Almoço com as consulesas

No cardápio, o medo do Zika Vírus, o aborrecimento do trânsito, elogios à realeza e críticas contidas ao momento político do País

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Foto do author Gilberto Amendola
Por Gilberto Amendola
Atualização:

Poucos objetos são tão aristocráticos quanto um talão de cheques. Não, não uma folhinha avulsa, dessas que se pode retirar em alguns caixas eletrônicos da cidade, mas um TALÃO. Vinte folhas. Novinho. Com capinha e tudo. Artigo raro. Quase um fetiche.

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Então, voyeristicamente falando, ela abre a bolsa para pegar o talão dourado. Não, ela não vai procurá-lo (ou caçá-lo) como se estivesse perdida em uma blague pouco inspirada. Ela, simplesmente, saca o talão de cheques com seus dedos de pinça, num gesto delicado e minimalista.

Apoiando-se no braço da cadeira em que está sentada, ela amacia o talão de cheques deslizando a palma da mão direita sobre suas folhas, evitando qualquer ondulação ou acidentes esferográficos. Só depois de certificar-se de que nada poderá impedir o bom deslizar da tinta, preenche o cheque com a gravidade de quem acaba de assinar um armistício entre povos inimigos.

O cheque de R$ 500 corresponde à taxa anual da Aconsp (Associação das Consulesas de São Paulo). Portanto, é preenchido por uma das integrantes do grupo, que faz educadas objeções ao fato de estar sendo observada em momento tão íntimo e pede para não ser identificada.

Discrição é mesmo a moeda mais valorizada pela associação. Embora exista oficialmente desde 2004, pouco se tem notícia dessa reunião de consulesas e senhoras da alta sociedade paulistana (mesmo sem fazer parte de nenhum corpo consular, nossas socialites possuem uma espécie de carteirinha vip para frequentar o exclusivíssimo grupo). Atualmente, a Aconsp tem em seus quadros mulheres de 35 a 85 anos. “A entidade serve como um ‘receptivo’ para quem precisa encarar São Paulo pela primeira vez. Ajudamos nossas associadas a escolher a escola das crianças, médicos de confiança, bons restaurantes e, claro, criarem seus primeiros vínculos de amizade na cidade. As diferenças de idade e de cultura são o que existe de mais relevante em nossa associação”, explica a presidente da associação e consulesa de Portugal, Mafalda Lourenço.

  Foto: GABRIELA BILO | ESTADAO CONTEUDO

O dinheiro arrecadado pelas consulesas vai para a organização de eventos beneficentes como brunches, chás, bingos e almoços – ações que já trouxeram resultados práticos, como a doação de um mamógrafo para o Instituto Se Toque, apoio financeiro na construção de um centro de dança para crianças carentes e muitos outros.

Neste ano, o primeiro encontro do grupo aconteceu no final de fevereiro, no São Francisco Golf Club, em Osasco. Trata-se de um clube criado pelo conde Luiz Eduardo Matarazzo em 1937 e, atualmente, administrado pela condessa Graziella Matarazzo Leonetti. Aliás, é a condessa, com aquele ar hippie-chique de quem soube aproveitar os anos 60/70, a responsável por receber as primeiras convidadas, que vão chegando de táxi, dirigindo seus próprios carros ou de carona em veículos oficiais de placa azul.

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Logo nas apresentações, consulesas e socialites enfatizam a importância do título de nobreza da anfitriã. Uma delas, espontaneamente, começa a tecer loas à monarquia e aos bons tempos. “Que lugar bonito, que coisa fina. Nem parece Osasco”, comenta uma sorridente senhora, nitidamente encantada pelo fato de descobrir que existe um campo de golfe (amplo, profissional, arborizado, glamouroso) no meio de uma das cidades mais populosas do Brasil e ainda marcada por frequentar o noticiário policial com muito mais frequência do que as colunas sociais.

