Bibliotecas municipais de São Paulo perderam 10% do acervo em 2017

Quantidade máxima aceitável, segundo bibliotecária, seria entre 1% e 2% durante um ano

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Por André Cáceres
Atualização:

As bibliotecas municipais de São Paulo perderam, juntas, mais de 200 mil livros em 2017. O acervo total das 54 instituições era de pouco mais de 2 milhões de exemplares no início do ano passado e caiu para menos de 1,8 milhão em dezembro, segundo dados da Coordenadoria do Sistema Municipal de Bibliotecas. Nos últimos dois anos, o acervo da cidade foi reduzido em mais de 400 mil livros para a menor quantidade registrada desde 2009, quando se iniciou a série histórica de dados da Prefeitura. 

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Clara Ushoes, 10 anos, frequenta a biblioteca Hans Christian Andersen desde bebê Foto: Patrícia Cruz/Estadão

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“Nos últimos anos, não havia essa ação de retirar livros em mau estado. Fizemos uma política de retirar esses exemplares que estavam apenas tomando espaço”, justificou o secretário de Cultura André Sturm em entrevista ao Aliás. “Nos últimos anos, a compra de livros era feita através de distribuidoras, era um processo caro. Fizemos uma longa negociação para adquirir com 50% de desconto e essa entrega começou em outubro”, explica. Ele diz que a perda é um processo normal: “Não acho que seja um número tão grande”. 

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Os livros retirados de circulação, segundo Sturm, vão para uma central na Lapa que avalia a possibilidade de restauro. Em nota, a Secretaria Municipal de Cultura afirmou cumprir a política de acervos e ressaltou que em 2017 “investiu R$ 863 mil na compra de 38 mil exemplares e recebeu a doação de outros 20 mil”. Por meio da Lei de Acesso à Informação, a Secretaria listou apenas 17,5 mil exemplares recebidos por meio de doação, vindos de quatro entidades: 10 mil da Saraiva; 2,6 mil do Grupo Espírita Emmanuel; 3,1 mil do Somos Educação; e 1,3 mil da Empiricus. 

A bibliotecária e ex-diretora do Departamento de Bibliotecas Públicas e de Bibliotecas Infantojuvenis de São Paulo, Durvalina Soares, questiona a política de compra: “Tanto para aquisição como para descarte, é preciso seguir critérios muito objetivos.” A especialista afirma também que o tamanho da perda registrada no primeiro semestre não é aceitável. “A baixa é comum, mas é normal que se tire das bibliotecas apenas os livros que estão em situação crítica, rasgados, infectados por cupim. A não ser que haja um descuido muito grande, será cerca de 1%, 2% do acervo.” 

Na opinião do professor Fernando Modesto, do Departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP, é preciso repensar o critério utilizado. “Para adquirir material, a biblioteca deve se basear na demanda dos usuários. Para o descarte também é preciso haver uma política clara para não se jogar fora material relevante.” 

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“Uma biblioteca perde livros pelo desgaste do material e pela questão da não devolução”, pondera o professor Modesto. “Pelas queixas que escuto de colegas que atuam no sistema, não há um diálogo. O acervo das bibliotecas foi sendo retirado sem muita participação do próprio bibliotecário.” Para ele, é necessário haver um debate público acerca da manutenção desse acervo. “Em São Paulo, existem três cursos de biblioteconomia, há especialistas que se dedicam a pesquisar e estudar políticas de formação de coleção de bibliotecas públicas. Não dá para aceitar que o governo não tenha a humildade de colocar suas propostas para debater com essas instituições”, defende.

Mas o que pensam os usuários? O farmacêutico industrial Rubens Rocha, de 42 anos, utiliza o ambiente das bibliotecas municipais da zona sul, perto de onde mora, para estudar para um concurso público. “Não uso para pegar livros emprestados, porque nunca encontro os volumes de filosofia e direito de que preciso. Acabo usando apenas o ambiente calmo”, lamenta Rocha. Já o estudante Lucas Marques, de 23 anos, mora em Santo André, mas sempre encontrou o que precisava nas bibliotecas paulistanas. “Dos clássicos da literatura, quase tudo o que li foi emprestado da Biblioteca Ricardo Ramos, que fica mais perto de casa, ou do Centro Cultural São Paulo. Até alguns livros mais técnicos para o meu curso eu já pude consultar sem precisar comprar do meu bolso”, comemora. 

Para o ator Josnei Silveira, de 29 anos, “não há interesse do sistema público em passar o conhecimento para as pessoas, trazer livros que realmente possam provocar uma reflexão”. Silveira conta que costumava usar as bibliotecas até cerca de dois anos atrás, mas percebeu que só conseguia encontrar os livros que queria em lojas. “Acabo tendo de pagar do meu bolso, mas pelo menos consigo ler o que preciso”, completa o ator. 

O caso mais curioso é o do cineasta Dimas Júnior, que, de tanto se decepcionar com as bibliotecas públicas, criou um ambiente na própria casa. “Se você procura por assuntos específicos em uma biblioteca, encontra pouco material. Até entendo que não tenham capital para ficar investindo”, acrescenta ele. Clara Ushoes tem apenas dez anos, mas frequenta desde bebê a Biblioteca Municipal Hans Christian Andersen, especializada em literatura infantil e uma das poucas na cidade que encerrou o ano passado com o acervo maior do que havia começado. Clara sorri e diz à reportagem que o local é um de seus favoritos, enquanto folheia um volume de tirinhas da Mafalda. 

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