Anne Carson investiga obra de Marcel Proust em livro

Poeta canadense tem 'O Método Albertine' recém-lançado no País

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Por Sérgio Medeiros
Atualização:
A escritora e poeta canadense Anne Carson, cujo livro 'O Método Albertine' é lançado no Brasil Foto: Jeff Brown

O lançamento da obra O Método Albertine, da poeta e ensaísta canadense Anne Carson, deve ser comemorado por todos os leitores brasileiros. Nascida em Toronto em 1950, Anne Carson era, até a publicação desse pequeno livro em português, praticamente inédita no País, apesar de ser considerada uma das grandes poetas da atualidade, com vários livros publicados em inglês. Também é elogiada tradutora de Safo, sobre quem escreveu um ensaio e um libreto de ópera, incluídos no livro Decreation (2005).

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Para se entender a importância de O Método Albertine, cuja edição original é de 2014, é preciso mencionar outras obras de Carson, sobretudo aquelas que vêm sendo citadas pelos estudiosos como seus títulos mais importantes.

Lançado em 1998, o poema épico Autobiography of Red, para muitos críticos seu livro mais importante, é definido pela própria autora, na página de rosto, como um romance em verso. E, de fato, pode-se lê-lo dessa maneira, ou de várias outras. A poesia de Anne Carson é fascinante na medida em que quase sempre surpreende o leitor, o qual, num primeiro contato com ela, poderá não saber ao certo como “classificar” o texto desconcertante que tem nas mãos. O poema, ou romance, narra as aventuras de um herói contemporâneo, cuja história remete, no entanto, à mitologia clássica, sendo, por isso, batizado de Gerião (Geryon, em inglês), em referência ao monstro de três corpos e seis braços cujo mito está ligado ao décimo trabalho de Hércules. O Gerião contemporâneo é um fotógrafo gay que possui um par de asas, sempre ocultas sob a roupa. Após deixar o Canadá natal, ele viaja pela América do Sul, chegando à Argentina, onde mantém contatos hilariantes com psicanalistas locais, entre tangos “fossilizados”; depois embarca para o Peru, onde viverá uma aventura mítica que não é apenas grega, mas também ameríndia, já que terá, entre as montanhas desse país, a experiência de imergir num vulcão, entre sons eloquentes da língua quéchua, falada na região. Guiado por Hércules, de quem fora amante, e por um novo amigo peruano, cuja mãe é traficante, o herói “vermelho” vivencia, no final, a explosiva ligação entre geologia e caráter.

Em outro livro também muito aclamado pela crítica, The Beauty of the Husband, Anne Carson envia o belo marido infiel para o Rio de Janeiro, onde ele passa uma temporada convivendo com cariocas aparentemente boêmios. Na folha de rosto, a poeta apresenta a obra como “um ensaio ficcional em 29 tangos”. Além dessa referência explícita à cultura latino-americana, deve-se destacar também a fronteira porosa entre ficção, ensaio e poesia (letra de tango) que a autora explora não só nessa obra, mas em várias outras, como, por exemplo, no breve O Método Albertine.

Embora não seja um dos textos principais de Anne Carson, nem por isso deve ser considerado um trabalho menor da autora. Temos nele um exemplo do diálogo da poeta com seus predecessores modernos, no caso, com Marcel Proust e Em Busca do Tempo Perdido. Além do mais, por sua delicadeza, argúcia e concisão, o texto é uma oportuna amostra da literatura sedutora e imprevisível da escritora canadense. Na primeira parte, o texto é uma colagem de imagens e situações retiradas da obra de Proust, com acréscimos de alguns comentários biográficos e críticos sutis e humorados. 

Mas é na segunda parte, constituída por uma sequência de apêndices que comentam as passagens anteriormente selecionadas, que a autora revela finalmente toda a potência da sua escrita, seja definindo saborosamente o termo “blefe”, por exemplo, seja descrevendo com ironia uma foto de Proust e Alfred Agostinelli em 1997, “sentados em um veículo motorizado, vestidos para viagem”. Ambos parecem estar se deslocando no espaço em alta velocidade (na época, o limite de velocidade na França era de 15 km por hora), mas é “claro que eles estão sentados no carro imóveis como pedra”. Essa passagem remete ao início do ensaio (ou poema) de Anne Carson, onde lemos, no primeiro fragmento: “Albertine, o nome, não é comum para uma garota na França, embora Alberto seja usual para meninos”. Por conta disso, ela concorda com os estudiosos do romancista francês que afirmam que Albertine, a heroína de Em Busca do Tempo Perdido, seria uma visão disfarçada do chofer de Proust. Mas isso não importa, ou parece irrelevante para o leitor do romance. “A tragédia do caso Marcel-Albertine”, como opinou Samuel Beckett, “é a tragédia arquetípica das relações humanas, cujo fracasso é preestabelecido”.

“É sempre enganador”, afirma Carson, “o problema de se ler o texto de um autor à luz da sua vida ou não”. Na visão de Proust, Albertine não é um objeto sólido: “É impossível conhecê-la.” 

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*Sérgio Medeiros é poeta, dramaturgo e ensaísta. Publicou, entre outros, 'A Idolatria Poética e a Febre de Imagens' e 'As Emas do General Stroessner', ambos pela Editora Iluminuras. Ensina literatura na UFSC.

Capa do livro 'O Método Albertine', de Anne Carson 

O Método Albertine Autora: Anne CarsonTradução: Vilma Arêas e Francisco GuimarãesEditora: Jabuticaba 45 páginas R$ 20

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