Assaltos. Da lista de convidadas, uma baixa sentida foi a da consulesa da França, Alexandra Baldeh Loras, que esse ano foi destaque no desfile da escola da samba Vai-Vai. Esperava-se também a consulesa honorária de Mianmar, Tuza Cury – bem como representantes de Israel, Letônia, Lituânia, Malta e outras. Sobre as ausências dizia-se que o grande culpado seria o trânsito de São Paulo. “As únicas coisas que não nos acostumamos aqui é o trânsito e os assaltos”, afirma uma convidada vip que prefere permanecer anônima porque falar em “assaltos” não seria de bom tom.

Das consulesas presentes, apenas duas não dominam o português, as representantes da Coreia do Sul, Monica Lim, e da África do Sul, Mmaikeletsi Melanie Dube. Monica mostrou-se impressionada com a diversidade do País, com a quantidade de frutas e nossa variedade meteorológica (diz não acertar se o dia vai ser quente ou frio). Já Mmaikeletsi fez elogios ao Brasil, mas lamentou que “quase ninguém fale inglês por aqui”. O idioma preponderante no encontro era o português, o que exigia um esforço das duas consulesas.

Uma das participantes mais solicitadas nas rodinhas era a consulesa da Nova Zelândia, Sonia Hays. Nascida na Espanha, com longa passagem por Londres, parecia a mais cosmopolita da turma – e não se furtou a responder à incessante pergunta: “o que é que tem pra fazer na Nova Zelândia”? Questão que ela respondia ressaltando as belezas naturais do país. Conversas sobre mudanças para Miami e a dificuldade em escolher um par de sapatos compunham o ambiente.

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O saxofonista Keller Jr., contratado pela presidente da Liga das Senhoras Húngaras, Ingrid Saurer, para, segundo ela, “dar um toque de amor e emoção ao almoço”, abre os trabalhos com uma versão de Fascinação (Os sonhos mais lindos sonhei/De quimeras mil, um castelo ergui...). O músico se faz acompanhar por uma base pré-gravada, algo muito comum em churrascarias populares: “O que elas pedem mais são músicas latinas, daquelas dançantes. Também gostam de Luis Miguel e boleros”.

O serviço americano do almoço é humanizador. Ver socialites em fila indiana, com um pratinho nas mãos, aguardando a vez de atacar o bufê, e cuidadosas para que o molho não manche os vestidos, chega a ser comovente. Os garçons também estão lá, mas se concentram apenas na bebida, na função de servir água, refrigerante e um champanhe nacional de pouco prestígio.

No cafezinho depois do almoço, o mosquito da dengue e os temores do zika foram os digestivos mais concorridos. Não faltaram indicações de repelentes sensacionais, comentários sobre a vergonha internacional que o Aedes estaria impondo ao País e até uma versão de que o zika serviria de distração para os nossos problemas políticos e econômicos (versão que uma das participantes teria ouvido de um taxista bem informado).

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A diretora da associação e embaixadora do Panamá, Estela de La Guardia Donatti, fala sobre as convidadas do almoço e conta que a entidade também abriga ex-primeiras damas da Prefeitura e do Governo do Estado, como Alaíde Quércia, Ilka Fleury, Mónica Serra, Deuzeni Goldman. “Por isso, tentamos evitar ou, pelo menos, controlar o debate político no grupo. Claro que, durante um almoço ou um simples encontro, esse tipo de assunto surge com alguma frequência.”

Elas falam de política, mas vão medindo palavra por palavra, fugindo de polêmicas, com pequenas e deliciosas desatenções. Daquilo que foi entreouvido no café, pode-se dizer que a presidente da República e o prefeito de São Paulo não gozam de grande prestígio. Coisas como “Ela não manda mais em nada” e “A cidade está um lixo” foram “pescadas” de conversas ao pé do ouvido. O ex-presidente Lula também não estava entre as figuras mais queridas naquele recinto. Ao serem inquiridas sobre o tema das conversas, as senhoras cheias de prudência avisavam: “Só frufru”, “Coisas de mulher” e “Dicas de viagem”.

