As Nações Unidas e o poder vacilante

ONU é forte quando os Estados membros se entendem e perde força quando há falta de consenso. Mas aí a culpa não é dela

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Por Joseph S. Nye
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Uma vez Joseph Stalin descartou a importância do poder diplomático perguntando: "Quantas divisões tem o papa?" Hoje, muitos auto-intitulados realistas descartam a ONU como ineficaz, argumentando que pode ser ignorada. Eles estão enganados. O poder é a capacidade de influenciar os outros para obter-se os resultados desejados. O poder impositivo opera usando métodos de recompensas e coerção, enquanto o poder diplomático opera por meio do convencimento e da cooptação. Sem forças militares próprias e com um orçamento relativamente exíguo, a ONU conta somente com o poder diplomático que consegue tomar emprestado de seus Estados membros. Foi criada em 1945 para servir a esses membros, e o artigo 2.7 de seus estatutos protege a jurisdição soberana deles. Depois do fracasso da Liga das Nações, na década de 30, a ONU foi planejada para que os membros permanentes de seu Conselho de Segurança atuassem como policiais para impor a segurança coletiva. Quando as grandes potências entraram em acordo, a ONU teve um poder coercitivo impressionante, como demonstrado na Guerra da Coréia e na primeira Guerra do Golfo. Mas tais casos são excepcionais. Durante a Guerra Fria, o conselho ficou dividido. Como disse um especialista, o veto dos membros permanentes foi designado para atuar como um quadro de fusíveis de um sistema elétrico, ou seja, é preferível que as luzes se apaguem a que a casa pegue fogo. Apesar dessas limitações, a ONU tem um considerável poder diplomático que nasce de sua capacidade de legitimar as ações de Estados, particularmente no que diz respeito ao emprego da força. As pessoas não vivem totalmente pelas palavras, mas também não vivem somente pela espada. Por exemplo, a ONU não conseguiu impedir a invasão do Iraque em 2003, mas o fato de não ter dado seu aval elevou grandemente os custos para os governos americano e britânico. Então, alguns líderes americanos tentaram deslegitimar a ONU, exigindo uma aliança alternativa de democracias. Mas eles não entenderam bem a questão, pois a política do Iraque tinha dividido as democracias aliadas e, com seu quadro universal de associados, a ONU continuou sendo uma fonte importante de legitimidade aos olhos da maior parte do mundo. O maior malefício à legitimidade da ONU tem sido auto-inflingido. Nos últimos anos, por exemplo, a política de blocos internos entre seus Estados membros produziu um Conselho de Defesa dos Direitos Humanos com pouco interesse em procedimentos justos ou no progresso dos direitos humanos. Da mesma forma, a ineficiência administrativa resultou num desempenho sofrível das tentativas amplamente divulgadas do programa de troca de petróleo por alimentos. O cargo de secretário-geral da ONU é dotado de muito pouco poder coercitivo, mas algumas pessoas ocuparam o posto com grande força operativa, usando seus recursos de poder diplomático para reforçar o poder coercitivo de governos. Por exemplo, Dag Hammarskjold aproveitou a oportunidade da crise de Suez, surgida quando a Grã-Bretanha e a França invadiram o Egito em 1956, para persuadir os governos a criar forças de paz - uma instituição que não constava dos estatutos originais da ONU. Na esteira dos fracassos da ONU em impedir genocídios e limpeza étnica em Ruanda e Kosovo na década de 90, Kofi Annan trabalhou com outros países para convencer os governos a admitirem uma nova responsabilidade de proteger povos em risco. Entretanto, tais inovações têm seus limites. Na esteira da guerra entre Israel e Líbano de 2006, os Estados mais uma vez recorreram aos pacificadores da ONU, como fizeram ao lidar com os problemas no Congo e Darfur. Mas, embora atualmente existam mais de 100 mil soldados de vários países servindo em missões da paz da ONU em todo o mundo, os Estados membros não estão fornecendo recursos, treinamento e equipamentos adequados. Além disso, os governos têm encontrado formas de retardar uma ação internacional efetiva, como tem sido no caso do Sudão. Resta saber se a China, preocupada com que seu comércio de petróleo com o Sudão possa prejudicar os Jogos Olímpicos de 2008, decidirá exercer mais pressão. Embora a Assembléia-Geral tenha estabelecido que os Estados têm a "responsabilidade de proteger", muitos membros concordaram somente num sentido muito restrito. Particularmente, muitos países em desenvolvimento continuam zelosos de sua soberania e temem que o novo princípio possa infringi-la. Por exemplo, depois da recente e violenta repressão do governo em Mianmar, o secretário-geral conseguiu enviar um representante ao país, mas com poderes limitados a relatar e tentar mediar. Isso talvez fosse o suficiente para convencer alguns governos, mas a junta que governa Mianmar expulsou o representante da ONU depois que ele avisou sobre "a situação humanitária em deterioração". A ONU tem um poder notável, tanto diplomático como impositivo, quando os Estados concordam com as políticas constantes do capítulo 7º de seu estatuto. Tem um poder diplomático modesto, porém útil, quando grandes potências discordam, mas estão dispostas a aquiescer no decorrer da ação. E tem um poder muito reduzido quando as grandes potências se opõem a uma ação ou quando governos repressores de Estados membros ignoram as exigências para que exerçam a nova "responsabilidade de proteger". Em tais casos, não faz sentido culpar a ONU. O poder diplomático é verdadeiro, mas tem seus limites. A falha não está na ONU, mas na falta de consenso entre seus Estados membros. * Joseph S. Nye é professor emérito de Harvard e autor do livro Soft Power: The Means to Success in World Politics (Poder Diplomático: Os Meios para o Sucesso na Política Mundial) SEGUNDA, 12 DE NOVEMBRO Lula oferece mediação Presidente Lula sugere ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, em visita ao Brasil, usar o País para mediar crises como a do Oriente Médio. Também no Brasil, o emissário da ONU Philip Alston produz relatório sobre execuções sumárias e violência policial.

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