que os escritores estabeleceram com o coronavírus. O projeto buscava replicar o modelo de Bocaccio em seu clássico, em que um grupo de homens e mulheres se reúnem fora de Florença, onde assola a peste negra, para contar histórias picarescas e afastar a doença. No caso de O Projeto Decamerão’ elas não são tão picarescas assim. Trazem até mesmo o sabor amargo de quem experimenta o isolamento com a sensação de que o mundo nunca mais será o mesmo depois da pandemia. Entre os autores selecionadores está um brasileiro, Julian Fuks, que fala de autoridades desdenhando da doença e das medidas preventivas contra o vírus. Parece familiar? Entre os bons autores da antologia estão Colm Tóibin, Alejandro Zambra e Mia Couto.

LAR EM CHAMAS Autora: Kamila Shamsie Editora: Grua 284 páginas, R$ 59,90 Livro vencedor do prêmio Women’s Prize for Fiction de 2019, ele havia sido selecionado dois anos antes como finalista do Man Booker Prize, o mais importante da Inglaterra. Nele, Kamila Shamsie conta a jornada de Isma, de 19 anos, que passa a cuidar dos irmãos menores gêmeos após a morte da mãe. Ingleses de ascendência paquistanesa, os garotos partem de Londres quando Isma completa 28 anos. Ela, para um doutorado, a irmã Aneeka para cursar direito e o irmão Parvaiz, para seguir o caminho do pai e se integrar como jihadista ao Estado Islâmico. O romance de Shamsie é um aggiornamento da tragédia grega de Sófocles, Antígona. Como tal, trata de questões profundas como nacionalismo e divisões internas de fidelidade ao lugar de nascimento e o confronto com outra realidade longe da terra natal, além, claro, da devastação causada pelo rompimento do núcleo familiar. Shamise tem uma história publicada em O Projeto Decamerão.

ARENDT: ENTRE O AMOR E O MAL Autor: Ann Heberlein Editora: Companhia das Letras,  242 páginas, R$ 65

O título da biografia escrita por Ann Heberlein já entrega o conteúdo. A doutora em teologia e ética sueca vai falar do polêmico relacionamento amoroso entre a filósofa Hannah Arendt e o pensador Martin Heidegger. Ela, judia, ele, um filósofo com estreitos laços que o ligavam ao nazismo. Com a distância entre eles e a mudança para os EUA, Arendt parecia longe desse inferno quando Adolf Eichman é capturado por agentes sionistas na Argentina e Hannah cogita assistir ao julgamento do nazista, cobrindo o acontecimento para a revista New Yorker – e retratando o criminoso como um “insosso” burocrata que estava cumprindo seu trabalho. É desse julgamento que sairá a frase mais conhecida da filósofa sobre a banalidade do mal, não escapando de suas críticas o próprio julgamento, transformado, segundo ela, num “indigno espetáculo”. A autora, páginas adiante, discute o que fala Arendt sobre do poder do perdão para a libertação da alma humana.

CRÔNICAS DE PETERSBURGO Autor: Fiódor Dostoievski Editora: 34 96 páginas, R$ 42

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A Editora 34 tem feito um primoroso trabalho de edição das obras do russo Dostoievski, encomendando traduções excelentes. Crônicas de Petersburgo, traduzido por Fátima Bianchi, não é exceção. Textos originalmente produzidos para uma seção dominical de um jornal, Crônicas de Petersburgo é, de fato, o que o título promete: um retratos pessoal da cidade mais glamourosa da Rússsia. Dostoievski diz que sobre um único encontro na avenida Niévski é possível escrever um livro inteiro, mas ele se contenta em dar pinceladas aqui e ali para revelar o cotidiano de uma cidade que, sem ser Paris, tem lá seus milhares de flanêurs. Dostoievski compara Petersburgo a um filhinho mimado – fica assustado como se gasta dinheiro na cidade quando há tantos humilhados e ofendidos em sua Rússia. Entre os personagens abordados pelo escritor está Iluian Mastákovitch, que apareceria em dois contos escritos em 1848 por ele (um deles sendo Um Coração Fraco. Surpreende em algumas crônicas o humor de Dostoievski.

O ARTISTA IMPRODUTIVO Autor: Laura Erber Editora: Âyiné 180 páginas, R$ 89,90 Escritos entre 2015 e o ano passado, os 13 ensaios da escritora e artista Laura Erber abordam os mais variados temas, da interlocução direta do crítico Mário Pedrosa com curadores internacionais às “armadilhas do legado duchampiano”, em que analisa o trabalho de contemporâneos como belga Francis Alys e os projetos de Caroline Woolard. Um dos melhores ensaios é o dedicado ao escultor Tunga, a quem ela confere o poder de ter libertado sua arte das “obrigações retóricas”, definindo-o como um artista do Antropoceno muito antes de a palavra ter entrado na moda. No livro, ela também presta homenagem a Ivens Machado. Mas Laura Erber não fala apenas de artistas homens em seu livro. Anna Bella Geiger merece um encorpado ensaio sobre o trabalho antropológico empreendido pela artista em torno da construção da brasilidade a partir da cultura indígena. Outro ensaio importante é o que dedica aos pintores negros do século 19 no Brasil.

