PUBLICIDADE

Bíblia ganha nova tradução do grego por Frederico Lourenço

Lançamento faz parte de projeto que consiste em seis volumes

Por José Maria Mayrink
Atualização:

Chegou às livrarias na última semana de abril, exatamente um ano após a edição do primeiro, o segundo volume da Bíblia, uma primorosa tradução dos livros do Novo e do Antigo Testamento, traduzido do grego para o português por Frederico Lourenço, professor associado da Universidade de Coimbra.

Iluminura de monastério da Grécia ilustra o Novo Testamento Foto: Monastery of Dionysiou

PUBLICIDADE

+++Bach era mais religioso do que seus biógrafos acreditavam

Não é apenas uma edição a mais que se soma aos milhões de exemplares dos livros da Sagrada Escritura publicados no Brasil por editoras católicas e evangélicas, alguns deles também traduzidos do grego, mas um trabalho primoroso de um tradutor premiado pelas suas traduções, entre outras, de Ilíada e Odisseia, de Homero. Frederico Lourenço, de formação católica, acredita em Deus, mas não pratica nenhuma religião. 

“Minha tradução da Bíblia serve a todos os cristãos, mas tem um objetivo acadêmico, para estudo na universidade”, disse o professor por telefone em entrevista ao Aliás, três dias após o lançamento pela Companhia das Letras de Apóstolos, Epístolas, Apocalipse, do segundo volume do Novo Testamento. O primeiro volume, de abril de 2017, contém os quatro Evangelhos.

+++A religiosidade de Andrei Tarkovski em 'Stalker'

A edição prosseguirá em 2019 com um volume dos Profetas, primeiro dos quatro tomos dedicados ao Antigo Testamento, já lançado em Portugal. Por que a Bíblia em seis volumes, se tradicionalmente costuma ser publicada em um só? A explicação não é só a extensão do texto, que compreende 27 livros do Novo Testamento e 53 do Antigo Testamento, pois aos 46 do cânone católico se acrescentam outros sete livros. 

“Será a Bíblia mais completa que existe em português”, anuncia Lourenço na apresentação no primeiro volume, dos quatro Evangelhos. Do total, 39 livros foram escritos em hebraico, com “frases desgarradas em aramaico nos livros do Gênesis, de Jeremias e de Esdras, assim como uma seção mais relevante nesta língua no livro de Daniel”. 

Publicidade

+++Nova biografia investiga religiosidade e infância de Stalin

A opção por uma edição em seis volumes deve-se também à profusão de notas de rodapé e aos textos de introdução e apresentação que acompanham cada volume. São uma contribuição preciosa para o bom entendimento do conteúdo da Bíblia, no campo linguístico e acadêmico, e não exegese teológica, como se encontra nas traduções religiosas de católicos e evangélicos. As versões portuguesa e brasileira exigiram pequenas alterações, na opinião de Lourenço insignificantes, na ortografia e na gramática. Por exemplo, no emprego brasileiro do gerúndio que Portugal substitui pelo infinitivo – “Sou eu, que estou conversando contigo” e “Sou eu, que estou a conversar contigo”, como se lê no episódio do encontro de Jesus com a mulher samaritana. 

Essa tradução da Bíblia é a primeira que se faz diretamente do grego para o português dos livros do Antigo Testamento, a partir da Septuaginta, que é a versão grega traduzida do hebraico por sábios judeus da Diáspora. Mas não é a primeira do Novo Testamento. “Existem muitas traduções do grego para o português dos livros do Novo Testamento”, disse Lourenço, depois de observar que há milhares, uns cinco mil, de originais gregos que são cópias tiradas de outras cópias feitas desde os primeiros séculos do Cristianismo. A tradução do professor de Coimbra baseou-se na versão grega de Nestle-Aland, por ser, em sua avaliação, “a edição que melhor nos traz o texto mais antigo do Novo Testamento” (já que o texto original é irrecuperável). A versão Nestle-Aland, de 1979, foi também a fonte do texto grego do Novum Testamentum Graece et Latine (Novo Testamento em Grego e Latim) publicado pelo Vaticano em 1981.

+++Filme de Martin Scorsese retoma tensão religiosa de livro japonês

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

As notas de rodapé da Bíblia de Frederico Lourenço se esmeram em dar ao leitor o sentido exato, ou o mais próximo, das palavras gregas, como eram lidas e faladas nos primeiros séculos. “O grego é uma língua que evoluiu com uma continuidade extraordinária”, observa o professor. Para ele não existe um grego bíblico, como ensinam alguns tradutores, mas um grego antigo, no qual foram escritos todos os livros do Novo Testamento e alguns do Antigo Testamento.

O Evangelho de São João é o livro preferido de Lourenço no Novo Testamento. Ele não tem dúvidas sobre a autenticidade da autoria desse livro, mas registra discussões e dificuldades levantadas por historiadores e exegetas a respeito de quais foram os autores de outros livros. Por exemplo, sobre a autoria de São Lucas, cujas informações a respeito de Paulo-Saulo em Atos dos Apóstolos, divergem de descrições do próprio Paulo em suas cartas. 

Dedicadas à reconstituição da biografia de Paulo, as nove páginas finais da Introdução enfatizam as discrepâncias entre o que é dito sobre o Apóstolo em Atos e aquilo que ele diz sobre si próprio nas suas cartas autênticas. “A metodologia crítica mais defensável na abordagem da biografia de Paulo implica dar primazia à credibilidade de Paulo nos pontos em que há contradição entre as cartas autênticas de Paulo e outras fontes”, escreve Lourenço.

Publicidade

A Introdução desse segundo volume recém-lançado da Bíblia, com Atos, Epístolas e Apocalipse, é uma aula de história e de sociologia. Lourenço faz uma análise crítica, sempre com um viés acadêmico e não exegético religioso, dos textos e personagens do Novo Testamento, que fascina os leitores e estudiosos modernos por revelações surpreendentes. 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.