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Autor de 'A Grande Aposta' mostra que a covid-19 é um ensaio para uma pandemia ainda mais grave

Michael Lewis. que já esmiuçou o mercado financeiro, volta seu olhar para a atual crise sanitária

Por Alexandra Alter
Atualização:

Em seu livro de 2018, O Quinto Risco, Michael Lewis colocou uma inquietante questão: e se as agências do governo encarregadas de lidar com catástrofes — desastres naturais, escassez de comida ocasionadas pela mudança climática, epidemias — fracassassem em se preparar para uma crise inesperada e ameaçadora?

O jornalista e escritor Michael Lewis Foto: Peter Prato/The New York Times

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   “Muitos dos riscos que caíram no colo do governo pareciam tão remotos, como se fossem irreais: a possibilidade de um ciberataque deixar metade do país sem eletricidade; ou de um vírus transmitido por via aérea matar milhões de pessoas”, escreveu ele. 

No ano passado, quando o coronavírus começou a se espalhar pelos Estados Unidos, Lewis ligou para algumas das fontes do governo que usou em O Quinto Risco. O que ele descobriu foi ainda mais desconcertante do que o cenário assustador a respeito do qual ele lia no noticiário. Os especialistas com os quais ele conversou estavam alarmados não somente com o fracasso do governo em conter o vírus, mas também com a possibilidade de um patógeno ainda mais mortífero estar no horizonte.

“Todos eles consideravam esse evento como um exercício de simulação para algo muito pior, que é inevitável. E como nos preparamos para isso?”, afirmou Lewis em entrevista, na semana passada. “Eles encaravam a pandemia da mesma maneira que o corpo encara a vacina. É como um ensaio para quando a coisa ficar realmente grave.”

Lewis expõe essa aterradora possibilidade em seu novo livro, The Premonition: A Pandemic Story [A premonição: uma história de pandemia], que a editora W.W. Norton publicará em maio, com tiragem anunciada de 500 mil exemplares na primeira impressão.

“A premonição” acompanha três personagens centrais — um bioquímico, um trabalhador da área da saúde pública e um funcionário do governo federal que trabalha na Casa Branca — enquanto eles combatem a pandemia e descobrem que a resposta do governo americano é terrivelmente inadequada. Todos eles colocam “suas carreiras em risco” enquanto tentam evitar a catástrofe, afirmou Lewis.

Grande parte da narrativa ocorre antes de qualquer um descobrir a rapidez com que o vírus estava se espalhando pelos Estados Unidos. Lewis se recusou a identificar os três personagens, cujos nomes são revelados no livro, porque ele ainda está terminando a obra e não quer interferir no trabalho que eles estão realizando por colocá-los em evidência prematuramente. Os três estão concentrados naquilo que precisa ser feito para evitar futuras pandemias, afirmou ele.

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“Quando eles veem algo assim, se dão conta que há coisa pior a caminho”, afirmou ele. “Se a catástrofe não acontecer, meus personagens terão desempenhado um importante papel para que isso não ocorra.”

Lewis, autor de best-sellers de não ficção como Moneyball: o homem que mudou o jogo e A jogada do século, é conhecido por produzir narrativas convincentes e envolventes a partir de temas complexos e enfadonhos — como valor mobiliários lastreados em hipotecas, dívidas soberanas, estatísticas ou a monótona mas essencial mecânica da burocracia governamental. Seus livros anteriores venderam, ao todo, mais de 10 milhões de exemplares.

Com A premonição, Lewis enfrenta um tema que ainda está em desdobramento. Ele aborda a pandemia de um lugar que descreve como uma perspectiva pouco explorada: a visão térrea de quem liderou “uma espécie de resposta clandestina” à pandemia, enquanto graduados funcionários do governo garantiam falsamente ao público que o coronavírus desapareceria.

A premonição integrará um crescente acervo de não ficção que explora a pandemia e seus impactos. Os livros recentes e vindouros incluem The Corona Crash, de Grace Blakeley, que analisa a pandemia e as novas formas do capitalismo que ela impõe; Surge, da repórter Sheri Fink, do New York Times, que trata das dimensões éticas, sociais e científicas da crise; Fever City, de Gabriel Sherman, a respeito da resposta da cidade de Nova York à disseminação do vírus; e Preventable, um livro sobre as falhas que levaram a infecções e mortes evitáveis pelo coronavírus, de Andy Slavitt, que agora atua como conselheiro-sênior da equipe de resposta à COVID-19 do presidente Joe Biden. Em junho, Lawrence Wright, articulista da revista New Yorker, lançará The Plague Year, com crônicas a respeito das origens do coronavírus e sua disseminação global.

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Lewis iniciou sua apuração a respeito da pandemia no segundo trimestre do ano passado e começou a escrever no quatro trimestre. Quando ligou para seu editor de longa data na Norton, Starling Lawrence, para contar-lhe o que estava escrevendo, ele ficou tão emocionado que começou a gaguejar e não conseguiu descrever a trama.

Lawrence afirmou que “em um dado momento, ele disse, ‘Diabos, não consigo explicar, é melhor escrever'. Eu disse, ‘Isso, ótima ideia.'"

Lewis esperava conseguir publicar o livro o mais rapidamente possível, a tempo de a equipe de transição de Biden conseguir lê-lo. “Eu achava que ele seria mais útil se fosse lançado o quanto antes”, afirmou ele.

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Ao mesmo tempo, ele sentiu que precisava esperar para conferir a eficiência do governo na resposta à pandemia, que se provou tão desastrosa quanto ele temia, com dezenas de milhões de americanos infectados e centenas de milhares de mortes.

Ainda assim, Lewis considera seu livro esperançoso.

“É uma história de super-herói na qual os super-heróis parecem ter perdido a guerra, mas tudo que eles perderam foi uma batalha”, afirmou ele. “Existe uma guerra que eles vão vencer.” /Tradução de Augusto Calil

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