‘Os Sabiás da Crônica’ celebra autores do gênero

Livro é inspirado em foto de escritores da extinta Editora Sabiá

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Por Matheus Lopes Quirino
Atualização:

É invejável pensar numa editora que em seu time de autores teve Carlos Drummond de Andrade a Clarice Lispector, vivos e na ativa. Feito extraordinário e ousado é creditado à memória dos escritores Fernando Sabino e Rubem Braga, responsáveis pela criação de casas como a Editora do Autor, depois desdobrada em Sabiá, verdadeiros ninhos que chocaram aves de voos rasantes, publicando brasileiros e estrangeiros, de Graciliano Ramos a Jean Paul-Sartre, em plena efervescência cultural dos anos 1960. 

A Sabiá, cuja foto de divulgação da editora, datada do verão de 1967, ilustra Os Sabiás da Crônica, ganhou força e credibilidade pela amizade entre os cronistas da época. Dentre eles, Sabino e Braga apostaram nas gerações que publicavam em jornais e revistas. Na sessão, devidamente engravatados, não demora para se notar nas fotos que acompanham o volume a descontração do grupo boêmio que vai desabotoando paletós sob as lentes do experiente Paulo Garcez, outrora editor de imagem d’O Pasquim, com vasto currículo como retratista, hoje nonagenário. De “penetra”, o jovem cantor e compositor Chico Buarque, pupilo de um time de letristas de primeira categoria. 

Autores posam com o jovem Chico Buarque Foto: Paulo Garcez

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“Este livro é uma maneira de resgatar a arte do encontro, da amizade entre escritores que marcaram gerações”, conta Maria Amélia Mello, pesquisadora da crônica brasileira e responsável por trazer de volta ao mercado editorial, ainda na José Olympio, títulos e autores da Era de Ouro da Crônica (1920-1970). Na antologia Os Sabiás da Crônica, Mello conta que seu insight surgiu quando, despretensiosamente, deparou-se com a foto em que estão reunidos Braga, Sabino, Stanislaw Ponte Preta, Carlinhos Oliveira, Vinicius e Paulo Mendes Campos. 

Mello deu continuidade a tradição iniciada por Sabino e Braga em estabelecer a crônica como gênero literário e provar para a crítica sisuda e acadêmica que o patinho feio da literatura, enfim, teria seu lugar nas livrarias, ao lado de aves mais pomposas. São 90 textos, 15 de cada autor, organizados por pontos comuns, como por exemplo as paixões musicais de cada escriba. 

“Eram escritores ativos na imprensa carioca, às vezes diariamente, escrevendo suas impressões sobre a cidade. O Rio de Janeiro foi um importante ponto de encontro desses escritores, seja pela boemia, pela modernidade e pela imprensa fortíssima daquela época”, completa Mello. Com diários e revistas se proliferando pela grande imprensa à alternativa, a crônica brasileira encontrou terrenos múltiplos para florescer, tendo o gênero a roupagem de camaleão, a depender do escritor, inclinar-se para textos líricos, como os de Braga, poéticos, a lá Paulo Mendes Campos, hilariantes como os de Sabino, a escritos já com forte influência musical, como na crônica de Vinicius de Moraes, que dispensa comentários como letrista da MPB. 

A vizinhança ajudava. A incubadora dos sabiás da crônica era no número 42 da rua Barão da Torre, em Ipanema, onde morava Braga, na cobertura do edifício Barão de Gravatá. Residência antológica por ser palco de encontros literários e etílicos, como na foto de Garcez. Nessa altura da vida, um Braga já idoso via o mundo de cima, e suas observações ganhavam contornos líricos e idílicos, pois além de ter como vizinho da frente o mar, estava absorto em um jardim suspenso com árvores frutíferas e passarinhos. 

“A intenção do livro é abrir vários caminhos para o leitor, ele oferece um roteiro pelos bairros do Rio de Janeiro. Os cronistas estavam vivenciando a urbanização da cidade, a criação de lugares importantes para a intelectualidade carioca e o desaparecimento de outros tantos”, conta Augusto Massi, que organizou o livro a convite de Mello. “Podemos ver a influência do pós-guerra, os apertos da ditadura, que em plena década de 1960 ameaçava a modernidade”. 

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Lançada em 1967, a Editora Sabiá teve vida curta, mas exerceu um papel fundamental por publicar outros escritos de romancistas aclamados, todos críticos da ditadura. “Foi um período áureo para a militância política com humor. Isso sempre esteve presente na crônica de todos do grupo”, defende Massi. Progressistas, cada qual com seu estilo, não só de leveza viviam os cronistas, pois tratavam de temas espinhosos, como a desigualdade social, racismo e os perigos do autoritarismo. “Hoje é tempo da escrita de denúncia, da indignação, os nervos estão à flor da pele. À época, eles enfrentavam a situação com humor e repertório, mas dizer que estes autores estavam alheios aos problemas sociais é um equívoco”. 

OS SABIÁS DA CRÔNICA

Organização: Augusto Massi 

Editora: Autêntica 

352 páginas 

r$ 49,00 (impresso) 46,26 (e-book)

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