18 de maio de 2019 | 16h00
Isabelle Huppert está no Festival de Cinema de Cannes. Até aí, nada de novo – Huppert, estrela de Frankie, de Ira Sachs, já apareceu em mais de duas dezenas de filmes exibidos em Cannes. Ela ganhou duas vezes o prêmio de melhor atriz, por Violette e A Professora de Piano. Já foi membro do júri e até presidente do festival, em 2009. Com um pouco de exagero, pode-se dizer que Cannes estaria incompleto sem Huppert.
A aclamação de Huppert, é claro, vai muito além de Cannes. Ela recebeu 16 indicações para o César, o Oscar francês, ganhando duas vezes. Foi indicada para o Prêmio Molière, o Tony francês, por sete vezes. E foi finalmente indicada para o Oscar em 2017.
Frankie é o primeiro filme em língua inglesa de Huppert apresentado em Cannes em quase quatro décadas, desde O Portal do Paraíso, de 1980. O filme tem produtores da França, Portugal e Suíça. É ambientado em Sintra, Portugal, e Sachs escreveu o roteiro com um brasileiro, Maurício Zacharias. Huppert se reveza entre o francês e o inglês, com um elenco que inclui Brendan Gleeson, da Irlanda, Vinette Robinson e Ariyon Bakare, da Inglaterra, Pascal Greggory, da França, Jérémie Renier, da Bélgica, e Marisa Tomei e Greg Kinnear, dos Estados Unidos.
A personagem de Huppert, Frankie, é uma adorada atriz de cinema que está gravemente doente e reúne marido, ex-marido, filho, nora e amigos para ajudá-la a enfrentar a perspectiva de morte. Huppert deu esta entrevista por telefone da França, onde ensaia uma peça.
Você já disse que gosta de se aventurar. Qual a aventura que a atraiu para ‘Frankie’?
Ira é conhecido por se ater a locações muito específicas – seus três últimos filmes foram no Brooklyn, Nova York. Para este filme ele escolheu outro lugar, e fiquei muito interessada em ir com ele a esse lugar, diferente do ambiente ao qual ele está acostumado. Isso também me permitiu conhecer outro cenário.
Essa parte de Portugal é mesmo bonita como aparece na tela?
É um lugar realmente dramático, e do modo como Ira o filma, a paisagem se torna parte da história, parte da jornada emocional de cada um. Não surpreende que Frankie reúna a família nesse ambiente: existe algo de mágico nele.
Você é uma atriz diferente quando atua em inglês?
Atuando em inglês, sou uma pessoa ligeiramente diferente, embora isso se destaque mais no palco que nos filmes. Às vezes, minha voz não é exatamente a mesma. Você se torna uma nova pessoa. É interessante.
Um elenco tão eclético, vindo de tantos países, faz muita diferença?
Sim, mas a reunião de tantos talentos vindos de diferentes lugares está no centro da história. Ira não fez isso por acaso. É parte do contexto da história, mas flui de um modo natural. Tem a ver com a ideia de que, venha você de onde vier e seja você quem for, pode se reunir com outros no meio do nada, numa viagem universal. O filme mostra que todos são iguais – no bom sentido, sem anular nossas particularidades, mas sublinhando que participamos da mesma jornada.
É uma história simples com personagens complexos. Isso atraiu você?
Vi o filme há uma semana e fiquei impressionada com essa junção. Ira levou uma extraordinária intimidade à tela. Existe um drama, mas em torno dele nada é excessivamente dramatizado, o que se traduz numa textura de grande veracidade. Enquanto eu filmava, pensava que era como se tivesse muito pouco a fazer. Essa mulher provavelmente morrerá, ela sabe disso e todo mundo sabe, então não dá para se imaginar uma situação mais dramática ou mais profunda. Mas o problema é como as pessoas se relacionam com essa situação. Todos sabem que estão presos a ela, mas ninguém realmente fala a respeito.
Você é conhecida por sua quase imobilidade na tela, por não usar expressões faciais desnecessárias. Mas, em momentos silenciosos do filme, você deixa pequenas revelações emocionais transparecerem em seu rosto.
A filmagem leva a isso. As pessoas acham que atrizes e atores representam em cada gesto, mas na maioria das vezes eles apenas refletem a situação vivida no filme. Perto do fim, quando Frankie olha para o marido, você sabe tudo que ela está vendo – o futuro sem ela e os sentimentos contraditórios que ela encara no fim da vida. A situação é tão forte que você acaba sentindo junto, sentindo que também está lá.
Então, a direção de Sachs combina com seu estilo.
A simplicidade que ele exige de todos nós não é tão fácil de se atingir. É como se estivesse filmando um documentário: você não vê personagens, só pessoas. Ele é gentil, mas sabe exatamente o que espera de você. Os atores estão acostumado a fazer personagens, a acrescentar algo. Ira quer que nos livremos dos recursos ficcionais. Quando me encontrei pela primeira vez com o personagem de Greg Kinnear, eu disse com uma certa ironia: “Ah, você é o amigo”. Ira quis que eu exorcizasse isso. O curioso é que a ironia continuou lá, sem nenhum comentário meu. Com Ira, tudo tem de ser tão claro e puro quanto possível, mas mesmo assim pode haver muita emoção. Gostei disso. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ
Encontrou algum erro? Entre em contato
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.