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Coluna quinzenal do jornalista e escritor Sérgio Augusto sobre literatura

Opinião|As bodas olímpicas do prefeito

Cesar Maia diz que está ansioso como um noivo para o Pan. Com raiva dele, muitos cariocas rogam praga para a competição

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Atualização:

Um bode expiatório - o mau tempo - já foi afastado. São Pedro aderiu ao Pan 2007, prometendo céu limpo durante a competição. Se confirmada a greve dos funcionários da Infraero, nem aviões haverá no céu a partir da próxima quarta-feira. Já os mosquitos que assolam a Vila Olímpica parecem dispostos a manter seus vôos regulares, azucrinando e picando atletas, espectadores, jornalistas e autoridades - com ou sem a interferência do ministro Waldir Pires. ''''Eu me sinto ansioso como um noivo'''', confessou o prefeito Cesar Maia, a uma semana do início dos Jogos. E se suas núpcias resultarem desastrosas como as de Oscarito em Barnabé, Tu és Meu e Rossano Brazzi em A Condessa Descalça? Aí, que jeito?, providenciam-se outros bodes expiatórios. Só não vale sobrar para as empreiteiras (sempre acima do bem, do mal, e, sobretudo, da carne seca), nem para o Comitê Olímpico Brasileiro, nem para órgãos municipais. Se as pistas em frente à Vila Olímpica afundarem de novo, como já aconteceu três vezes este ano, e as gigogas voltarem a infestar as praias cariocas, expia-se a Cedae, a companhia de águas e esgotos do Rio, que é estadual. A Cedae, porém, nada tem a ver com a cindactal bagunça em que se transformou a venda de ingressos para o Pan (barbeiragem do Comitê Olímpico e da Ticketronic), nem com o atraso e o mal funcionamento de algumas obras, muito menos com o piso da plataforma do Parque Aquático Maria Lenk, mais escorregadio que um parlamentar (''''Aquilo é um sabão'''', reclamou a nadadora Juliana Veloso). Sei de gente que anda rogando praga contra o Pan porque é contra o prefeito ou está fula com sua administração. Ou, ainda, porque receia que o evento contribua para infernizar ainda mais o dia-a-dia da cidade, em especial seu trânsito caótico, impunemente congestionado por ônibus que circulam às moscas e 30 mil vans e kombis ilegais. ''''Torço para que muita coisa não funcione, para que a realidade da nossa administração e gerência seja exposta de forma vergonhosa perante o mundo'''', desabafou Marcelo Louzada de Araújo, na seção de cartas de O Globo, segunda-feira passada. ''''O Rio não está em condições de sediar nem campeonato de bolinha de gude, que dirá Pan, Copa do Mundo ou Olimpíadas'''', estrilou outro carioca, Roberto Novaes Valentim. Mas que tal uma olimpíada da violência, da corrupção, da impunidade e da incompetência administrativa? Num Pan da corrupção, por exemplo, levaríamos mais vantagens do que atualmente levamos no futebol. Nosso Senado tem mais suplentes do que a seleção brasileira, reservas. E, ao contrário do time do Dunga, suplentes à altura do titular. Gim Argello, o reserva de Joaquim Roriz, também é craque no rachuncho de cheques. Tem mais: nem treinando todo dia, Robinho conseguiria dar um ''''drible da vaca'''' como o de Renan Calheiros. Os desafetos do Pan 2007 não estão nem aí para os benefícios que o torneio poderá trazer para os cofres públicos, o turismo e o mercado de trabalho. Promessas, promessas. Invariavelmente acompanhadas de clichês do gênero ''''resgatar a auto-estima'''', dos cariocas e, por extensão, dos brasileiros. Os mesmos, aliás, invocados para o mutirão que se armou em torno da eleição do Cristo Redentor como uma das sete maravilhas do mundo. A combalida auto-estima dos cariocas carece de ações concretas, conseqüentes e permanentes, não de Panacéias executadas a toque de caixa, em detrimento de obras fundamentais para o bem-estar da população. Quem garante que as benfeitorias de agora serão menos cosméticas e efêmeras que as obras do Rio Cidade, show off eleitoreiro do mesmo Cesar Maia, no final de seu primeiro mandato como prefeito? Em 10 de dezembro de 2005, o prefeito admitiu que a conservação da cidade era o ponto fraco de sua administração. O Rio andava, mesmo, entregue às baratas: asfalto lunar; ruas mal iluminadas; calçadas cheias de buracos, carros estacionados e intrusos ciclistas; marquises desabando; postes e sinais de trânsito enferrujados; bueiros sem tampas; brinquedos dos parques quebrados ou malconservados; uma guarda municipal inoperante (a não ser para esporádicas prensas em camelôs); areia das praias loteada para outdoors; milhares de mendigos dormindo nas ruas (ainda eram 1.682 em novembro do ano passado). Praticamente nada de substancial mudou desde então. Certo, 20 ruas da Zona Sul e da Tijuca foram recapeadas ao custo de R$ 15 milhões, sacados da verba do Pan. Mas as calçadas continuam em petição de miséria e os pontos turísticos dominados por pilantras e assaltantes; os roubos a transeuntes aumentaram 25,98%; os quatro hospitais de referência para o Pan continuam com doentes de mais e médicos de menos. A Operação CopaBacana, também motivada pelos Jogos, apenas provocou a migração dos pivetes da princesinha do mar para Botafogo e adjacências. Há quem diga que Cesar Maia, no fundo, não gosta do Rio. Aleivosia. Ele é um carioca esquisitão, idiossincrático, que já foi visto pedindo sorvete em açougue e envergando um casaco sob um sol de 40 graus, apenas isso. Mas é preciso ficar de olho nele, já que sua porção Fiorello La Guardia é menor que a porção Jânio Quadros. Qualquer distração pode ser fatal. Extravagâncias e bobagens todo alcaide faz. As dele, contudo, podem custar muito caro ao bolso e à paciência do contribuinte, e até ao meio ambiente, conforme atestam o malogrado projeto do museu Guggenheim, cinco anos atrás; a garagem para barcos, de 15 m de altura, na Marina da Glória, felizmente inviabilizada pela grita de arquitetos e urbanistas; e o absurdo complexo estádio-shopping center do Flamengo, nas proximidades da Lagoa Rodrigo de Freitas, cuja construção, aprovada em decreto pela Prefeitura, promete transformar o trânsito da Zona Sul do Rio num eterno Pandemônio.

Opinião por Sérgio Augusto
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