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Bertrand Russell repassa a história da filosofia ocidental em livro

O livro tem origem em palestras proferidas por Russell na Barnes Foundation da Filadélfia, entre 1941 e 1942

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Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

Outra ambiciosa obra de Bertrand Russell é lançada no mercado, desta vez pela Editora Nova Fronteira, História da Filosofia Ocidental, box com três volumes que cobrem diferentes áreas, da antropologia às ciências políticas – e vários períodos da história, dos pré-socráticos aos pensadores do século 20. Publicada pela primeira vez em 1945, a obra chega em nova tradução de Hugo Langone, indicada a leitores com interesse na área, mas não necessariamente com formação acadêmica.

O ator Jeremy Northam viveuBertrand Russell no filme 'O Homem que Viu o Infinito' Foto: Netflix

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O livro tem origem em palestras proferidas por Russell na Barnes Foundation da Filadélfia, entre 1941 e 1942. Auxiliado na pesquisa histórica por sua terceira esposa, Patricia, o filósofo decidiu dividir a obra em três tomos: o primeiro é dedicado aos pré-socráticos (Pitágoras, Parmênides e companhia) e à antiga filosofia depois de Aristóteles, incluindo os epicuristas e os estoicos; no segundo volume, a filosofia católica ganha projeção, de Agostinho a Tomás de Aquino; no terceiro e último volume, a moderna filosofia é analisada pelo autor, do Renascimento a Bergson.

Analisado por pensadores de distintas posições, como George Steiner e Roger Scruton, História da Filosofia Ocidental recebeu também muitas críticas pelas omissões, mas se transformou num sucesso editorial tão expressivo que até hoje não saiu de catálogo nos países em que foi publicado. Russell é tão popular que seu nome sempre é lembrado por cineastas, sejam documentaristas ou diretores de ficção. O cineasta Matthew Brown, em seu filme O Homem Que Viu o Infinito (2016), elege o filósofo, um lorde, como um dos principais personagens da saga do matemático indiano Srinivasa Ramanujan (1887-1920), que ele ajudou a promover. O aristocrata Russell, que se definia como um socialista, fez na prática o que poucos em sua época ousaram: ajudou um autodidata indiano a ser aceito pela racista e conservadora sociedade inglesa da época. Ramanujan enfrentou (e venceu) a competição de acadêmicos britânicos menos capazes.

Sobre sua História da Filosofia Ocidental, Russell preferiu chamá-la de um “trabalho de história social”, defendendo-se das críticas que recebeu no lançamento – é conveniente lembrar que ele também recebeu elogios de gênios como Albert Einstein e Erwin Scrödinger. Já George Steiner considerou a sua história “vulgar”, opinião não compartilhada por Scruton.

Essa História da Filosofia Ocidental de Russell certamente é polêmica. Alguns ensaístas, como Scruton, consideram sua análise do pensamento pré-cartesiano um tanto superficial. Isaiah Berlin, que escreveu sobre a obra em 1947, reforça a reputação de Russell como grande inovador da Lógica, saindo em sua defesa ao observar que, de fato, o filósofo e matemático poderia ter optado por uma história sistemática do modelo alemão ou francês de pensamento, mas preferiu ligar a história de pensadores do passado aos contemporâneos por acreditar que a Filosofia é território de ninguém. Pitágoras seria tanto um místico como matemático, defende o autor, que, nunca é demais lembrar, era um filósofo e matemático avesso à ideia de um conhecimento superior ou inferior. Em resumo: foi um enciclopedista segundo o modelo iluminista do século 18.

Pode-se acusar Russell de não demonstrar inclinação particular pelo transcendentalismo ou pela teologia mística, mas não o de ignorar a história social – dos gregos, em particular, ao assumir certa resistência às ideias de Platão (classificado de um filósofo político “orgânico”) ou à ausência de uma “imaginação emocional” em Aristóteles, como bem lembrou Isaiah Berlin. Admirador de Espinoza, um racionalista do século 17, Russell dedica um texto apaixonado ao filósofo holandês, para o qual Deus e a natureza eram dois nomes para a mesma realidade. No entanto, todos concordam que seu melhor texto é sobre a filosofia do alemão Leibniz, figura central na defesa do racionalismo (ele foi um grande matemático). Russell emperra mesmo em Kant, contestando suas doutrinas sobre espaço e tempo. História da Filosofia Ocidental é isso: uma obra em que o autor não sucumbe ao poder do mito.

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