Contra todos os prognósticos, Amaury Junior não estava presente. Por outro lado, um correspondente internacional apareceu no encontro procurando entrevistas sobre investimentos e negócios em tempos de crise. Invariavelmente, ouviu de consulesas e das convidadas vips que esse tipo de assunto teria que ser tratado com seus respectivos maridos – o que soou pouco empoderado.

Quem aceitou falar abertamente de política foi outra condessa, Maria Thereza Matarazzo, mãe do pré-candidato à Prefeitura de São Paulo, Andrea Matarazzo. “Não me comove ser mãe do prefeito. Essa cidade é muito grande e difícil. Tenho medo de ser vaiada nas ruas. Mas, se é o que ele quer...”, diz. Ela preferia não tecer comentário sobre o oponente de seu filho na disputa tucana, o também pré-candidato João Dória Jr.

A dermatologista Ligia Kogos parecia uma das mais empolgadas com o encontro – não se furtando em prestar um atendimento emergencial para o joelho ralado de uma convidada que escorregou na parte externa do casarão. Ligia disse que, como associada da Aconsp, já fez muita gente pensar que ela também fosse uma consulesa. “O que eu gosto nesse clube é a diversidade”, fala. “Gosto tanto de diversidade que eu queria que o Brasil fosse dividido em pequenos reinos, com seus costumes e cultura”, completa. “Não sou separatista, jamais seria, mas acho que seria positivo se São Paulo fosse um reino, se o Rio de Janeiro fosse um reino, se o Nordeste fosse um reino...”

Já no finalzinho da tarde, quando muitas consulesas se preparavam para ir embora, reunimos as participantes no salão do casarão para uma foto final, uma que contemplasse a maioria das presentes e que ficasse bonita no jornal. Depois do retrato, as convidadas cercaram a fotógrafa pedindo o cartão ou um outro contato dela. Satisfeitas com o resultado, queriam propor novas oportunidades de trabalho, como fotos de batizados, casamentos de família, aniversários de crianças e outros convescotes.

Keller Jr., o saxofonista, voltou ao seu posto e ainda fez um pot-pourri com clássicos de Frank Sinatra. Os últimos cheques foram preenchidos, últimos beijos no rosto e promessas de futuros encontros. A condessa estava feliz e emocionada. Aparentemente, as portas do Golf Club e do kingdom of Osasco estarão sempre abertas.

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Dia das Mulheres. Na terça-feira passada, a associação organizou um evento na suíte presidencial do Hotel Tivoli Mofarrej. O Dia das Mulheres foi comemorado com um ciclo de palestras que pretendiam “debater diferentes temas do universo feminino”. Entenda-se por “universo feminino” assuntos como saúde, bem-estar, moda e cultura. Entre os palestrantes, estavam a escritora e dramaturga Maria Adelaide Amaral; o médico ginecologista Renato Kalil; a gastrônoma-designer Simone Mattar; a consultora de estilo e imagem Mari Cury; e a cool hunter Sabina Deweik. O dinheiro arrecado nessa ação foi revertido para a instituição Amparo Maternal. Tudo um pouco old-fashioned demais, com ar de revista Claudia, Seleções e Rotary Club.

Perguntadas sobre a posição da Associação de Consulesas sobre o feminismo, muitas responderam que “não”, que não eram feministas, mas “femininas”, e que “gostavam de receber flores”. Além disso, garantiram não haver incômodo se alguém, por descuido, viesse com aquela história de que uma consulesa é aquela “grande mulher por trás de um grande homem”. Ou que ainda, inocentemente, repetisse que a função básica de uma consulesa seria “dar suporte ao cônsul”. Já no fim do evento, Maria Adelaide Amaral falou de feminismo, Camille Paglia, Simone de Beauvoir e avisou que “adora conversar com peruas”. A plateia aplaudiu com entusiasmo.

  Foto: Tiago Queiroz | ESTADÃO CONTEÚDO