Arquivos do matemático Alexander Grothendieck serão abertos

Francês de origem polonesa morto em 2014 foi tido por alguns como o maior matemático do século 20

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Por Gilles Lapouge
Atualização:

A população de grandes matemáticos é pouco numerosa, algumas dezenas no mundo, por geração. Eles compensam sua raridade pela beleza de seus teoremas e às vezes por sua excentricidade. Eles são grandes produtores de notícias – suicídios, solidão, duelos mortais, eles vivem como se ladeassem um abismo. Anedotas são abundantes. Cito apenas uma: um russo, no final do século 19, quer cometer suicídio. Quando soar meia-noite, cometerá o ato. Enquanto isso, ele fica entediado e se distrai ao resolver um problema. O tempo voa como o vento e aqui está o amanhecer. A torre do sino toca seis vezes. Desanimado, ele termina sua equação e renuncia ao suicídio.

O matemáticofrancês de origem polonesaAlexander Grothendieck 

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Vamos voltar para a França. Um dia, em 2014 morre em uma vila em Ariege um francês de origem polonesa, Alexander Grothendieck, tido como “um gigante da matemática”. Coberto de glória, ele recebeu a medalha Field (uma espécie de Nobel dos matemáticos) em 1966. Qualquer outro manifestaria toda sua alegria. Ele fica cada vez mais irascível. Ele se muda para uma aldeia nos Pirineus. Seus cinco filhos às vezes o visitam. No restante, solidão. É um “original”, dizem os habitantes locais. Alguns chamam de “O Eremita”.

E há seus arquivos. Há quatro anos, esperávamos por eles e, recentemente, circulou em Paris o boato de que finalmente os veríamos sair. Resta ainda decifrá-los. Mas são enormes. Até agora, nenhuma instituição ou universidade ainda tomou posse desse “tesouro desconhecido”. Enquanto espera pelo acesso a ele, pode-se sonhar com o objeto cuidadosamente arrumado em caixas que o ermitão mandou a um carpinteiro, exigindo que seus pedidos fossem respeitados aos milímetros.

As caixas devem ser numerosas, pois as páginas que formam o tesouro estão no número de 70 mil, às quais devem ser acrescentadas outras 30 mil mantidas em outro lugar. Ao todo, 100 mil páginas. Tal é o tesouro que alguém poderá conhecer um dia. Então saberemos quais foram os sonhos do Eremita: “Ouro puro ou chumbo barato?”

Problemas, alguns dos quais, como o teorema de Fermat (século 17), que só Fermat foi capaz de demonstrar, após o que ninguém jamais conseguiu resolvê-lo? Há muito se diz que Grothendieck teria descoberto uma solução elegante para esse teorema. Mas é comumente considerado que o gênio matemático é precoce. É raro que algum indivíduo faça grandes descobertas em idade avançada. A Divina Providência teria concordado em fazer uma exceção a esta regra em favor do recluso? No momento, pelo menos, para a fúria dos impacientes e para os que buscam o prazer, ainda estamos no “estágio do silêncio”. Daqui a quantos dias o Tesouro falará?

O enigma é ainda mais obscuro porque Grothendieck não tinha um humor constante. Além disso, se muitos estudiosos proclamam o gênio do eremita, outros o apresentam como um “esquisitão”. Mas um dos grandes líderes de Bourbaki, Jean Dieudonné não tinha medo de dizer que os elementos geometria algébrica que Grothendieck já publicara eram do mesmo nível que os Elementos de Euclides.

É compreensível, diante de tantas opiniões divergentes, que os grandes institutos hesitem em comprar tais textos. A Biblioteca Nacional da França (BNF) foi designada pelo Eremita como depositária de alguns desses documentos, A BNF encarregou sua diretora de manuscritos para avaliar o lote. Esta mulher tinha ido a Ariege algum tempo após a morte do eremita. Seu relatório é sensível, comovente, mas permanece vago. Segundo o Le Monde, ela fala de um pensamento “marcado pelo sofrimento e pela autopercepção de si mesmo como vítima, da mesma maneira como o poeta Antonin Artaud, e da sua determinação em construir uma visão de mundo, apesar ou a favor da travessia de estados limites de consciência”. Bem... bem...

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No que se refere a uma avaliação, o relatório afirma que as famosas caixas não estavam cheias e que, além disso, os valores que seriam solicitados excedem em muito o orçamento que a França poderia dedicar a ele. Aos seus olhos, seria melhor pensar nas grandes universidades americanas, Yale, Harvard ou Princeton.

É onde nós estamos. Nos lugares silenciosos onde poucas pessoas aptas a compreender o pensamento do eremita ouvimos, aleatoriamente nos corredores, opiniões diferentes e em todas as trincheiras, “não vale a pena qualquer coisa”, murmura um entre seus dentes e um outro completa: “É um espanto.” Em outros lugares, a música é outra. Assim, a grande da geometria algébrica, Claire Voisin: “Uma impressão de riqueza avassaladora além de qualquer medida só é confirmada e aprofundada ao longo dos anos, até hoje.”

Este é o enigma sobre o qual em Chicago e Vladivostock, Londres ou São Paulo, as “grandes cabeças” do nosso século se inclinarão para nos ajudar a decidir entre nossas incertezas: “Um gênio ou um espanto?” / TRADUÇÃO DE CLAUDA BOZZO

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