Antologia reúne 50 poemas de Fabio Weintraub

Poeta comemora duas décadas de publicação em livro com coletânea de obras inéditas e já conhecidas do público

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Por Sérgio Medeiros
Atualização:
Fabio Weintraub comemora 20 anos da publicação de seu primeiro livro de poemas Foto: Tiago Queiroz/Estadão

O livro Falso Trajeto, do paulistano Fabio Weintraub, reúne 50 poemas, publicados entre 1996 e 2016, em livros e revistas. Trata-se, como se lê na nota do autor, de “uma antologia comemorativa dos meus vinte anos de estreia em livro”. Porém, a antologia começa com um texto novo, Dentro da Placenta, e contém outros nove inéditos. Assim, o leitor poderá não apenas ler poemas dos livros Sistema de Erros (1996) e Treme Ainda (2015), mas também criações recentes em que as obsessões temáticas do poeta retornam mais poderosas do que nunca e unificam num todo coeso os poemas antigos e os novos. 

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O escopo da poesia de Weintraub é vasto e coerente, e sua visão de mundo, pouco lisonjeira com os seres humanos; ao expor a sua concepção grotesca do que somos, o poeta fala sem pudor tanto da vida embrionária quanto de cadáveres e ossos enterrados, numa linguagem sempre concisa e sarcástica. 

O corpo humano está sendo dilacerado ou mutilado e será em breve mais um cadáver a ser enterrado, lemos nos versos desta antologia tragicômica. Eis a lição mais didática destes versos corrosivos de Weintraub: “azeitona é o nome / comumente usado / para designar os projéteis / que recheiam um cadáver / (também conhecido como presunto)”.

A mutilação não é apenas uma experiência brasileira atual. Num poema que fala do Egito, A Rosa Púrpura do Cairo, lemos que “ontem nalgum / (deu na tevê) / subúrbio do Cairo / circuncidaram Hedla / aos dez anos”. Usaram um cutelo sem éter, esclarece o poeta, que se serve, para concluir a história (a menina poderá sobreviver ou não à essa operação caseira), de uma metáfora potente: o “saque” do clitóris. 

Quando se separam da placenta (“barriga de mãe / é o hotel mais caro do mundo”, afirma Weintraub no poema Hotel), os seres humanos parecem ter poucas oportunidades de viver bem até o final, e muitos são encaminhados logo cedo para o canteiro central da avenida ou se refugiam sob o viaduto, doidos e enfermos, “com mãos estendidas em busca / de algo para se escorar” (Alavanca).  Outros mais afortunados são encaminhados ao hospital ou ao asilo. Os moradores de rua e os idosos desmemoriados estão, porém, cada vez mais distantes de poder transmitir um legado à humanidade, como revela o poema Prazer.

A vertigem, o equilíbrio difícil, a paralisia, a desmemória são, portanto, temas privilegiados desta antologia sombria, que é, ao mesmo tempo, graças à sua linguagem, extremamente agitada e sedutora; seus versos decepam as mãos do sujeito contemporâneo, num dos momentos mais reveladores da nossa tragédia. A mão decepada já não pode aplaudir o espetáculo do mundo e “é atirada aos cães e perde as unhas”, enquanto a perna “se arruína em trombose” (Mão e Perna). Esse desmembramento do corpo não é, novamente, apenas uma experiência nacional, pois ossos enterrados estão por toda a parte: “nos Estados Unidos / há mais de 53 milhões de cachorros / cachorros que adoram enterrar ossos” (Love Me Tender).

Há vários poemas marcantes na antologia, como o que fala, por exemplo, da velhinha “com bico de papagaio / eternamente curvada / ela só sabe do céu / por caridade das poças”. Esse difícil passeio entre poças sujas que refletem o céu ecoa em outro poema ainda mais sintomático da antologia, o qual expõe a veia cômica do autor: a personagem imobilizada que faz uma “operação para a troca do quadril” e decide levar para casa a sua “bisteca”, pois não queria abastecer o banco de ossos do hospital. Faz então um banquete com a carne arrancada do seu corpo enfermo: “a carne soltou na fervura / provei um pedaço / joguei sal, alho, pimenta / abri uma taça de vinho / mandei ver”.

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O livro conclui com variações sobre o canibalismo, nos quais os personagens (“gourmets da dor”) não sacrificam aos deuses o outro (“o bode expiatório”), mas a si próprios, como se não tivessem saída. Os amigos são os convidados: “agora, chegando aos trinta / decide ser devorada / pelos amigos mais próximos / num rito antropofágico”. A isso nos levou, nos dias atuais, o falso trajeto da humanidade. 

*Sérgio Medeiros é poeta, tradutor, ensaísta, professor de literatura na UFSC e autor do livro de poesia 'A Idolatria Poética ou a Febre de Imagens', da editora Iluminuras

Capa do livro 'Falso Trajeto', de Fabio Weintraub Foto: Editora Patuá

Falso Trajeto Autor: Fabio WeintraubEditora: Patuá 80 páginas R$ 38

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