FRANZ KAFKA: DIÁRIOS Editora: Todavia 576 páginas, R$ 99,90. Traduzido pela primeira vez integralmente no Brasil por Sérgio Tellaroli,  Frank Kafka: Diários cobre o período entre os anos 1909 a 1923, ou seja, entre os 26 e os 39 anos do escritor checo, uma das vozes mais originais da modernidade literária. Nascido numa família judaica de classe média e formado em advocacia, Kafka, ainda jovem, descobriu que não iria passar a vida atrás da escrivaninha da companhia de seguros para a qual trabalhava e começou a escrever contos nas horas vagas e a ler – muito. Entre os autores que lê estão estudiosos da obra de Dickens (em 1911) e os diários de Goethe (no mesmo ano), o que talvez explique sua necessidade de manter um registro de suas atividades cotidianas. Nesses diários estão suas impressões sobre literatos, pintores (Alfred Kubin) e figuras como o filósofo Rudolf Steiner, criador da Antroposofia, oportunidade em que discute de modo ligeito a teosofia. Kafka parecia intuir que não chegaria aos 40 (passou um pouco, morrendo de insuficiência cardíaca). Ele diz isso numa das páginas do diário, em outubro de 1911. Outro assunto recorrente: seus sonhos (ou pesadelos), que descreve em detalhes. Um livro para quem quer saber mais sobre o autor de Metamorfose.

CONVERSAS COM CÉZANNE Editora: 34 320 páginas, R$ 66 Neste precioso livro organizado pelo historiador de arte Michael Doran, que foi bibliotecário no Courtauld Institute of Art, de Londres, na década de 1970, desfilam grandes conhecedores da obra de Cézanne, de Ambroise Vollard a Maurice Denis. Na primeira parte estão documentos difíceis de serem localizados e que agora estão disponíveis, entre eles cartas trocadas entre Cézanne e Émile Bernard. Na segunda parte de Conversas com Cézanne estão reunidos textos sobre sua obra, de difícil compreensão para seus contemporâneos, mas fundamentais para o desenvolvimento da arte moderna, como reconhece Denis no derradeiro ensaio do livro, ele que, antes de conhecer Cézanne, achava se tratar de um mito, um pintor que não existia. Um perfil de Cézanne escrito por Bernard é um dos pontos altos do livro, no qual ele descreve o pintor como “preguiçoso” e amante da literatura na juventude. A edição traz ainda um outro presente: o posfácio do pintor paulista Paulo Pasta, que compartilha a ideia de que Bernard foi que melhor contribuiu para a revelação de sua pintura.

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DICIONÁRIO DE MACHADO DE ASSIS AUTOR: UBIRATAN MACHADO Editora: Imprensa Oficial/ABL 592 páginas, R$ 190 Nesta segunda edição revista e ampliada do Dicionário de Machado de Assis, uma parceria da Academia Brasileira de Letras, Imprensa Oficial e Imprensa Nacional de Portugal, foram acrescidos 120 novos verbetes e ilustrações inéditas do caricaturista paraense J. Bosco, além de fotos raras de Machado e dos ambientes que frequentou. A primeira edição do dicionário saiu em 2008. De lá para cá originais do escritor que os especialistas consideravam perdidos foram encontrados. Os verbetes falam desde a relação de Machado com as artes plásticas (ele conservada em casa uma cópia de Louis David) até sua amizade com o paraense José Veríssimo, considerado um de seus principais interlocutores e intérpretes de sua obra – era também seu crítico preferido. O dicionário revela um lado menos conhecido de Machado, o do protofeminista que saudava a entrada das mulheres em profissões até então reservadas a homens, colocando ainda em discussão a epilepsia de Machado, analisada por especialistas.

REFLEXÕES SOBRE A COR Organizador; Marco Giannotti Editora: WMF/Martins Fontes Páginas: 438 Preço: R$ 89,90 Os seminários do Grupo de Estudos Cromáticos do Departamento de Artes Plásticas da Universidade de São Paulo têm colocado em discussão temas sobre o fenômeno cromático pouco explorados. Em Reflexões sobre a Cor, organizado pelo professor e também pintor Marco Giannotti, artistas, arquitetos, educadores e pesquisadores discutem vários aspectos da cor – como técnica e linguagem, seu uso na arquitetura etc. Um interesse particular na tecnologia como facilitadora para entender a natureza cromática parece despertar nos autores um desejo de especular como será a relação do homem com a cor no futuro, mas o livro trata tanto da cor na tradição pictórica da Igreja (ícones) como a construção espacial no Renascimento por meio de uma nova ordem cromática (este ensaio assinado pelo próprio Giannotti, que fala de outras teorias antigas sobre a cor, como a do tratado de Goethe). Um dos mais interessantes ensaios é o de Madalena Hashimoto sobre como os japoneses lidam com as cores, a ponto de terem proibido o uso de algumas delas pela plebe. 

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