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As cidades nas mãos dos cidadãos

Sociólogo americano Richard Sennett defende uma mobilização maior da população urbana

Por Rinaldo Gama
Atualização:

Quem ouve o sociólogo norte-americano Richard Sennett - professor das prestigiosas London School of Economics and Political Science e New York University - falar sobre metrópoles e seus problemas rapidamente identifica o ensaísta de texto elegante e idéias cristalinas consagrado em livros como Carne e Pedra - O Corpo e a Cidade na Civilização Ocidental, O Declínio do Homem Público e A Cultura do Novo Capitalismo. No Brasil para participar da Conferência Urban Age South American, num convite que se estendeu a sua mulher, Saskia Sassen, professora de sociologia da Columbia University, Sennett, de 65 anos, é modesto ao tratar questões urbanas: "Não sou um especialista", argumenta. As palavras, no entanto, teimam em contradizê-lo. Na entrevista a seguir, ele defende uma mobilização maior da sociedade para a resolução dos problemas mais prementes das cidades - em resposta às burocracias governamentais; diz que aumentar a oferta de empregos é o caminho para eliminar a violência e condena políticas urbanistas na linha do bota abaixo: "Minha preferência é valorizar as pessoas que já vivam em uma determinada área melhorando suas residências com água, eletricidade, etc. Eu acho que você constrói com aquilo que você tem". Veja também:Nas mãos do SupremoPor uma metrópole abertaA era das megalópoles residuais Como metade da população mundial vive em cidades, pode-se considerar que parte dos problemas que precisam ser solucionados com urgência no planeta - os ambientais, os de moradia, etc. - passam por elas. Apesar dessa evidência, são comuns as críticas de falta de agilidade dos governos para a implementação de projetos e medidas que tragam resultados rápidos e duradouros. As autoridades têm sido lentas quanto às questões prementes das metrópoles? Esse é um assunto difícil. Sim, os governos têm sido muito lentos. Na Grã-Bretanha, foram necessários cem anos para se criar um sistema de saúde - mas precisamos fazer isso em cinco, dez anos. A conseqüência desse estado de coisas é que não podemos ficar olhando para o governo na expectativa de que ele resolva tudo para nós. Precisamos, realmente, de mais ações todos os dias. Não podemos esperar pelas ações dos governos centrais para resolver tais tipos de problemas; precisamos de ações locais. Temos de construir algo que esteja lastreado numa base de ações próprias, evitando as burocracias governamentais. A criminalidade está entre as maiores preocupações dos paulistanos. A solução do problema da violência urbana costuma ser vinculada a práticas de inclusão social. Como o senhor analisa esse ponto de vista? Vou comentar a experiência britânica. O grande remédio para se combater a violência urbana é dar emprego para as pessoas. Um desempregado pode ser quatro, cinco vezes mais violento que alguém que esteja empregado: a pessoa precisa de dinheiro, está desesperada, então pode acabar se tornando violenta. Na Inglaterra, a pessoa que comete um crime pela segunda vez é, quase sempre, um desempregado. Assim, lá, em lugar de se investir montanhas de dinheiro em policiamento, tem-se privilegiado investimentos em empregos. Nesses casos, as soluções estão mais na mão dos governos centrais? O que todos os governos podem fazer são ações para criar empregos. Em algumas partes dos Estados Unidos, por exemplo, se há um jovem na rua, o que o governo faz é lhe dar um trabalho imediatamente. Como estimular investimentos em transportes públicos numa sociedade que consagrou a, por assim dizer, "cultura do automóvel"? Em São Paulo, somente 37% da população usa coletivos - ônibus, metrô e trem - para se movimentar dentro da cidade (em Buenos Aires, por exemplo, esse número sobe para 43%). De fato, vocês têm em São Paulo inacreditáveis problemas de trânsito, um tráfego intensíssimo de automóveis. O problema, nesse âmbito, é de planejamento. Aqui, você precisa de mais governo - de maior presença do governo. Você precisa de controle formal do transporte. É o único modo para solucionar a questão. Nesse ponto há uma grande diferença entre Londres e São Paulo. Na capital inglesa, o governo tem restringido muito o número de automóveis em circulação. Esse é um poder que as pessoas esperam que o governo exerça - e na Grã-Bretanha existe uma grande infra-estrutura de transporte público. Não sei qual a melhor solução para o trânsito de vocês; o que posso dizer é o que funcionou para nós: como eu disse, um governo forte. E nós também não construímos estradas. Se existem muitos automóveis, a resposta é não construir estradas. A circulação intensa de automóveis, naturalmente, implica ainda problemas ambientais É verdade. Não por acaso, as questões relacionadas ao meio ambiente ganharam destaque nesta Urban Age. Não é um problema de fácil solução. O que eu posso dizer a você é que, de minha parte, uso sempre transportes públicos. Qual ou quais cidades o senhor citaria para exemplificar projetos bem-sucedidos criados com o intuito de dar conta de problemas habitacionais? Xangai desenvolveu um bom modelo. A China tem bons exemplos de projetos habitacionais - e são construções de boa qualidade. Aqui, porém, seria preciso algo diferente. O modelo chinês é bastante particular: eles preferem, por exemplo, que as casas sejam mais reservadas, sem muita vizinhança; vocês aqui querem mais iluminação, mais luzes nas ruas, quer dizer, maior exposição. Ou seja, é uma questão cultural. Na China, foram feitos milhões de unidades habitacionais. Essa foi, de fato, uma grande façanha dos chineses. No Brasil, seria preciso procurar outros caminhos, outros modelos. Em que direção? É uma escolha construir em favelas ou em algum outro lugar. Minha preferência é valorizar as pessoas que já vivam em uma determinada área melhorando suas residências (com água, eletricidade, etc.). O que eu sou contra é derrubar tudo e construir de novo. Sou absolutamente contra. Eu acho que você constrói com aquilo que você tem. Esse é o tipo de urbanismo que eu defendo - dar um passo de cada vez. Atualmente, quando se pensa nos problemas das metrópoles, tem-se, para além da crise ambiental, por exemplo, a econômica. Há quem diga que as questões ambientais são mais graves do que as financeiras. De qualquer modo, quais lições o terremoto econômico de 2008 pode trazer para as cidades? O que esta crise vai fazer é promover muito desemprego. Nós precisamos nos preparar para isso. Esta não é uma crise que afeta apenas o sistema financeiro em si; ela é uma crise que atinge a economia real. Nesta crise, tem-se prestado muita atenção aos bancos, ao sistema financeiro global. Penso que se deva dirigir o foco para as pessoas e para o trabalho. Isso significa prestar mais atenção nas economias locais. Acreditou-se, por um período, que a globalização faria todo o mundo ficar rico. Isso não aconteceu. A globalização teve um efeito limitado. Com os problemas econômicos de agora, teremos em pouco tempo uma crise de emprego. As economias regionais são as que têm mais condições de suportar a crise financeira mundial. Precisamos, então, como eu disse, nos preparar. E isso significa criar mais empregos locais. Dessa maneira, poderemos contribuir para solucionar outros tipos de problemas - ambientais, de moradia, etc. Em "A Cultura do Novo Capitalismo" (2006), o senhor analisa as conseqüências do que chamou justamente de "new capitalism", um capítulo da história marcado por uma distância mais acentuada entre economia e Estado. Hoje, diante da crise econômica global, pode-se dizer que estamos vivendo um "new new capitalism"? Sim, estamos. E ele é o negativo do antigo new capitalism.

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